Por daniela.lima

Rio - O espectro musical de um dos maiores mestres da MPB paira silenciosamente sobre o novo DVD de Adriana Calcanhotto, ‘Olhos de Onda’, gravado em fevereiro no Vivo Rio. Durante a gravação do recital de voz e violão que deu origem ao DVD, ela passou todo o tempo sentada num banco de piano que pertenceu a Tom Jobim (1927-1994). E ele chega a aparecer sozinho na tela, já que, registrando fielmente o show, o DVD mostra até o curto espaço em que Adriana sai do palco e volta para o bis.

O DVD tem sucessos e releituras de ‘Me Dê Motivo’ (do repertório de Tim Maia) e ‘Back to Black’ (da cantora Amy Winehouse)Divulgação


“Em alguns momentos, a edição deixa todo mundo olhando para o banco”, diverte-se Adriana, que passa o tempo todo sozinha no palco. Ela toca piano em casa, mas diz ter demorado anos para descobrir que poderia usar o banco do instrumento nos palcos, para tocar violão. “Eu nem preciso levar, tem em qualquer lugar, e tem uma certa regulagem que facilita. Quando falei que queria usar um, a (codiretora) Dora Jobim me falou: ‘Olha, tem um do meu avô, não sei se está destruído...’ Só falei: ‘Era do Tom? Quero usar!’”

O registro valoriza closes do rosto de Adriana e do violão. Mostra o público apenas da metade para o final. E deixa entrever certa tristeza e solidão, que Adriana desmente. “Imagina, minha vida estava ótima, estou ótima. Até me perguntam como é enfrentar a plateia só com o violão, mas nem é isso. Fui lá cantar para cada uma daquelas pessoas. Essa solidão que você viu... Diria que estou a sós com aquelas pessoas”, brinca.

Sucessos como ‘Esquadros’, ‘Vambora’, ‘Devolva-Me’, ‘Maldito Rádio’ (sonorizada ao fundo por um girar de dial que deixa entrever as vozes de pastores evangélicos) permeiam boa parte do DVD. Esses hits também ocupam FMs e trilhas de novelas, num processo que Adriana nem busca entender como acontece. Ela já teve músicas em 22 tramas televisivas e não se vê como hitmaker. 

“Não dá para falar isso: ‘Ah, vou compor um hit!’ Senão as gravadoras comporiam sozinhas sem precisar dos artistas. O que faz de uma canção um hit é quem a ouve. E as pessoas gostam das minhas músicas, mas poderiam odiá-las”, conta. “Tenho até inveja de um cara como Lulu Santos, que compõe uma música por dia. Até fico com medo de sentar e falar: ‘Agora eu vou compor!’ Não quero nada que estrague o processo criativo.”

Unidas, vêm no DVD releituras de ‘Me Dê Motivo’ (do repertório de Tim Maia) e ‘Back To Black’ (Amy Winehouse). “Adoro a Amy e acho que as pessoas prestam pouca atenção no lado de compositora dela. Você tira as linhas de metais e as programações, e sobra uma canção espetacular”, anima-se. “As duas canções falam da mesma coisa, cada uma a seu jeito, assim como a minha música que vem depois, ‘Mais Perfumado’”.

Além do disco, tem mais trabalhos vindo aí. Em setembro, ela divide o palco com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo numa releitura de ‘Pedro e o Lobo’, do russo Sergei Prokofiev. Ela própria está traduzindo para o português, usando uma partitura em inglês. “Quero tirar a gordura das versões brasileiras. A versão da Disney, que acho que foi a que o Roberto Carlos narrou (em 1970, num LP), é cheia de acontecimentos que soam como ‘ah, vamos deixar tudo explicado em detalhes, é pra criança’. No mundo todo essa peça é tocada e não se faz isso”, conta.

O projeto não é do seu alter-ego infantil, Adriana Partimpim. “A segunda parte do programa é com canções da Partimpim, mas estou tentando que, ainda assim, não seja um projeto com o nome dela. Vamos ver se ganho a parada”, brinca.

A divisão Adriana Calcanhotto-Adriana Partimpim, aliás, causa certas surpresas à cantora. “Às vezes estou no elevador e chega um pai com o filho: ‘Tá vendo essa moça? É a Adriana Partimpim, daquele CD que você gosta.’ E o filho responde: ‘Essa aí? É nada, pai, ela é a Adriana Calcanhotto!’’, diverte-se. “Meu objetivo é sempre tratar as crianças, antes de tudo, como ouvintes, e não apenas como crianças.”

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