Por daniela.lima

Rio - Dos meus milhões de defeitos, um mais me incomoda, a preguiça, a incapacidade total de resolver as coisas no tempo certo. Tudo fica para a última hora. O sábio e encostado felino Garfield não se incomodava de dizer, sem o menor pudor: “Por que deixar para amanhã o que se pode fazer depois de amanhã.” Fernando Pessoa, por seu heterônimo cáustico Álvaro de Campos, em seu ‘Adiamento’, já havia escrito algo parecido: “Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã/Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã/E assim será possível, mas hoje não/Não, hoje nada, hoje não posso.”

João Pimentel%3A Depois de amanhãNei Lima / Agência O Dia


Se esse adiamento constante fosse algo relacionado a determinados momentos, a algumas situações, beleza, acharia até engraçado. Mas não. É algo que diariamente me aflige. O empurrar com a barriga constante acumula contas, atrasa as necessárias visitas ao médico, joga para escanteio projetos de vida. O ‘deixar pra lá’ cotidiano faz mal para o bolso, para a saúde e para alma.

Sou capaz de passar por um posto de gasolina com tanque na reserva, indo para o trabalho, e pensar que teria de dar uma volta no quarteirão para abastecer. Então passo reto, mesmo sabendo que, mais tarde, por qualquer esquecimento, posso ficar na mão por causa de uma pane seca. E no domingo, o dia internacional da preguiça? Acordo e decido que vou à praia, caminhar e dar um mergulho. Não, vou ao clube dar uma nadada e fazer uma sauna. Não, vou passar na casa da minha mãe, dar um beijo nela e ficar para o almoço. Não, preciso visitar o meu pai, talvez ver o jogo do Flamengo com o coroa. Não e não e não e não. E não mesmo. A tarde já chegou, o sol virou nuvem, o almoço esfriou, o Flamengo perdeu, e lá estou eu em casa, vestindo de indecisão a minha inexorável preguiça.

Por causa dela perdi viagens, recusei trabalhos, abri mão de ótimos programas e papos com os amigos e até de alguns dias de sol no Rio de Janeiro. Por influência direta desse mal supremo, vivo em um constante embate com a minha alma e o meu corpo. Mas já tomei uma decisão, já bolei um plano infalível que vai revolucionar a minha existência e, possivelmente, me permitirá conquistar o mundo. Afinal, estou muito velho para perder tempo, e a vida é muito boa, não merece ser adiada.

O meu plano é... Pera aí, vou ali beber uma água. Ih, tenho que passar na casa do vizinho para o que mesmo? Xi, o escritório está uma bagunça, preciso arrumá-lo urgentemente.

Ah, como eu ia dizendo, o plano. Que plano? Maldita preguiça, maldito adiamento. Sábio Pessoa: “Já tenho o plano traçado, mas hoje não traço planos/Amanhã é o dia dos planos/Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo/Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã.”

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