No comando da Secretaria Nacional de Gestão e Desempenho de Pessoal — vinculada ao Ministério da Economia — desde janeiro de 2019, Wagner Lenhart avalia os próximos passos da modernização da gestão pública federal. Em entrevista à coluna, o secretário responde sobre o tema que tomará conta das discussões dos 617 mil servidores federais — sendo pouco mais de 100 mil só no Estado do Rio —, além dos estaduais e municipais, este ano: a reforma administrativa.
A reestruturação do ‘RH’ do país será apresentada ao Congresso, e à sociedade, por meio de Proposta de Emenda Constitucional (PEC). E Lenhart explica que a PEC abrirá caminho para outros projetos mais específicos, como o que vai reduzir o número de planos de cargos e outro para definir a avaliação de desempenho do funcionalismo. Segundo ele, a ideia é tornar a administração mais eficiente e flexível.
O DIA: Alguns projetos que são 'braços' da reforma administrativa (que virá por PEC) já estão no Congresso. Um deles prevê a redução de jornada de salário de servidores, e também há uma outra proposta nesse sentido tramitando no Parlamento. Se houver aprovação, o governo pretende implementar essa medida de imediato?
Lenhart: Os que foram encaminhados têm um conteúdo estritamente fiscal, para o equilíbrio das contas públicas. Quando a gente trata de gestão de pessoas, tem uma abordagem mais ampla. E a PEC da reforma, que não foi enviada, mas está basicamente pronta, torna a gestão no serviço público estratégica, além de modernizar essa estrutura que está defasada. E, na verdade, a ideia do governo com as medidas que estão sendo tomadas de buscar reduzir o déficit fiscal é justamente para que não haja necessidade de aplicar essas medidas no âmbito da União. A gente está fazendo todo o esforço para que isso não seja necessário. E a PEC emergencial especial (enviada ao Congresso), o nome já diz, é para ser utilizada em casos excepcionais, quando a situação financeira do município, estado ou União tenha chegado a um estado em que não há alternativas a não ser um corte mais drástico.
É uma medida para ser adotada em quais casos, por exemplo?
Quando os entes não conseguem mais pagar seus servidores, comprar medicamentos, atender os postos de saúde, prestar um serviço de educação de qualidade para todos. A ideia é que seja um último recurso, quando não há opções. Para que o ente tenha condição de dar continuidade as suas atividades.
Então não está no radar do governo federal implementar esse gatilho de imediato, em 2020 ou 2021?
No que toca a União, que a gente tem gerência, a ideia é fazer todos os ajustes que precisam ser feitos do ponto de vista fiscal para que não seja necessário utilizar a PEC emergencial e esse gatilho de redução de jornada e salário. Nossa ideia é garantir o equilíbrio das contas públicas. Na verdade, a PEC de emergência fiscal é uma forma de garantir que esses entes tenham continuidade nas suas atividades.
No caso de se implementar a diminuição de jornada e salários, não vai afetar os serviços públicos?
Quando isso for necessário, em qualquer uma das três esferas, tem que ser feita análise cuidadosa para ver onde e de que forma vai se dar esse corte para que o impacto seja o mínimo possível no atendimento, especialmente das demandas mais importantes e básicas da sociedade, e principalmente para a população que mais precisa.
A reforma administrativa se espelha no modelo adotado em Portugal, que enxugou os planos de cargos. Aqui, são 117 carreiras e 43 planos de cargos no serviço público federal. Vocês vão diminuir para quantos?
A gente precisa enviar ao Parlamento a PEC, além de outros projetos para ajustar alguns pontos da gestão pública, e fazer a implementação disso, que demora. E precisa-se de um consenso da sociedade de que é importante fazer e que precisamos dar continuidade independente do governo que estiver na ocasião. A reforma tem um componente social gigantesco, porque se a gente quiser ter um melhor atendimento no posto de saúde e para as crianças nas escolas, a gente precisa de uma gestão pública mais eficiente. A ideia é, em 2020, apresentar a PEC, que vai possibilitar se modernizar a estrutura que temos hoje, muito engessada. E a partir disso virão outros projetos para estruturar esse novo serviço público.
Mas qual será a redução?
A gente ainda não tem um número definido. Primeiro, a PEC da reforma tem de ser debatida no Congresso. E, a partir da aprovação, aí a gente vai ter que respeitar os termos em que ela for aprovada. O detalhamento de quantos planos de cargos e carreiras não vai ter na PEC. Para a gente fazer esse movimento no futuro, a gente precisa ter o texto final da reforma, porque uma coisa é o que o governo vai apresentar, e outra é o que será aprovado.
Mas o que já se tem em mente?
O que a gente tem é a ideia de fazer uma redução expressiva do número de cargos e carreiras para termos uma estrutura muito mais simplificada, e dei como exemplo o caso de Portugal por razões óbvias: nossa proximidade cultural e por terem, até 2008, uma estrutura muito parecida com a nossa. E eles fizeram uma transformação expressiva dessa estrutura de organização administrativa, que teve resultados muito positivos para o país e para a população. Mas essa não é a única inspiração.
Quais são as outras?
Também avaliamos como é o serviço público no Reino Unido, as transformações que a França fez nos últimos quatro meses, e buscamos entender o que eles adotaram lá. Fomos buscar referências nos Estados Unidos, Canadá, México, Colômbia, Cingapura e Nova Zelândia, para montar uma proposta que seja realmente impactante, não somente do ponto de vista da administração pública, mas do ponto de vista social e com o objetivo maior de prestar um serviço de qualidade à população.
Em relação à estabilidade, de fato apenas futuros servidores não terão mais essa garantia?
É importante destacar ainda que a PEC vai focar em um novo serviço público. E esse conceito que foi trazido pelo ministro (da Economia), Paulo Guedes, e pelo presidente Jair Bolsonaro, era para que nós mantivéssemos o coração do serviço público atual, ou seja, não mexer na estabilidade e na forma como hoje está colocada essa questão em nosso ordenamento institucional. E que fizéssemos os ajustes apenas para novos servidores que ingressassem no serviço público.
O Paulo Guedes já declarou que o desempenho dos servidores tem que ser avaliado, e que isso estará previsto na reforma. De que forma vocês farão isso, já que pode abrir caminho para desligamentos?
A gente está montando um projeto específico para a parte de avaliação de desempenho. E mais do que a avaliação de desempenho, a gente considera fundamental fazer a gestão de desempenho, que é um pouco diferente. Pois trabalha com reconhecimento do servidor e dos funcionários que entregam resultados excepcionais ou são muito produtivos e importantes para a organização. No projeto também há a preocupação em dar oportunidades para que, aqueles que não estão entregando tudo que se esperava deles, possam apresentar, através de feedbacks constantes e dinâmicas que identifiquem onde ele é bom e onde pode melhorar para que os resultados, no final, sejam mais adequados.
Mas essa questão da avaliação permite a exoneração de quem não entregar resultado...
Em última instância, se responsabiliza quando, dadas as oportunidades, as pessoas não conseguiram entregar os resultados que se esperavam delas. É isso, na verdade, o que a Constituição prevê (mas não há regulamentação). Apenas quando houver reiterado desempenho insuficiente por parte do servidor haverá possibilidade de que ele seja desligado, mas é importante destacar que esse não é o enfoque da gestão de desempenho. A gestão pretende focar em reconhecer o servidor e, depois, dar oportunidade. E só em última instância, a responsabilização.
De que forma seria isso?
O processo de avaliação não pode ser arbitrário. Não pode ser fundado em uma gestão de desempenho frágil, já que, para que isso seja possível, precisa ter uma gestão de desempenho sólida, em que tanto as pessoas que julgam quanto as que são julgadas possam ser avaliadas. Se a gente não tiver um sistema bem colocado, em que haja essa sensação de justiça por quem participa dele, a gente vai ter muita dificuldade de fazer uma gestão de desempenho verdadeira e bem consolidada.
Colaborou a estagiária Julia Noia
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