Sheila de Carvalho divulção
Por Sheila de Carvalho*
Publicado 29/03/2021 06:00
No Brasil de 2011, o país era premiado pelo terceiro ano seguido como referência em política de enfretamento à fome. Através do antigo programa do governo federal "Fome Zero", instituído em 2003, o país havia conseguido reduzir à metade a população que sofria com a fome, cumprindo assim um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) da ONU.
Os resultados desse programa são até hoje louváveis. A taxa de desnutrição no Brasil reduziu de 10,7% a menos de 5%. Houve queda nas taxas de pobreza de 24,3% a 8,4% entre 2001 e 2012, reduzindo também a pobreza extrema de 14% a 3,5%.
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Em 2011, o Brasil também atingia o menor nível de desemprego da década, segundo dados da PNAD. O valor médio da cesta básica era R$ 277,27. O preço do gás de cozinha R$ 38. O preço médio do valor da gasolina era R$ 2,60. O valor do dólar era R$ 1,80. Entre 2001 e 2011, o crescimento real da renda dos 10% mais pobres foi de 91,2%. E no ano de 2011 o Brasil atingia o menor nível de desigualdade social da sua história (1).
Dez anos se passaram entre golpes institucionais e desmontes de políticas públicas. Hoje assistimos a destruição do país que um dia fomos. A taxa de pobreza extrema foi de 3,5% em 2011 para 12,8% em 2021. A fome voltou a ser uma realidade. Segundo o IBGE, dos 68,9 milhões de domicílios no Brasil, 1/3 estava em situação de fome, atingindo 84,9 milhões de pessoas.
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O desemprego hoje bate recorde no país atingindo mais de 13,4 milhões de pessoas. O valor médio da cesta básica no país é R$ 637. O preço do gás de cozinha já passa dos R$ 100. O preço médio da gasolina é mais de R$ 5 e o valor do dólar beira aos R$ 6.
A situação, que já era ruim, foi agravada pela pandemia. Muitos perderam empregos e foram impossibilitados de continuar exercendo suas atividades. A gestão irresponsável, para dizer o mínimo, da pandemia resultou na perda de vidas e em um colapso do sistema de Saúde, sem a menor perspectiva de quando vamos conseguir retomar à normalidade, considerando o não investimento em vacinação no tempo adequado.
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No pior momento da pandemia, em que se faz urgente garantir um auxílio emergencial capaz de atender à reivindicação da fome e a necessidade de manter as pessoas em isolamento para a proteção dessas e de seus familiares, temos um presidente da República resistente à instituição do auxílio emergencial, fazendo uma manobra no Congresso nacional para legitimar a Medida Provisória da Fome (MP da Fome), que alterou o auxílio emergencial de R$ 600 à R$ 1.200, para ser de R$ 150 a R$ 350. O que uma família consegue fazer com esse valor com a alta de preços de itens básicos como comida?
Cada vez está mais evidente que estamos nós por nós. Os governos e poder público falham gravemente na obrigação de garantir o direito à vida, Saúde e alimentação. Nesse sentido surge das ruas e campos a Campanha “Tem gente com fome”, mobilização humanitária liderada pela Coalizão Negra por Direitos com o apoio de inúmeras organizações da sociedade civil que tem por missão apoiar mais de 222 mil famílias por todo o Brasil que está em uma situação de pobreza extrema.
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Nesse momento de claro abandono institucional, é fundamental o exercício da solidariedade entre nós. Proteja-se. Apoie quem puder. Doe. E vamos juntos pelo enfrentamento à fome, à pobreza e à pandemia que assola nosso país.
(1) Pesquisa IPEA e PNAD: https://www.cartacapital.com.br/economia/em-2011-brasil-atingiu-menor-indice-de-desigualdade-social-da-historia/
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*É advogada de Direitos Humanos, integra a Uneafro Brasil, Coalizão Negra Por Direitos e Grupo Prerrogativas. Coordenadora do Núcleo de Violência Institucional da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP. Conselheira da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Sócia do Carvalho Siqueira Advogadas e Advogados. Fellow do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU e reconhecida como uma das pessoas negras mais influentes do mundo com menos de 40 anos (MIPAD/ONU).
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