Por O Dia
Publicado 22/05/2020 19:07 | Atualizado 22/05/2020 19:54
No meio da pandemia que vem ceifando a vida de milhares de pessoas no Rio de Janeiro, no Brasil e no mundo, médicos e autoridades sanitárias tem um orientação principal a todos: fiquem em casa.

O confinamento é a forma mais eficiente de se prevenir, evitando uma eventual contaminação, internação e mesmo a morte.

Pois, para alguns males que assolam o Rio de Janeiro, nem se trancar em casa é suficiente. Assim, como ocorre com a Covid-19, a violência policial tem seus grupos de risco: negros, pobres, jovens.

João Pedro era negro. Tinha 14 anos e um sonho: ser advogado. Mas sua vida foi interrompida na segunda-feira, dia 18, por um tiro de fuzil na barriga, atingido dentro de casa no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, em uma operação envolvendo policiais civis e federais. Um tiro, entre os 72 que perfuraram as paredes de dentro da casa enquanto brincava com primos.

Baleado, ainda com vida, João Pedro foi levado de helicóptero por policiais, sem que avisassem o paradeiro para a família. Após uma romaria por hospitais do Estado, e uma mobilização nas redes sociais, o corpo do menino foi encontrado 17 horas depois, abandonado no IML de São Gonçalo.

No enterro de João Pedro, seu pai salientou que a polícia não matou apenas o filho, um jovem"com um sonho, com um projeto, querendo ser alguém na vida". A morte atingia a família inteira, um pai, uma mãe, uma irmã. É uma dor que sobrevive para sempre.

Isso, lamentavelmente, se tornou corriqueiro. Quando não há reprimenda ou consequências para atos assim, eles se reproduzem. A OABRJ já denunciou uma política de extermínio que atinge particularmente os mais vulneráveis, os mais pobres, os negros, os jovens.

Um levantamento do próprio governo estadual atestou que 80% das pessoas mortas pela polícia do Rio no primeiro semestre de 2019 eram negros e pardos.

Alguém imagina a polícia entrar atirando em um condomínio de luxo na Zona Sul carioca? Balear um adolescente dentro de casa? Levar o ferido sem informar o paradeiro e não entrar em contato com os responsáveis do jovem, que ficariam obrigados a perambular por hospitais e IMLs do Estado?

Não podemos esquecer casos semelhantes e recentes. Como o da pequena Agatha, de 8 anos, morta dentro de uma kombi no Complexo do Alemão, em setembro do ano passado, por um tiro da polícia.

Assim que essa morte bárbara ocorreu, responsáveis pela politica de segurança vieram a público justificar o caso e afirmar que operações desse tipo continuariam. À época, afirmei com pesar que a perspectiva era de que tivéssemos outras Agathas em pouco tempo. João Pedro é uma nova Agatha. Quantas mais teremos?

A socióloga Silvia Ramos, coordenadora do Observatório de Segurança, alertou que, no mês de abril, a polícia do Rio foi 57,9% mais letal em comparação ao mesmo mês do ano passado. É muito preocupante.

O trabalho da polícia é absolutamente essencial. Mas ele deve ser feito com inteligência, planejamento e transparência. O objetivo primordial deve ser sempre preservar vidas, não matar bandidos. A morte de inocentes não é um "efeito colateral" admissível. Uma sociedade que normaliza esse tipo de morte está doente. E, como mostra a morte de João Pedro, para se proteger dessa doença não adianta nem ficar trancado em casa.
Luciano Bandeira é presidente da OABRJ.