O DIA: Qual a avaliação da senhora sobre o seu primeiro ano como parlamentar?
DANI MONTEIRO: O ano de 2019 não foi um ano fácil para os brasileiros de um modo geral. Para a população do Rio de Janeiro, em particular, foi um ano em que fomos expostos a muitos testes. O estado está empobrecido e entregue em boa parte da totalidade do seu território às milícias, o que o tornou ainda mais inóspito e violento. Foi um ano desafiador, Foi um ano também de diálogo e negociação com os diferentes, porque não vejo outra forma de fazer política. E a política que estou aprendendo a construir é essencialmente de tolerância.
Fui vítima de racismo no meu espaço de trabalho e aproveitei para tornar o ruim em uma experiência positiva e abrangente, daí a luta que iniciei contra o racismo institucional tão entranhado nos nossos espaços públicos. Ainda que o poder esteja historicamente concentrado em mãos brancas e masculinas, estamos vencendo.
Em que momento da sua vida a senhora se interessou e decidiu entrar na política?
Quando entrei na universidade, como estudante cotista, e tive de enfrentar a realidade de quem precisa trabalhar para bancar a permanência na universidade. Ali, enquanto trabalhava como assistente de telemarketing em uma empresa durante oito horas do meu dia, mais os deslocamentos e o pouco tempo que restava para os estudos, inclusive a sala de aula, vi que não havia outro caminho a não ser a luta. E a luta, como entendo, tem de passar pela política. Fui entrando no movimento estudantil, criando coletivos, engajando gente e me engajando intelectualmente também, afinal é preciso saber o que pensaram aqueles que vieram antes de nós. Do movimento estudantil cheguei aqui.
Por que a senhora afirma que o Rio escancarou que não é para negros?
Eu nasci e vivi, até os meus 12 anos de idade, no Morro de São Carlos, no Centro do Rio. Conheço, pela minha própria origem, a vida na favela. E sei que esse é um espaço aonde o amparo do estado não chega. O que os moradores conhecem como “política pública” é a agressividade da polícia. A realidade nas favelas, hoje, é de sangue, de morte e de guerra. Só quem vive ali sabe o que é ter sua casa com perfurações de balas sistematicamente, sabe o que é ter a ponta de um fuzil apontada para si. Temos hoje uma grande parcela de juventude ‘nem, nem’, aquela que não trabalha e tampouco estuda, uma categoria que a ciência social define como desalentada, pois deixou de acreditar na chance de arrumar um emprego.
Uma das nossas principais frentes de batalha foi a questão da violência contra a mulher. Em um levantamento, constatamos que o estado do Rio não segue, por exemplo, a Norma Técnica federal que estipula a quantidade adequada de delegacias de atendimento especial à mulher de acordo com a sua densidade populacional. Um exemplo é a cidade de Duque de Caxias, que, com quase 920 mil habitantes, deveria contar com quatro delegacias especializadas, mas hoje há apenas uma. A região teve no ano de 2018 mais de 6,6 mil casos de violência contra a mulher. A ausência de um aparato do Estado que atenda vítimas de violência doméstica no Rio, no entanto, não ocorre apenas em regiões com alto índice de ocorrências. O próprio Tribunal de Justiça do estado constatou, em 2019, que apenas 13% das cidades fluminense têm delegacias especializadas. Com isto, criamos um projeto que estabelece o funcionamento ininterrupto das DEAMs 24 horas diárias. O projeto virou a Lei 8.528/19, já sancionada pelo governador Wilson Witzel. E fizemos vários requerimentos de instalação de DEAMs nos municípios sem cobertura.
Em 2020, seguiremos buscando soluções e políticas públicas para a juventude, em particular a periférica. Políticas de emprego, educação e cultura. Tomaremos iniciativas no sentido de ampliar a rede de proteção às mulheres vítimas de violência. E buscaremos uma atuação marcante no combate ao racismo religioso e na defesa dos povos de terreiro. Garantir a manutenção da política de cotas e a ampliação dos programas de aprendizado também estão entre nossas prioridades.
As pessoas se afastam da política por razões diversas. Uma delas é pelo distanciamento dos espaços onde se faz a política institucional, caso da Alerj. Precisamos eliminar as barreiras e trazer a população para as discussões que travamos no plenário. Já temos várias iniciativas neste sentido, a exemplo da Comissão Especial de Juventude, uma iniciativa inédita na casa até então, que está fazendo um diagnóstico da realidade de tal parcela da população e produzirá um relatório com recomendações de políticas públicas efetivas. Nosso objetivo é ampliar a participação política da sociedade civil na institucionalidade, diminuir o distanciamento da realidade do que somos e do cargo que ocupamos. Eu sou negra, sou jovem , nasci na favela e sou deputada estadual. Quero que mais jovens como eu enxerguem essa possibilidade como legítima, quero que os plenários pelo país afora sejam também ocupados por gente como eu. É assim que se eliminam desigualdades e se constrói uma democracia.