Rio - Em tempos de debates efervescentes sobre temas ligados aos direitos civis, como racismo e homofobia, ‘Favela Gay’, documentário de Rodrigo Felha, promete incendiar a plateia do Festival do Rio. O filme é um retrato da diversidade sexual nas favelas da cidade e mostra uma face inédita do dia a dia LGBT longe do asfalto.
Os depoimentos são alinhados sempre a partir da experiência individual de cada entrevistado e de suas batalhas íntimas em busca da afirmação sexual numa sociedade de preconceitos enraizados. O cineasta acerta ao não valorizar qualquer apelo sentimental ou atração facilitadora ao engajamento. ‘Favela Gay’ é um filme de gente comum, e não de personagens, como destacou o diretor em conversa com o colunista.

Felha codirigira anteriormente dois filmes de episódios, ‘Cinco X Favela, Agora por Nós Mesmos’ e ‘Cinco X Upp’. No primeiro, assinou o episódio ‘Arroz e Feijão’, em que dois garotos roubam um frango para agradar um pai cansado da marmita repetitiva. Em ‘Cinco X Upp’, foi o responsável pelo episódio dedicado à rotina dos PMs, uma experiência particularmente desafiadora por ter sido o próprio diretor vítima de uma revista invasiva às vésperas de embarcar para um Festival internacional.
Felha permite aos entrevistados liberdade absoluta para abordar as particularidades de ser gay na favela. Marthinha, por exemplo, fala de uma cerimônia comum de batismo transexual num valão da comunidade. Rafaella, por sua vez, também transexual, narra a alegria de ser aceita numa universidade logo no primeiro dia de aula. Também é Rafaella que protagoniza um dos momentos mais emocionantes quando traz à cena a mãe evangélica e o pai analfabeto para falarem de sua opção. “Eu aceito ele como ele é”, diz a mãe conformada. “Mas só não traga homem pra dormir dentro de casa.”
As contradições em ‘Favela Gay’ aparecem assim espontaneamente. Há os que se entregam ao dizer que são “normais” durante o dia e que se “montam” durante a noite. Há também os relatos da barra pesada do ‘trottoir’ com destaque para denúncias de violência na Quinta da Boa Vista em dias de jogos de futebol. Sem pretensões a ensaio sociológico, o filme acompanha com naturalidade os depoimentos e chega a flagrar um momento de completo entendimento comunitário quando nas tardes de domingo a turma se reúne para ver jogos de ‘gaymado’.
Assim como ‘Cinco X Favela, Agora por nós Mesmos’ e ‘Cinco X UPP’, ‘Favela Gay’ humaniza e democratiza a vida fora do asfalto e contribui como mais uma marretada para derrubar a cidade partida.
AÇÃO!
* ‘Meia Hora e as Manchetes que Viram Manchete’, sobre o impacto das manchetes bem-humoradas do popular tabloide carioca, concorre ao prêmio de melhor documentário na Première Brasil do Festival do Rio. O filme tem sessões para o publico na próxima segunda-feira no São Luiz 4, às 14h15 e 19h15.