Luarlindo Ernesto, repórter do Jornal O DIA.Daniel Castelo Branco
Publicado 16/10/2021 06:00
Depois do feriadão frio e chuvoso, nada melhor que pegar um sol, na rede, é claro. Mas, satisfeito que já chegou frente fria, com chuvas. E, ainda, vendo o Bem-te-vi encarando gatos para invadir o quintal e comer a ração dos bichanos. Passarinho corajoso. E faminto.
Pode ser a crise. Ele vem diariamente, pela manhã e ao entardecer. Não falha. Depois de comer, já abrigado no pé de nêspera, chama os companheiros. Eu, claro, fico espantando os gatos. Pela manhã e ao entardecer. Já faz parte do meu dia a dia. Depois dele, vem as maritacas, depois os sanhaços, as rolinhas...e a patroa.
Essa última, senhoras e senhores, é para reclamar que o quintal não foi varrido, ainda. Bolas, ainda falta o Pica Pau solitário, o Beija flor e os pardais. Ih, esqueci dos vizinhos que sempre aparecem. Agora tem um novo na área. É policial. Fácil de saber que não está em casa. Ele costuma disparar sua pistola por duas vezes. Disse que atira no chão de grama. Explicou que é para aproveitar as cápsulas e colocá-las nos ouvidos. Evita, assim, que entre água quando mergulha na piscina. Arre égua !

Quando briga com alguma namorada, em casa, atravessa rua, toca o sino e me entrega o seu arsenal (rifle, pistolas, munição, facas do Rambo e outros mimos), tudo em uma enorme e pesada bolsa de lona. "Ô Luar,
guarda aí contigo. Tem uma fulana lá em casa. Se houver briga, ela não acha nada para me atacar...". "Cada uma que aparece. Deve ser karma".
Um outro vizinho acha que eu devo permitir que ele guarde o carro aqui no quintal. Bolas, o cara tem garagem. Diz ele que o espaço é pequeno e que fica sem o quintal. Então, nada melhor (para ele) do que ocupar o meu. Não foi o primeiro. Acho que não será o último. Uma das filhas, a Claudia, já tem um tempinho, chegou para me visitar e se deparou com seis carros estacionados. "Ô pai, virou estacionamento
de supermercado?". Respondi com um sorriso amarelo (tristeza tem cor?). Não pensem que exagero.
Um outro vizinho, somente falava comigo quando bebia. Sóbrio, passava olhando para o chão, fingindo que
não me via. Ah, tem os que vivem pedindo ferramentas emprestadas. Mas, esquecem de devolvê-las. Um outro vizinho brigou com a mulher, altas horas da noite. Tocou o sino na porteira. Fui atender: "Que que houve? Foi assaltado?".  "Nada, briguei com a patroa e ela me mandou embora. Posso dormir na varanda?". Céus, lá fui bancar o Rabino. Consegui, depois de umas duas horas de conversa, demovê-la da separação. O vizinho voltou para casa. Hoje em dia, nem me dirige a palavra. Nem um cumprimento. Acho que ele não gostou de voltar para casa.
Pior foi quando, solteiro, morei sozinho nesta casa. Todo amigo ou conhecido que brigava com a mulher, ou se separava, vinha correndo com sua pequena mudança pedir abrigo e pouso. Um deles chegou a morrer aqui, no quarto que ocupava. Foi o Joel, companheiro de lidas e que saiu de casa depois que descobriu uma encrenca conjugal. Bolas, só aparecia os maridos. As mulheres, não.
Quase esqueci do Elias, amigo de uns 50 anos. Dono de pousada na Ilha Grande, aparecia semanalmente aqui na caverna. Toda segunda-feira ele chegava. Fazia compras de mantimentos e produtos de higiene para seu hotel, lá no Abraão. Já chegava dizendo que queria comer churrasco. "Não aguento mais comer frutos do mar. Faço isso há mais de 30 anos. Quero comer carne!".
O meu cão, um Doberman de 60 quilos de meiguice e bondade, ficava deitado no portão da garagem, esperando, impaciente, a chegada do Elias. Todas as segundas. Ele, também, adorava churrasco, sem sal. O cão morreu tem tempo. O Elias, octogenário,  agora mora no Recife, Pernambuco, vivendo à beira mar, pescando e comendo frutos do mar. Afinal, o preço da carne...

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