Publicado 21/02/2021 06:00
Em seu primeiro mandato como vereadora do Rio de Janeiro, Tainá de Paula (PT) é arquiteta e urbanista, ativista das lutas urbanas, especialista em Patrimônio Cultural pela Fundação Oswaldo Cruz e mestre em Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atuou em diversos projetos de urbanização e habitação popular, realizando assistência técnica para movimentos de luta pela moradia como União de Moradia Popular (UMP) e Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST). Com mais de 24 mil votos nas eleições de 2020, Tainá foi a segunda vereadora mais votada do município - a petista ficou atrás de Rosa Fernandes (PSC). Aliás, a bancada renovada este ano conta com dez mulheres (nas eleições anteriores haviam sido sete). "Temos mulheres de diversos campos políticos e a bancada feminina na minha opinião se complementa", disse Tainá nesta entrevista ao jornal O DIA.
A senhora é uma mulher negra e neste seu primeiro mandato foi a segunda vereadora mais votada do Rio de Janeiro com 24.881 votos. O que a motiva na política para ter chegado até aqui e quais seus planos para os próximos anos?
Ser uma mulher periférica, com a minha trajetória foi fator determinante nas minhas decisões na política e na vida. Desde a adolescência, na vivência do ônibus lotado, morar na zona oeste do Rio, estudar longe… Eu sempre soube que havia algo muito diferente entre o lugar que eu vivia - o loteamento (uma comunidade da Praça Seca) - e a zona sul do Rio de Janeiro, por exemplo. Te digo que minhas experiências de vida foram tão responsáveis pelo meu conhecimento sobre o Rio de Janeiro quanto o curso de arquitetura e urbanismo. Nada como encarar um metrô linha 2 sentido Pavuna para você entender tudo de mobilidade (risos). Quero ser uma parlamentar atuante em lutas urbanas urgentes. Ouvir ao máximo a população e construir um projeto para um Rio de Janeiro mais justo e com maior participação política da população. Estaria mentindo se dissesse que não quero ser prefeita do Rio. Acho que é um projeto potente, que pensa o protagonismo de novas lideranças e um modelo de justiça social jamais experimentado pelo Rio. Barcelona, Nova York, Quito, Montevidéu, Cidade do Cabo me trazem exemplos de novas governanças e propostas, desafios que gostaria muito de capitanear no Rio. Nossa cidade é, infelizmente, uma capital mundial tratada como colônia há séculos.
Nas eleições de 2020, houve aumento no número de vereadoras na Câmara Municipal do Rio, mas a participação feminina ainda é pequena. Como a senhora vê a bancada das mulheres na Câmara?
Somos poucas, mas valemos por muitas (risos). Temos mulheres de diversos campos políticos e a bancada feminina na minha opinião se complementa. Mulheres experientes, técnicas ou com o perfil mais militante, o diálogo tende a prevalecer. Há consenso entre nós que é uma casa ainda marcada pelo machismo e o número reduzido de mulheres parlamentares só explicita isso. Avalio que não teremos problemas em tocar projetos relacionados à vida das mulheres e, sem dúvida, será um tema que nos unificará. Mesmo em campos políticos e com atuações distintas, as mulheres não têm perfil negacionista, ultra-ideológicos como acontece em alguns casos na bancada masculina, ou seja, o voto em mulheres é sempre mais acertado.
Nestes quase dois meses de seu primeiro mandato na Câmara Municipal, quais suas primeiras impressões do governo de Eduardo Paes à frente da Prefeitura?
O governo Eduardo Paes começa num contexto totalmente diferente do contexto que o legitimou como um “bom gestor”. Governos federais progressistas foram determinantes para o sucesso anterior em diversas áreas, possibilitando o investimento em grandes obras, em grande parte financiadas pelo governo federal. Nessa versão 2021, o governo acena para um período de arrocho fiscal, baixo investimento e uma agenda liberal que não produzirá o choque de gestão esperado na vida do cidadão, do trabalhador. O Rio precisa engrenar num ciclo de superinvestimento e o governo Eduardo patina nas soluções de desenvolvimento, geração de emprego e inovação. Os quadros jovens são um acerto, muitos inclusive do campo progressista, mas o projeto ainda não está claro. Os desacertos na retomada das aulas, as dificuldades no plano de imunização à covid-19, e a fragilidade financeira do município são os pontos mais sensíveis de uma gestão que começa num dos contextos mais difíceis do Rio de Janeiro.
Em quase um ano desde o início de medidas mais restritivas por causa da pandemia, quais os impactos mais sentidos em especial na população que vive nas favelas e regiões periféricas?
O resultado é catastrófico. O Rio vive uma crise social gravíssima que precisará de um pacto social. A letalidade da covid-19 nas favelas, entre a população majoritariamente pobre e negra, é uma realidade. A letalidade em algumas áreas de Campo Grande, por exemplo, chegou a 30%. Fome, saúde integral e acesso à renda são prioridades do Rio do século XXI e é preciso que o prefeito entenda isso. Uma agenda de assistência integrada não é implementada no Rio desde o brizolismo, e essa tendência precisa ser revertida.
O que pode ser feito efetivamente para melhorar a infraestrutura urbana nas favelas e, assim, dar uma melhor qualidade de vida aos seus moradores?
Muita coisa. Sou estudiosa há anos desse tema e digo de antemão que não é um tema que se resolva descolado de outras áreas. As finanças, a tributação, os instrumentos urbanísticos. Câmara de Vereadores, TCM, Ministério Público e demais órgãos de fiscalização devem garantir que os projetos e obras não sejam descontinuados. Algumas favelas recebem obras de 10 em 10 anos e não têm seus problemas crônicos resolvidos. Talvez a Rocinha seja nosso caso mais emblemático, mas o mesmo acontece em diversas comunidades. A ausência de recursos continuados, planejamento e inovação são os grandes desafios dos projetos em favelas. Pensar a favela do mesmo jeito antiquado do que no início do século XX não vai resolver um problema do século XXI.
Quais os principais pontos que devem ser levados em conta no novo Plano Diretor?
O Plano Diretor é uma oportunidade de se ativar novas propostas e chaves para uma cidade. O Rio insiste em soluções distantes de suas potencialidades, repetindo burocraticamente as mesmas práticas de planejamento urbano. Não dá mais para pensar que zoneamento, áreas incentivadas, leis de uso e ocupação do solo que não inserem discussões como paisagem, terras produtivas urbanas, solo criado, ambiente digital, mudanças climáticas vão produzir mudanças estruturais. O Rio foi a sede da ECO-92 e ainda usa ônibus a óleo diesel em todas as áreas da cidade. Nesse sentido, é importante que o plano seja simples, assertivo para regulamentar ações muito concretas e transversais, trazendo inclusive dinâmicas multissetoriais como cultura, agenda antirracista, desenvolvimento econômico. Invisibilizar problemas como as construções irregulares provocadas pela milícia, ocupação das áreas de preservação e crise do saneamento básico também não ajudam nos avanços necessários. Quais as ações concretas da cidade para esses pontos nos próximos dez anos? Dará para não falar sobre os impactos da covid-19 num plano da próxima década? Vou levantar esses e outros temas sensíveis na avaliação do Plano Diretor que será enviado à Câmara. E, digo mais, já avalio que o processo começa equivocado, sem um chamado amplo à sociedade para participação. Vou pressionar para que a Câmara faça isso.
A senhora é uma nova liderança na política. Como incentivar os jovens a ter um interesse maior pelo assunto?
Temos muitas ideias para estimular o contato dos jovens com a política. Um dos movimentos que vamos fazer é uma ação que estamos apelidando de “Vereadores Populares”. Jovens lideranças vão representar o mandato em seus territórios, organizar mobilizações e construir projetos de lei em conjunto com o mandato. Outra ação é o Lab-Cidade, um laboratório de planejamento urbano na Câmara de Vereadores, que acompanha a prática legislativa da Casa, dialogando com a sociedade civil, universidade, estudantes e qualquer um que queira acompanhar de perto o universo parlamentar e sua incidência na vida urbana.
O que precisa ser feito no campo da educação para diminuir o abismo entre o que aprendem estudantes de escolas públicas em comparação aos de particulares?
Vamos tratar de fazer um jornal inteiro para discutir isso (risos). A educação precisa de uma virada de chave radical. Desde o entendimento de uma educação transformadora, que reconheça os saberes individuais dessa garotada que pode não ter tido o letramento formal, mas já vem formada na era tiktoker. A evasão escolar é em grande parte fruto das distâncias entre o aluno e o espaço escolar antiquado, incapaz de responder às dinâmicas sociais da infância e da juventude. Outro ponto é a necessidade de interrupção do modelo tradicional. A escola "dos ricos" é permeada de vivências lúdicas, subjetivas e interdisciplinares. A rede pública tem potencial para transformar cada escola num centro de cultura, numa incubadora de criações infanto-juvenis. A matriz curricular proposta pela gestão Paes vai na contramão do que estou dizendo. A escola para minha filha e para as crianças e jovens do Rio que eu quero deve garantir as liberdades de pensamento, ação e expressão e ter uma matriz curricular à altura desse desafio.
A senhora é uma mulher negra e neste seu primeiro mandato foi a segunda vereadora mais votada do Rio de Janeiro com 24.881 votos. O que a motiva na política para ter chegado até aqui e quais seus planos para os próximos anos?
Ser uma mulher periférica, com a minha trajetória foi fator determinante nas minhas decisões na política e na vida. Desde a adolescência, na vivência do ônibus lotado, morar na zona oeste do Rio, estudar longe… Eu sempre soube que havia algo muito diferente entre o lugar que eu vivia - o loteamento (uma comunidade da Praça Seca) - e a zona sul do Rio de Janeiro, por exemplo. Te digo que minhas experiências de vida foram tão responsáveis pelo meu conhecimento sobre o Rio de Janeiro quanto o curso de arquitetura e urbanismo. Nada como encarar um metrô linha 2 sentido Pavuna para você entender tudo de mobilidade (risos). Quero ser uma parlamentar atuante em lutas urbanas urgentes. Ouvir ao máximo a população e construir um projeto para um Rio de Janeiro mais justo e com maior participação política da população. Estaria mentindo se dissesse que não quero ser prefeita do Rio. Acho que é um projeto potente, que pensa o protagonismo de novas lideranças e um modelo de justiça social jamais experimentado pelo Rio. Barcelona, Nova York, Quito, Montevidéu, Cidade do Cabo me trazem exemplos de novas governanças e propostas, desafios que gostaria muito de capitanear no Rio. Nossa cidade é, infelizmente, uma capital mundial tratada como colônia há séculos.
Nas eleições de 2020, houve aumento no número de vereadoras na Câmara Municipal do Rio, mas a participação feminina ainda é pequena. Como a senhora vê a bancada das mulheres na Câmara?
Somos poucas, mas valemos por muitas (risos). Temos mulheres de diversos campos políticos e a bancada feminina na minha opinião se complementa. Mulheres experientes, técnicas ou com o perfil mais militante, o diálogo tende a prevalecer. Há consenso entre nós que é uma casa ainda marcada pelo machismo e o número reduzido de mulheres parlamentares só explicita isso. Avalio que não teremos problemas em tocar projetos relacionados à vida das mulheres e, sem dúvida, será um tema que nos unificará. Mesmo em campos políticos e com atuações distintas, as mulheres não têm perfil negacionista, ultra-ideológicos como acontece em alguns casos na bancada masculina, ou seja, o voto em mulheres é sempre mais acertado.
Nestes quase dois meses de seu primeiro mandato na Câmara Municipal, quais suas primeiras impressões do governo de Eduardo Paes à frente da Prefeitura?
O governo Eduardo Paes começa num contexto totalmente diferente do contexto que o legitimou como um “bom gestor”. Governos federais progressistas foram determinantes para o sucesso anterior em diversas áreas, possibilitando o investimento em grandes obras, em grande parte financiadas pelo governo federal. Nessa versão 2021, o governo acena para um período de arrocho fiscal, baixo investimento e uma agenda liberal que não produzirá o choque de gestão esperado na vida do cidadão, do trabalhador. O Rio precisa engrenar num ciclo de superinvestimento e o governo Eduardo patina nas soluções de desenvolvimento, geração de emprego e inovação. Os quadros jovens são um acerto, muitos inclusive do campo progressista, mas o projeto ainda não está claro. Os desacertos na retomada das aulas, as dificuldades no plano de imunização à covid-19, e a fragilidade financeira do município são os pontos mais sensíveis de uma gestão que começa num dos contextos mais difíceis do Rio de Janeiro.
Em quase um ano desde o início de medidas mais restritivas por causa da pandemia, quais os impactos mais sentidos em especial na população que vive nas favelas e regiões periféricas?
O resultado é catastrófico. O Rio vive uma crise social gravíssima que precisará de um pacto social. A letalidade da covid-19 nas favelas, entre a população majoritariamente pobre e negra, é uma realidade. A letalidade em algumas áreas de Campo Grande, por exemplo, chegou a 30%. Fome, saúde integral e acesso à renda são prioridades do Rio do século XXI e é preciso que o prefeito entenda isso. Uma agenda de assistência integrada não é implementada no Rio desde o brizolismo, e essa tendência precisa ser revertida.
O que pode ser feito efetivamente para melhorar a infraestrutura urbana nas favelas e, assim, dar uma melhor qualidade de vida aos seus moradores?
Muita coisa. Sou estudiosa há anos desse tema e digo de antemão que não é um tema que se resolva descolado de outras áreas. As finanças, a tributação, os instrumentos urbanísticos. Câmara de Vereadores, TCM, Ministério Público e demais órgãos de fiscalização devem garantir que os projetos e obras não sejam descontinuados. Algumas favelas recebem obras de 10 em 10 anos e não têm seus problemas crônicos resolvidos. Talvez a Rocinha seja nosso caso mais emblemático, mas o mesmo acontece em diversas comunidades. A ausência de recursos continuados, planejamento e inovação são os grandes desafios dos projetos em favelas. Pensar a favela do mesmo jeito antiquado do que no início do século XX não vai resolver um problema do século XXI.
Quais os principais pontos que devem ser levados em conta no novo Plano Diretor?
O Plano Diretor é uma oportunidade de se ativar novas propostas e chaves para uma cidade. O Rio insiste em soluções distantes de suas potencialidades, repetindo burocraticamente as mesmas práticas de planejamento urbano. Não dá mais para pensar que zoneamento, áreas incentivadas, leis de uso e ocupação do solo que não inserem discussões como paisagem, terras produtivas urbanas, solo criado, ambiente digital, mudanças climáticas vão produzir mudanças estruturais. O Rio foi a sede da ECO-92 e ainda usa ônibus a óleo diesel em todas as áreas da cidade. Nesse sentido, é importante que o plano seja simples, assertivo para regulamentar ações muito concretas e transversais, trazendo inclusive dinâmicas multissetoriais como cultura, agenda antirracista, desenvolvimento econômico. Invisibilizar problemas como as construções irregulares provocadas pela milícia, ocupação das áreas de preservação e crise do saneamento básico também não ajudam nos avanços necessários. Quais as ações concretas da cidade para esses pontos nos próximos dez anos? Dará para não falar sobre os impactos da covid-19 num plano da próxima década? Vou levantar esses e outros temas sensíveis na avaliação do Plano Diretor que será enviado à Câmara. E, digo mais, já avalio que o processo começa equivocado, sem um chamado amplo à sociedade para participação. Vou pressionar para que a Câmara faça isso.
A senhora é uma nova liderança na política. Como incentivar os jovens a ter um interesse maior pelo assunto?
Temos muitas ideias para estimular o contato dos jovens com a política. Um dos movimentos que vamos fazer é uma ação que estamos apelidando de “Vereadores Populares”. Jovens lideranças vão representar o mandato em seus territórios, organizar mobilizações e construir projetos de lei em conjunto com o mandato. Outra ação é o Lab-Cidade, um laboratório de planejamento urbano na Câmara de Vereadores, que acompanha a prática legislativa da Casa, dialogando com a sociedade civil, universidade, estudantes e qualquer um que queira acompanhar de perto o universo parlamentar e sua incidência na vida urbana.
O que precisa ser feito no campo da educação para diminuir o abismo entre o que aprendem estudantes de escolas públicas em comparação aos de particulares?
Vamos tratar de fazer um jornal inteiro para discutir isso (risos). A educação precisa de uma virada de chave radical. Desde o entendimento de uma educação transformadora, que reconheça os saberes individuais dessa garotada que pode não ter tido o letramento formal, mas já vem formada na era tiktoker. A evasão escolar é em grande parte fruto das distâncias entre o aluno e o espaço escolar antiquado, incapaz de responder às dinâmicas sociais da infância e da juventude. Outro ponto é a necessidade de interrupção do modelo tradicional. A escola "dos ricos" é permeada de vivências lúdicas, subjetivas e interdisciplinares. A rede pública tem potencial para transformar cada escola num centro de cultura, numa incubadora de criações infanto-juvenis. A matriz curricular proposta pela gestão Paes vai na contramão do que estou dizendo. A escola para minha filha e para as crianças e jovens do Rio que eu quero deve garantir as liberdades de pensamento, ação e expressão e ter uma matriz curricular à altura desse desafio.
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