Por Luciano Bandeira
Publicado 22/11/2019 16:24 | Atualizado 22/11/2019 16:51
A história da advocacia no Brasil abriga vários nomes importantes na luta contra o racismo, como Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa e Castro Alves. Um dos mais importantes foi Luís Gama (1830-1882), que era filho de mãe africana e foi vendido como escravo na infância pelo próprio pai, um fidalgo de origem portuguesa. Ele conseguiu estudar Direito e, mesmo sem se formar, foi responsável pela libertação de mais de 500 escravos.

Outro advogado negro de importância capital para a advocacia foi Francisco Gê Acaiaba de Montezuma (1794-1870), fundador e primeiro presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros e que teve destacada atividade na vida pública nacional.

Hoje, temos importantes advogados e advogadas fortalecendo a Ordem e sendo vozes importantes no combate ao racismo, como Ivone Caetano, desembargadora aposentada, e Humberto Adami, presidente da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra no Brasil.

Nos anos recentes, é preciso destacar a atuação do advogado, jornalista e parlamentar Carlos Alberto Oliveira, o Caó, que deu nome à lei de 1989 que tornou o racismo um crime inafiançável e imprescritível. Até então os atos de discriminação racial eram tratados apenas como simples contravenções penais. Foi um passo importantíssimo e necessário.

Cito um exemplo banal e revoltante de quando eu era jovem, antes da lei: era comum que negros fossem obrigados a usar entradas e elevadores de serviço. Isso não existe mais. Mas há ainda muito a fazer para que a igualdade racial seja estabelecida.

A discriminação racial continua, de forma brutal e estrutural. E afeta fortemente a qualidade de vida, como provam diversos indicadores socioeconômicos. Segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade entre jovens brancos de 15 a 29 anos era de 34 para cada 100 mil habitantes em 2017. Entre jovens negros, na mesma faixa etária, a taxa de homicídio chega a 185 por 100 mil habitantes.

Nesse momento de crise, o mercado de trabalho é ainda mais difícil para negros. No terceiro trimestre de 2018, a taxa de desocupação registrada entre a população branca era de 9,4%, bem abaixo daquela observada entre negros (14,6%). Entre esses, também é muito maior o número na informalidade.

Embora a força de trabalho negra seja maioria no país, uma pesquisa do Instituto Ethos revelou que ela ocupa apenas 4,9% das cadeiras nos Conselhos de Administração das 500 maiores empresas do Brasil. E preenche 4,7% dos quadros executivos.

Isso reflete no rendimento das famílias. Em média, pretos e pardos recebem a metade dos brancos. E, segundo o Banco Mundial, a taxa de pobreza e pobreza extrema afeta o dobro da população negra: 32,9% vive com menos de US$ 5,50 por dia, em comparação a 15,4% dos brancos. Em 2016, a taxa de analfabetismo entre os brancos era de 4,2%. A de pretos e pardos era mais que o dobro (9,9%).

No Judiciário os dados são ainda mais díspares. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, em 2013, último ano disponível, apenas 1,4% dos magistrados no Brasil era negro. A própria participação dos negros na advocacia ainda é inferior à sua participação no resto da sociedade.

Esta semana tivemos uma boa notícia. Pela primeira vez, negros são maioria nas faculdades públicas. É algo a se comemorar, mas ainda é pouco. A luta contra o racismo não pode ficar restrita a um dia – e deve ser de toda a sociedade.
Luciano Bandeira é presidente da OABRJ.