Publicado 18/10/2020 06:00
A cada eleição amplia-se a influência do uso de ferramentas de tecnologia avançada, inteligência artificial, marketing de mídia e novas formas de comunicação com o objetivo de atrair eleitores. Nesta entrevista ao Informe de O Dia, o cientista político João Feres Júnior, do IESP-UERJ, coordenador do Manchetômetro, do Observatório do Legislativo Brasileiro e do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA), colunista dos portais Carta Capital, GGN e do site Terra é Redonda e autor de vários livros, estudos e artigos científicos, faz uma análise crítica do atual processo. Feres Júnior comenta sobre a relação mídia e política, teoria política, políticas de ação afirmativa, relações raciais e de gênero, teoria da história conceitual e estudos da América Latina.
A eleição deste ano é mais curta do que as anteriores e a campanha eleitoral se realiza em meio à pandemia de coronavírus. Na prática, o que muda?
Em uma eleição no Brasil, tradicionalmente temos três maneiras de os candidatos se comunicarem com os eleitores: a campanha direta – comícios, carreatas, eventos, panfletagem, abordagem direta por cabos eleitorais, etc –, o Horário Gratuito da Propaganda Eleitoral (HGPE) e a cobertura de imprensa. A pandemia do coronavírus causou o encurtamento do período oficial de campanha, afetando a eficácia do HGPE e o enfraquecimento da campanha direta, devido às várias proibições de circulação e de aglomerações de pessoas ainda vigentes. A cobertura de imprensa, por seu turno, é tradicionalmente fraca em eleições municipais, mesmo em cidades grandes como o Rio de Janeiro. Em suma, esse enfraquecimento generalizado dos canais de comunicação entre candidato e eleitor favorece àqueles que têm melhor condição de largada, que se resume basicamente a dois fatores: recursos financeiros de campanha e recall (reconhecimento público prévio).
Quem é mais conhecido do eleitor tem vantagem na disputa?
A questão é a seguinte, candidatos sem recall, ou seja, aqueles que são desconhecidos, dificilmente terão condições de chegarem ao segundo turno, pois o processo de informação do público não é tão rápido. Por outro lado, entre aqueles que têm recall, precisamos levar em conta também o fator rejeição. Por exemplo, na eleição atual, o candidato Marcelo Crivella tem grande recall, pois já é prefeito e é político conhecido. Contudo, ele é também campeão de rejeição, em grande medida devido à avaliação ruim de sua gestão. Outros candidatos fortes de recall são Eduardo Paes e Benedita da Silva, também devido a terem ocupado cargos públicos importantes no passado. Paes enfrenta rejeição por sua proximidade pretérita a Sergio Cabral, quando ambos eram membros do PMDB. Benedita tem que enfrentar o antipetismo, que ainda é forte no Rio de Janeiro. Mas a rejeição de ambos não se compara à de Crivella. Os outros candidatos são menos conhecidos.
Os candidatos cariocas estão demonstrando consciência da gravidade da situação financeira, econômica e como administrar o pós-pandemia?
Tenho acompanhado o HGPE bem de perto e a impressão que tenho é que os candidatos evitam entrar em detalhes sobre o momento do pós-pandemia. A situação financeira precária do município é tema recorrente, mas sempre é algo passível de superação nas narrativas das campanhas. Afinal de contas, não dá para fazer campanha pessimista, certo? Na prática, as finanças do município do Rio de Janeiro basicamente da arrecadação de tributos (IPTU, ISS, etc), transferências federais e royalties do petróleo. Em um contexto de crise econômica aguda, com queda abrupta da atividade econômica e decorrente impacto na capacidade de arrecadação tributária, que é responsável por mais da metade da receita total do Rio, a situação financeira enseja nenhum otimismo. Juntando a isso a crise financeira do Governo Federal, afetando as transferências e o fato dos royalties representarem fatia mínima do orçamento, temos um quadro que dificilmente pode ser convertido em tema de propaganda eleitoral.
O capital político do presidente Jair Bolsonaro terá influência na eleição deste ano no Rio e em todo o Brasil?
Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares que todo cientista político gostaria de saber responder. É difícil avaliar. Bolsonaro apostou inicialmente em Crivella, que está com enormes dificuldades de vencer sua rejeição e arrisca não ir ao segundo turno. Apoia também o desconhecido Luiz Lima. Basicamente, a trajetória de Lima na eleição servirá de régua do poder eleitoral de Bolsonaro, na capital de seu estado. No geral, as eleições municipais desse ano servirão de teste de popularidade para Bolsonaro. Sem partido político, o presidente não tem opção senão tentar conquistar eleitores pelo seu carisma e com emprego de estratégias de campanha negativa via redes sociais. Resta saber se funcionarão como em 2018.
O que está em jogo na eleição deste ano?
Muito do ponto de vista simbólico e político e muito pouco do ponto de vista dos problemas da administração municipal. Muito porque a eleição de 2018 bagunçou o xadrez político que se jogava no Brasil desde o começo da Nova República. Assim, esperasse que em 2020 os contornos mais estáveis de um novo arranjo do campo político-ideológico comecem a se consolidar. Contudo, a capacidade de os novos prefeitos resolverem os vários problemas que afetam a vida dos cidadãos brasileiros será muito pequena, devido à crise aguda e generalizada e ao poder restrito da esfera municipal na produção do bem-estar da população.
O prefeito Marcelo Crivella é evangélico e sua campanha reforça o apelo religioso. Isto é capaz de se traduzir em votos?
O maior fator de rejeição de Marcelo Crivella por parte do eleitorado é essa mistura de política com religião. Sem repertório de estratégias eleitorais alternativas, Crivella aposta naquela que deu certo na eleição passada, contra Freixo. No primeiro turno fideliza o voto evangélico para conseguir ir ao segundo turno, e aí bate o candidato de esquerda com enorme dificuldade de se comunicar com as classes populares. Só que dessa vez ele está em segundo lugar nas pesquisas, perdendo para Eduardo Paes e ameaçado por Benedita e Martha Rocha. Crivella parece ter perdido apoio inclusive de setores evangélicos, que sabiamente rejeitaram a maneira desabusada como instrumentaliza politicamente a religião, e está comprimido entre Eduardo Paes, que conquista todo o resto do voto da direita ao centro, e as candidatas de esquerda, Benedita e Martha. Assim, o bispo da Universal corre sério risco de ficar fora do segundo turno.
O Rio vive um grave problema de ocupação do espaço e, agora, com um elemento complicador: a atuação das milícias, principalmente na zona oeste. Por que este problema fica fora do debate municipal?
A meu ver porque é um problema que, como a questão financeira, é de solução muito difícil. As milícias controlam máquinas eleitorais e sua disposição contra um candidato pode lhe custar votos preciosos. O problema das milícias deve ser encarado de maneira conjunta pelos governos federal, estadual e municipal, tamanha sua gravidade. Acho pouco provável que o Governo Bolsonaro veja isso como uma prioridade, por razões óbvias.
Os bolsões de pobreza concentrados nas favelas e em bairros distantes dos centros urbanos parecem excluídos do debate sobre a atuação do poder público. Por que isto ocorre?
Permita-me discordar aqui. Quase todos os candidatos colocam as favelas como elemento central em suas campanhas. A questão me parece outra. Quais deles terão disposição real de tentarem melhorar as condições de vida das pessoas nessas comunidades mais carentes. Sou bastante cético em relação à capacidade do poder municipal “dar um jeito” na exclusão social sofrida por essas comunidades. As pessoas precisam de empregos e serviços públicos que são federais, estaduais e municipais. Enquanto não elegermos políticos com real comprometimento com os setores mais carentes da população, essa situação não vai mudar. Enquanto o sujeito que é autônomo, o micro e pequeno empresário, o trabalhador pensar com cabeça de milionário, votando em políticos que cuidam dos interesses das classes mais abastadas, continuaremos a sofrer essas mazelas. Pobre precisa de mais estado, de maior taxação dos ricos, de mais políticas públicas.
A eleição deste ano é mais curta do que as anteriores e a campanha eleitoral se realiza em meio à pandemia de coronavírus. Na prática, o que muda?
Em uma eleição no Brasil, tradicionalmente temos três maneiras de os candidatos se comunicarem com os eleitores: a campanha direta – comícios, carreatas, eventos, panfletagem, abordagem direta por cabos eleitorais, etc –, o Horário Gratuito da Propaganda Eleitoral (HGPE) e a cobertura de imprensa. A pandemia do coronavírus causou o encurtamento do período oficial de campanha, afetando a eficácia do HGPE e o enfraquecimento da campanha direta, devido às várias proibições de circulação e de aglomerações de pessoas ainda vigentes. A cobertura de imprensa, por seu turno, é tradicionalmente fraca em eleições municipais, mesmo em cidades grandes como o Rio de Janeiro. Em suma, esse enfraquecimento generalizado dos canais de comunicação entre candidato e eleitor favorece àqueles que têm melhor condição de largada, que se resume basicamente a dois fatores: recursos financeiros de campanha e recall (reconhecimento público prévio).
Quem é mais conhecido do eleitor tem vantagem na disputa?
A questão é a seguinte, candidatos sem recall, ou seja, aqueles que são desconhecidos, dificilmente terão condições de chegarem ao segundo turno, pois o processo de informação do público não é tão rápido. Por outro lado, entre aqueles que têm recall, precisamos levar em conta também o fator rejeição. Por exemplo, na eleição atual, o candidato Marcelo Crivella tem grande recall, pois já é prefeito e é político conhecido. Contudo, ele é também campeão de rejeição, em grande medida devido à avaliação ruim de sua gestão. Outros candidatos fortes de recall são Eduardo Paes e Benedita da Silva, também devido a terem ocupado cargos públicos importantes no passado. Paes enfrenta rejeição por sua proximidade pretérita a Sergio Cabral, quando ambos eram membros do PMDB. Benedita tem que enfrentar o antipetismo, que ainda é forte no Rio de Janeiro. Mas a rejeição de ambos não se compara à de Crivella. Os outros candidatos são menos conhecidos.
Os candidatos cariocas estão demonstrando consciência da gravidade da situação financeira, econômica e como administrar o pós-pandemia?
Tenho acompanhado o HGPE bem de perto e a impressão que tenho é que os candidatos evitam entrar em detalhes sobre o momento do pós-pandemia. A situação financeira precária do município é tema recorrente, mas sempre é algo passível de superação nas narrativas das campanhas. Afinal de contas, não dá para fazer campanha pessimista, certo? Na prática, as finanças do município do Rio de Janeiro basicamente da arrecadação de tributos (IPTU, ISS, etc), transferências federais e royalties do petróleo. Em um contexto de crise econômica aguda, com queda abrupta da atividade econômica e decorrente impacto na capacidade de arrecadação tributária, que é responsável por mais da metade da receita total do Rio, a situação financeira enseja nenhum otimismo. Juntando a isso a crise financeira do Governo Federal, afetando as transferências e o fato dos royalties representarem fatia mínima do orçamento, temos um quadro que dificilmente pode ser convertido em tema de propaganda eleitoral.
O capital político do presidente Jair Bolsonaro terá influência na eleição deste ano no Rio e em todo o Brasil?
Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares que todo cientista político gostaria de saber responder. É difícil avaliar. Bolsonaro apostou inicialmente em Crivella, que está com enormes dificuldades de vencer sua rejeição e arrisca não ir ao segundo turno. Apoia também o desconhecido Luiz Lima. Basicamente, a trajetória de Lima na eleição servirá de régua do poder eleitoral de Bolsonaro, na capital de seu estado. No geral, as eleições municipais desse ano servirão de teste de popularidade para Bolsonaro. Sem partido político, o presidente não tem opção senão tentar conquistar eleitores pelo seu carisma e com emprego de estratégias de campanha negativa via redes sociais. Resta saber se funcionarão como em 2018.
O que está em jogo na eleição deste ano?
Muito do ponto de vista simbólico e político e muito pouco do ponto de vista dos problemas da administração municipal. Muito porque a eleição de 2018 bagunçou o xadrez político que se jogava no Brasil desde o começo da Nova República. Assim, esperasse que em 2020 os contornos mais estáveis de um novo arranjo do campo político-ideológico comecem a se consolidar. Contudo, a capacidade de os novos prefeitos resolverem os vários problemas que afetam a vida dos cidadãos brasileiros será muito pequena, devido à crise aguda e generalizada e ao poder restrito da esfera municipal na produção do bem-estar da população.
O prefeito Marcelo Crivella é evangélico e sua campanha reforça o apelo religioso. Isto é capaz de se traduzir em votos?
O maior fator de rejeição de Marcelo Crivella por parte do eleitorado é essa mistura de política com religião. Sem repertório de estratégias eleitorais alternativas, Crivella aposta naquela que deu certo na eleição passada, contra Freixo. No primeiro turno fideliza o voto evangélico para conseguir ir ao segundo turno, e aí bate o candidato de esquerda com enorme dificuldade de se comunicar com as classes populares. Só que dessa vez ele está em segundo lugar nas pesquisas, perdendo para Eduardo Paes e ameaçado por Benedita e Martha Rocha. Crivella parece ter perdido apoio inclusive de setores evangélicos, que sabiamente rejeitaram a maneira desabusada como instrumentaliza politicamente a religião, e está comprimido entre Eduardo Paes, que conquista todo o resto do voto da direita ao centro, e as candidatas de esquerda, Benedita e Martha. Assim, o bispo da Universal corre sério risco de ficar fora do segundo turno.
O Rio vive um grave problema de ocupação do espaço e, agora, com um elemento complicador: a atuação das milícias, principalmente na zona oeste. Por que este problema fica fora do debate municipal?
A meu ver porque é um problema que, como a questão financeira, é de solução muito difícil. As milícias controlam máquinas eleitorais e sua disposição contra um candidato pode lhe custar votos preciosos. O problema das milícias deve ser encarado de maneira conjunta pelos governos federal, estadual e municipal, tamanha sua gravidade. Acho pouco provável que o Governo Bolsonaro veja isso como uma prioridade, por razões óbvias.
Os bolsões de pobreza concentrados nas favelas e em bairros distantes dos centros urbanos parecem excluídos do debate sobre a atuação do poder público. Por que isto ocorre?
Permita-me discordar aqui. Quase todos os candidatos colocam as favelas como elemento central em suas campanhas. A questão me parece outra. Quais deles terão disposição real de tentarem melhorar as condições de vida das pessoas nessas comunidades mais carentes. Sou bastante cético em relação à capacidade do poder municipal “dar um jeito” na exclusão social sofrida por essas comunidades. As pessoas precisam de empregos e serviços públicos que são federais, estaduais e municipais. Enquanto não elegermos políticos com real comprometimento com os setores mais carentes da população, essa situação não vai mudar. Enquanto o sujeito que é autônomo, o micro e pequeno empresário, o trabalhador pensar com cabeça de milionário, votando em políticos que cuidam dos interesses das classes mais abastadas, continuaremos a sofrer essas mazelas. Pobre precisa de mais estado, de maior taxação dos ricos, de mais políticas públicas.
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