Por clarissa.sardenberg

Rio - O gesto inicial já era roqueiro, embora improvisado em verde e amarelo. Movido pelo tesão da nota amplificada. A cena ocorreu na Bahia dos anos 40, diante de vendedores incrédulos na loja onde os engenheiros e músicos Dodô e Osmar destruíam cavaquinhos para levar seus braços, que seriam colados em pau de jacarandá com captadores eletrônicos. Nascia o ‘pau elétrico’, que se transformaria em ‘guitarra baiana’ nas mãos do filho de Osmar: um certo Armandinho, que 20 anos depois veria, extasiado, Jimi Hendrix tocar fogo numa Fender Stratocaster.

Jornalistas Leandro Souto Maior e Ricardo Schott%2C do DIADivulgação

O país dos batuques nunca mais seria o mesmo, com a multiplicação de garotos que amavam Jimmy Page e Eric Clapton, absorviam seus superpoderes e os traduziam em linguagem própria. A árvore genealógica está traçada em ‘Heróis da Guitarra Brasileira’ (Irmãos Vitale, 176 págs., R$ 45), livro que visita mais de 70 instrumentistas com histórias, depoimentos e uma seleção animadora de discos e canções, escrito pelos jornalistas Leandro Souto Maior e Ricardo Schott, do DIA.

“Músicos como Armandinho, Pepeu Gomes e outros levaram informações de rock, jazz e blues para o choro, o maracatu, a bossa nova. Criaram um jeito brasileiro de tocar, com escalas e pegadas próprias, e não devem nada aos heróis internacionais”, afirma Leandro, que também é guitarrista da banda Fuzzcas.

E Ricardo completa, sobre o perfil de personagens distintos que se entrelaçam em estilos e influências, como Edgard Scandurra, Paulinho Guitarra, Robertinho do Recife e Andreas Kisser: “Um traço em comum é a obstinação, o ‘faça você mesmo’. A figura do cara que passa dias trancado no quarto, dedicado ao instrumento e tentando reproduzir solos dos músicos preferidos é muito comum na história do guitarrista brasileiro.”

Nos primórdios, há histórias como a de Zé Menezes, que conheceu a guitarra quando uma base militar americana se instalou no Ceará, na Segunda Guerra, e havia uma rádio de jazz para os soldados. Acabou tocando com Roberto Carlos, além de compor o tema imortal da abertura de ‘Os Trapalhões’.

Para a felicidade do leitor, há sempre um disco indicado no perfil onde cada guitarrista revela suas influências e modelos de instrumentos preferidos. E a citação de muitos solos e criações que merecem o garimpo para a audição.

Pepeu Gomes e o filho Pedro Baby Divulgação

Após analisar o sucesso recente da ‘guitarrada’, de Chimbinha e a banda Calypso, os autores listam nomes da nova geração, como Davi Moraes e Pedro Sá, que já têm heróis brasileiros. “Acho a música brasileira hoje um pouco desprovida de peso. Mas há uma turma trabalhando para mudar isso”, diz Ricardo. E Leandro vai além: “Sonho viver uma nova revolução, como o Tropicalismo, ou o Clube da Esquina.”

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