Por adriano.araujo

Rio - As recentes manifestações populares que tomam o Brasil desde junho estão mexendo com Milton Nascimento. “Está acontecendo de novo!”, comemora o autor de ‘Coração de Estudante’, canção transformada em hino da reivindicação pelas eleições diretas nos anos 80. “Nunca pensei que veria tão cedo algo parecido com aquela multidão nas ruas. Fiquei tão feliz que fiz shows vestindo uma camisa com a inscrição ‘não é pelos R$ 0,20’”.

Isso foi depois de comemorar seus 50 anos de carreira, em um tranquilo mês de novembro, no ano passado, no palco do Vivo Rio. O registro do show acaba de sair no CD e DVD ‘Uma Travessia’, com participação dos velhos amigos Lô Borges e Wagner Tiso (este, o coautor, com Milton, de ‘Coração de Estudante’).

“Fizemos a música, inicialmente instrumental, para o filme ‘Jango’, do Silvio Tendler”, detalha o cantor. “Quando assisti, me bateu uma saudade de quando trabalhei com a UNE (União Nacional dos Estudantes). Na mesma época, um jovem estudante amigo meu que morava em Roma veio passar uns dias na minha casa. Assim que chegou, dormiu, de tão cansado. Essa imagem dele deitado, com as sensações do filme, me inspiraram a escrever a letra”.

Milton Nascimento na sala de sua casa%2C no ItanhangáMaíra Coelho / Agência O Dia

Falando de amigos, Milton logo lembra de outro, para quem fez a conhecidíssima ‘Canção da América’ (“Amigo é coisa pra se guardar...”). “Foi para o músico Ricky Fataar, que tocou com nomes como Beach Boys e Jeff Beck. Fiz em Los Angeles, quando tinha perdido o contato com ele. Até que um dia, em Londres, no camarim de um show meu, me falam que o Eric Clapton estava do lado de fora. Na hora autorizei ele a entrar, e quem estava junto? O Ricky! A partir daí, nunca mais perdemos contato”.

É da natureza de Milton Nascimento comandar o movimento, seja o musical, do seu lendário Clube da Esquina, ou o político, da luta pela democracia. As manifestações atuais só não tiveram força suficiente para inspirar o artista de 70 anos, que atestou em sua música que ‘os sonhos não envelhecem’, a compor uma canção sobre o momento: “Não tenho feito nenhuma nova, sobre nada. Por enquanto, estou só cantando”, descarta.

Milton em livro

Neste mesmo mês em que sai o DVD no qual o cantor e compositor passa a limpo a carreira musical ao vivo, sua vida e obra também são contadas em livro. Chico Amaral, letrista do grupo mineiro Skank, lança ‘A Música de Milton Nascimento’ na próxima quarta-feira, na Livraria da Travessa de Ipanema, com presença do próprio homenageado.

“Se fosse apenas cantor ou compositor, Milton já estaria na história de nossa música. Ocorre que ele é as duas coisas em altíssimo nível”, elogia o autor. O livro vem ainda com um DVD com um papo exclusivo com Milton em sua casa.

Menino do Rio

Milton Nascimento não é mineiro, como muita gente acha. “Sou ‘mineiroca’”, apressa-se ele em classificar a sua naturalidade, mistura de mineiro com carioca. “Nasci no Rio de Janeiro, mas fui para Minas com dois anos de idade e só voltei aos 20”, explica ele.

Milton Nascimento sobre protestos%3A Fiquei tão feliz que fiz shows vestindo uma camisa com a inscrição "não é pelos R%24 0%2C20"Maíra Coelho / Agência O Dia

Milton considera o local onde mora no Rio, no Itanhangá, parecido com a sua amada Minas Gerais “pelas montanhas ao redor”. E aqui ainda tem praia pertinho, né? “Sou muito apaixonado pelo Rio e adoro praia! Gosto de mergulhar, de ir a Búzios e entrar mar adentro”, garante o jovem senhor setentão.

O célebre disco ‘Clube da Esquina’, de 1972, que dividiu com Lô Borges, foi praticamente todo feito de frente para um vasto mar no litoral de Niterói, em Piratininga — no livro do letrista Márcio Borges, ‘Os Sonhos Não Envelhecem’, inclusive, há fotos de Milton e sua turma pegando jacarés nas ondas de lá.

“A ditadura estava tão má naquele período que tivemos que nos refugiar em Niterói. Faz uns três anos eu passei lá pela área da casa onde fizemos o álbum. Fiquei muito triste, não é mais nem de longe a mesma coisa, a região está muito diferente, muito urbanizada. A gente abria a porta de casa e já estava na areia. E ninguém trancava a porta, não tinha risco algum de violência”, lamenta.

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