Publicado 06/12/2021 09:00
Doutora em Física da Matéria Condensada pelo Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade de Manchester, na Inglaterra, Sônia Guimarães também é fundadora da Afrobras e mantenedora da Universidade Zumbi dos Palmares, com 89% de alunos negros. Em novembro, ela conquistou o Prêmio Guerreiro da Educação Ruy Mesquita. Na entrevista ao jornal O Dia, a primeira mulher negra doutora em Física no Brasil e primeira professora negra no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) fala dos desafios na área de tecnologia e destaca um avanço significativo: "neste ano, entraram 17 meninas; em 1993, elas não podiam nem fazer vestibular".
O DIA: A senhora se sente respeitada em sala de aula?
Sônia: De jeito nenhum. Minhas ideias são ignoradas, não me dão crédito pelas ideias. Já disseram que eu era louca, quando só queria ensinar os alunos a escrever artigos científicos. Neste semestre, ensinei a turma a usar equipamentos do laboratório — mas quando tentei fazer isso no ano passado, me acusaram de querer passar Covid para os estudantes. No entanto, a universidade transportou os alunos de Guarulhos a São José dos Campos num único avião, e só fizeram os testes na chegada. O resultado foi de quase 20 infectados.
Que cenário a senhora encontrou no ITA?
Em 1996, no meu terceiro ano de cátedra, um colega entrou na sala com 12 avaliações, de 120 alunos, sobre mim, falando que eu não sabia Física e que minha roupa chamava muita atenção para o meu corpo. Tentei conversar com o chefe do departamento — que estava viajando —, com o vice-chefe e com o representante dos professores: me disseram que eu estava sendo perseguida e me mandaram embora. Nem reitor não me recebeu. Fui expulsa e, então, fiquei mais de uma década fora do ITA.
Poderia comparar a academia em 1993, quando começou no ITA, com o panorama atual?
Antes da Covid-19, o ITA reuniu todas as mulheres de exatas do Brasil, mas não me chamou. Por outro lado, no dia anterior, a Universidade Federal de São Carlos, onde me formei, me convidou para entregar um prêmio aos homenageados da instituição — com tudo pago. Mas tivemos um avanço bem importante: neste ano, entraram 17 meninas; em 1993, elas não podiam nem fazer vestibular. No instituto, existem outras professoras negras, mas elas só sabem dizer: "entrei por mérito, não por cotas, não me encham com esta história de negritude".
Hoje é mais fácil para a mulher entrar na pesquisa?
Não. Conheço várias universidades que não têm nenhuma professora mulher de Física. A Fiocruz faz até uma campanha para incentivar as meninas a seguirem a carreira acadêmica, mas, olhando no geral, tem muita coisa a ser feita. Já somos maioria na pós-graduação, mas não somos contratadas. Também ouço ainda histórias de mulheres de 20 ou 30 anos que sofrem assédio sexual e moral. E, muitas vezes, não acontece nada com o homem que faz isso. Pior: alguns, além de processarem a vítima por difamação, continuam dando aula como se nada tivesse acontecido. A impunidade é uma vergonha.
Como foi ser a primeira mulher negra a conquistar o Troféu Guerreiro da Educação Ruy Mesquita?
Uma experiência muito diferente da de ter um evento na instituição em que leciono e para o qual não fui chamada. Concorri com 40 nomes, e, depois de ser anunciada como vencedora, recebi vários convites por parte do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), criador do prêmio, tanto para um recital, como para o Hackathon.
Qual o papel da educação na luta antirracista e feminista?
Sempre digo que tudo veio da África, antes da Europa: engenharia, agricultura, tecnologia e computação. Há 3 mil anos, os africanos já sabiam fazer código. E é preciso dizer que o negro que não entra na faculdade não é burro, acontece que não se cria oportunidade para ele, temos que entender que existe um racismo estrutural. Se a menina quiser saber como o celular e o carro funcionam, ótimo, ela pode ser uma grande engenheira mecânica. Meninas que gostam de exatas, querem matemática? Façam. Houve um tempo que mulher não dirigia; o mundo mudou e é preciso mudar também.
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