Chico Alencar - Alexandre Brum / Agência O Dia
Chico AlencarAlexandre Brum / Agência O Dia
Por Alexandre Braz

Depois de quatro mandatos consecutivos como deputado federal, Chico Alencar, do PSOL, não foi eleito em 2018. Ausente do noticiário político e do dia a dia no Congresso Nacional, o professor e historiador carioca, de 70 anos, diz que o fato de não ter mandato não o retira da condição de cidadão, muito menos reduz a vocação que tem pelo que é interesse público. Em um momento em que o debate político no país anda tão acirrado, o ex-deputado defende que haja mais diálogo. e diz que seu perfil conciliador é, na verdade, fruto da sua capacidade de debater "sem considerar que o adversário tem que ser eliminado". Esquerdista convicto, ele porém, não poupa críticas a Lula e ao PT. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

O senhor não foi eleito em 2018. O que tem feito longe da vida política?

O fato de não ter mandato parlamentar não me retira a condição de cidadão e nem essa vocação pelo que é interesse público, para a vida coletiva. Eu como professor dá UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) tenho feito muito debates, sou convidado para fazer análises de conjunturas, de uma série de temas. Isso me anima. Escrevo para blogs e sites. No ano passado produzi dois livrinhos. Um chamado "Nossos sonhos cabem na política" e o outro "Quem nossa educação educa?"

Como está a universidade pública fluminense e brasileira?

A universidade está vivendo um enorme estrangulamento financeiro. O governo não tem apreço por ela. Ele tem uma concepção que não tem nada a ver com o compromisso com a educação pública gratuita de qualidade. Temos um viés muito autoritário na gestão. Mas vejo também muita vontade de construir dentro das universidades. Temos bons cursos, muita unidade entre professores, alunos e direções, em geral eleitas. Há uma vitalidade democrática, apesar desse estrangulamento financeiro. Ao que tudo indica ela vai sobreviver e se revitalizar como instituição de ensino, pesquisa, extensão, cultura, ciência. São focos grandes contra a mediocrização da vida nacional.

E sobre seu livro "Quem a nossa educação educa?". Quem a nossa educação educa?

Ela educa, em geral, pouco e mal, e para criar cidadãos adaptados a um sistema de consumo, competição e individualismo. Esse é o padrão da educação brasileira. Ela vive uma crise permanente. Crise, que como dizia o Darcy Ribeiro, não é um momento, mas é um projeto. O projeto hoje é privatizar, apequenar, diminuir pelo menos. E entregar para a iniciativa privada formar a mão de obra qualificada para esse mesmo sistema. Essa pergunta é uma provocação também. É um desafio aos educadores a se fazer uma educação crítica e libertadora. Um contraponto interessante é que o Brasil é país que mais produz teses de mestrado e doutorado na área de educação no mundo. Isso é muito bom.

O senhor é um esquerdista, mas goza de respeito de adeptos de outras vertentes políticas. Como conseguiu esse respeito e o mantém em tempos de tamanha intolerância?

Em primeiro lugar, não existe verdade absoluta. Dogmas só são aceitos na dimensão religiosa, que não é uma dimensão racional apenas, mas também subjetiva. Na organização da sociedade, na ideia de como as sociedades devem funcionar, estamos sempre aperfeiçoando. E não há mais caminho único para isso. Dentro da esquerda já houve muito dogmatismo, messianismo, uma ideia de uma grande revolução, como se as coisas pudessem ser resolvidas como em um passe de mágica. Essa visão romantizada acabou no século 21. Temos que recorrer aos nossos erros, o que não quer dizer que não tenhamos posições. Sempre digo que as ideias devem brigar e não as pessoas. Essas devem saber dialogar. Temos que ter ideias e elas devem estar em confronto, sim. Mas em um patamar civilizado e de argumentação. E não uma reação sensitiva, de raiva, de ódio. Quando alguém diz que eu sou conciliador, eu sempre digo não é conciliador, é saber debater, discutir, sem considerar que o outro, que é adversário, tem que ser eliminado. O outro deve ser contestado apenas.

O senhor foi um dos fundadores do PT. O Lula foi uma decepção?

Eu não me decepcionei com o Lula porque eu o conhecia bem e sabia das limitações. Eu fui percebendo algumas escolhas erradas que ele fez, sobretudo em alianças políticas, com setores muito conservadoras, e que faziam as práticas mais ideológicas e tradicionais da política. Isso acaba tendo uma força muito grande na condução. Também nunca pensei que o Lula era o messias, nunca "messifiquei" ninguém na política. Por mais que o Lula seja prisioneiro do próprio e inegável carisma. É uma das pessoas mais inteligentes, sensíveis e antenadas com política que eu conheci na vida. O que não impediu a gente de divergir muito nas escolhas de alianças políticas, como eu disse.

Para o senhor, qual foi o maior problema do PT?

E agora o Lula, eu acho que o maior problema do PT foi o "adaptacionismo" ao sistema, se ele praticasse as ousadias da política externa, que foram muito boas, também nas políticas internas, nós não teríamos chegado a essa situação que chegamos. Mas faz parte de um processo e isso não acabou não, o PT continua sendo uma força política muito grande. Espero que saia do vício do hegemonismo. Ele (PT) tem que estar na cabeça de tudo, ele tem que estar dominando tudo. Espero que seja na verdade, uma força a mais, importante, sem dúvida, na construção de uma grande frente democrática, progressista para o Brasil.

 

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