Luiz Roberto Cunha - Divulgação
Luiz Roberto CunhaDivulgação
Por O Dia
O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC/RJ, é um dos responsáveis pela formação intelectual de uma geração de economistas brasileiros. Muitos deles hoje emprestam suas inteligências para ajudar a solucionar problemas do estado do Rio de Janeiro. Com mestrado em Vanderbilt University, EUA (1971), desde 2004 ele é diretor do Instituto de Gestão de Riscos Financeiros e Atuariais (IAPUC). Cunha acumulou experiências nos Governos Federal e Estadual. Ele já foi subsecretário de Planejamento e Controle, 1987/1988, e subsecretário de Fazenda, 1988/1989. Nesta entrevista à coluna, o economista não esconde sua preocupação com o que pode acontecer na eleição americana e suas consequências para o Brasil e, também, ao Rio de Janeiro.

Devemos nos preocupar com o desfecho da eleição americana?
A eleição nos EUA está extremamente polarizada, com presidente Trump partindo de forma agressiva para antecipadamente contestar o resultado, pode gerar uma crise institucional com efeitos graves sobre a economia mundial. O sistema eleitoral é muito complexo, onde o voto nacional não conta, sendo o resultado através das vitórias nos estados que, de acordo com população, gerem votos num Colégio Eleitoral, cujo vencedor tem que ter 270 votos. Assim Trump deve perder por mais de 5 milhões de votos (em cerca de 135 milhões), mas pode ganhar ou perder por 2 votos nos 270 do tal Colégio Eleitoral, dependendo de uma combinação de resultados nos estados. Mas como uma parcela significativa dos eleitores no EUA vota pelo correio, Trump está contestando este tipo voto e se preparando para contestar na Justiça se for derrotado. Assim é muito provável termos algumas semanas sem resultado final e com muita judicialização.
Publicidade
Na solução dos principais problemas econômicos, o Brasil está no caminho certo, mesmo diante da crise da pandemia?
O Brasil é um dos países que menos se preparou para enfrentar a pandemia. Não temos testagem em larga escala, não temos sistemas para verificar quem infectou uma determinada pessoa (tracking). Não estamos usando máscaras de uma forma geral, nem fazendo distanciamento social em muitos lugares públicos. Os países da Ásia (como Coreia) e Oceania (Nova Zelândia) que conseguiram reduzir fortemente o número de casos, e vem conseguindo manter poucos novos casos, tem na testagem e no tracking as principais medidas para reduzir os casos, evitar quarentenas longas, e voltar a crescer de forma sustentado. Aqui estamos confiando, enquanto a vacina não existe, que no verão a epidemia se reduza, mas quando olhamos para o Norte do mundo (EUA e Europa) foi no verão, com mais gente nas ruas e praias, que a epidemia ganhou força. É claro que num país de grandes dimensões, e tão desigual como o nosso, e onde a maior parte das pessoas perdeu emprego e renda, o auxílio emergencial foi fundamental para que, depois da forte recessão nos meses de abril e maio, a economia se recuperasse com base no consumo. Mas, como já tínhamos uma situação fiscal deteriorada e os programas do governo de injeção de recursos para a saúde, para as pessoas desempregadas e as empresas em dificuldade foram, só comparáveis, em termos de porcentagem do PIB aos de países desenvolvidos, não temos como continuar com o volume de recursos alocados a eles. Assim, estamos diante de um desafio enorme. Se de um lado temos que continuar apoiando as pessoas desempregadas, por outro, com o atraso nas diversas reformas estruturais, temos enormes ‘riscos fiscais’ dificultando administração da dívida pública, que cresceu muito com os gastos adicionais que foram feitos, e, apesar da inflação baixa, as taxas de juros no mercado já estão subindo com expectativa de dificuldades de honrar dívida no futuro, o que pode comprometer a retomada do crescimento.
Publicidade
O Rio de Janeiro vive uma grave crise financeira. Em tese, o que devemos fazer para superar este momento delicado?
A situação do Estado do Rio de Janeiro é muito complexa e de difícil solução no curto prazo, pois já estávamos, antes da crise da pandemia, no Regime de Recuperação do governo federal, pois estávamos ‘quebrados’. Salários de funcionários públicos atrasados, dívidas de empréstimos públicos não sendo pagos, e com problemas na arrecadação, além, é claro, de gastos públicos elevados (muito acima em termos per capita de outros estados como São Paulo). Isso sem falar das questões de corrupção com desvio de recursos. Com o Regime de Recuperação, não precisamos pagar as dívidas, por alguns anos, mas temos que fazer ajustes duros. O problema maior é que nossa atividade econômica é muito concentrada no setor de óleo e gás e nos serviços, especialmente turismo. A pandemia afetou fortemente essas atividades, o preço do petróleo caiu e o turismo foi a atividade mais prejudicada, e, possivelmente, uma das que mais depende de uma volta ao novo 'normal' com a vacinação em massa por todo o mundo. Assim, o que nos resta é sermos mais eficientes e procurarmos ‘ajustar’ os gastos públicos de modo a poder ir renegociando o pagamento das dívidas com o governo federal.
Publicidade
Sua vida inteira foi dedicada a sugerir soluções para problemas como inflação, combate ao desemprego e saúde na gestão política e econômica. Quais nossos erros e acertos nos últimos anos?
A inflação deixou de ser um problema grave, como era no passado até o Plano Real, mas na época da implementação do Real, eu escrevi um artigo em jornal explicando o Plano, mas lembrando que era necessário cumprir uma série de etapas: a) atacar a questão básica da inflação no Brasil, que era a tal da ‘indexação’, que fazia com que a inflação de um mês fosse ‘contaminada’ pela inflação do mês anterior, os preços, o câmbio, os ativos financeiros de renda fixa, os tributos dos governos, e até os gastos de pessoal do setor público e privado (ambos sem correção mensal, ou seja, perdendo mais que os outros, que eram até corrigidos diariamente); b) fazer uma transição organizada para evitar as distorções dos planos de estabilização anteriores (Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e II, todos fracassados), o que foi feito com um mecanismos, URV, que usou a própria indexação’, com sucesso; c) a questão fundamental para manter a estabilidade, as reformas estruturais, pois como a inflação, através da indexação dos tributos, garantia a receita dos governos, e os gastos de pessoal eram ‘ajustados’, perdendo valor real com a inflação, era claro que esta questão do déficit fiscal e da dívida pública interna seria o grande problema após a estabilização. Hoje, mais de 25 anos depois, a maior parte das reformas não foi aprovada. Assim, continuamos com riscos de uma volta da inflação, principalmente se as atividades retornarem com intensidade, pois os problemas estruturais continuam.
Publicidade
A polarização política no Brasil prejudica a solução dos problemas econômicos?
Winston Churchill disse que "democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor do que ela". No Brasil, não há dúvida que temos um regime democrático, mas a polarização excessiva prejudica a solução, pois são tantos os interesses e grupos de pressão que o resultado acaba sendo esta enorme dificuldade em avançar mudanças que vão contra privilégios, o que faz com que o Brasil, numa comparação entre países grandes desenvolvidos (EUA, China e Rússia), médios desenvolvidos (Europa) e alguns da América Latina (Chile e México), em termos de resultados na Educação, Saúde, Segurança e Infraestrutura, fique em último lugar. Mas quando se compara gasto público em relação ao PIB, sejamos os campeões. Ou seja, alguma coisa está errada conosco, pois não é por falta de gastos, é por gastar mal, gastar errado, gastar de forma ineficiente.