Rio - A Vale que já foi Rio Doce, nasceu em Minas em 1942 e esteve associada à extrativismo mineral. Logo, se é inadmissível que acidentes com barragens ocorram, ainda mais de forma reincidente, não se pode demonizar a Vale e o setor, relegando a importância econômica que a atividade tem para o país.
Em outro plano, o acidente no Centro de Treinamento do Flamengo precisa ser visto sem paixão de torcedor. O incêndio é indefensável, ainda que explicável (curto-circuito no ar condicionado), mas não condena o clube e não apaga a importância no país.
Nos dois casos houve falhas, ninguém discute, mas não se deve confundir entidades como maiores culpados. Que se punam responsáveis, que se omitiram no cumprimento de funções legais e estatutárias, ainda que empresa e clube, como pessoas jurídicas, terão que pagar indenizações.
É possível aceitar que a Vale provoque explosões e que use barragens em tanques de rejeitos, por serem inerentes às operações. Por isso, os mecanismos de conformidade ("compliance") não deveriam se restringir a certificações de estabilidade, aparentes manuais de contingências e treinamentos formais de segurança. A atividade de gestão de risco, que no papel é elogiada, não funcionou na prática.
Nenhum dos clubes do Rio tem CT com alvará e certificação dos Bombeiros válido. O do Flamengo era o mais novo e moderno, sendo que os contêineres adaptados para dormitórios tinham boas condições de conforto, segundo sobreviventes. Só que, com o incêndio, ficou claro que a segurança era precária e que houve falha. O fato é mais alarmante devido à quantidade de multas aplicadas sem efeito prático. Mesmo que o local tivesse licenças, a dinâmica dos fatos sugere que o incêndio ocorreria de qualquer jeito. As causas são mais profundas e é preciso colocar o dedo na ferida e apurar com rigor.
Impressiona observar que da noite para o dia surgiram especialistas em barragens de rejeitos e em contêineres, e declarações com "precisão técnica e jurídica". Multiplicam-se tentativas de alguns em se eximir de responsabilidades e, de outros, oportunistas, em surfarem nos holofotes.
É aceitável que cada um tenha direito de se expressar, mas é deve ter muito cuidado e efetivamente fazer que a sociedade aprenda com erros. É preciso ultrapassar o formal, exigir mais do que licenças e alvarás, ir além do que está no papel e mudar práticas de governança corporativa para que se transformem em cultura de segurança e engajamento, começando com dirigentes e gestores.
* Gilberto Braga é professor do IBMEC e da Fundação Dom Cabral
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