Por nicolas.satriano
Rio - O que faz de ‘Mommy’, que estreia hoje nos cinemas do Rio, um filme arrebatador não é apenas a explosiva combinação trágica de amor e ódio entre mãe e filho que compõe a trama. Dirigido pelo canadense Xavier Dolan, o filme despende energia eletrizante, praticamente hormonal, sem no entanto deixar de surpreender pela incrível maturidade de um cineasta de apenas 25 anos.
Dolan é o atual pequeno notável da crítica internacional. Apesar da pouca idade, já apresenta um currículo de peso, com cinco títulos que esbanjam vigor autoral e opção por temáticas contemporâneas. É um cirurgião das disfunções comportamentais.
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Seu bisturi rasga a carne de personagens em declarado conflito familiar, como os de ‘Eu Matei Minha Mãe’ (2009), ou em crise com a sexualidade, como o protagonista de ‘Laurence Anyways’ (2012), cujo sonho é fazer uma cirurgia de troca de sexo.
Antoine-Olivier Pilon é um adolescente problemático no longaReprodução Internet

‘Mommy’ sugere que num futuro muito próximo a legislação canadense permitirá aos pais entregarem seus filhos à tutela do Estado sem grandes burocracias. Seria uma opção para Diane (Anne Durval), viúva, mãe do imprevisível Steve (Antoine-Olivier Pilon), cujo distúrbio comportamental impede a convivência em qualquer ambiente, familiar ou público.

Diagnosticado como hiperativo e vítima de déficit de atenção, o garoto, de apenas 15 anos, acaba sendo expulso do internato por vandalismo e agressões físicas. Aconselhada a entregá-lo ao Estado, Diane reluta, decide abrigá-lo e seguir o instinto materno acreditando na recuperação. É a centelha da grande explosão trágica intitulada ‘Mommy’, pois coração de mãe também se engana.
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A relação conturbada entre mãe e filho, narrada com o apoio das interpretações realistas e intensas de Durval e Pilon, sossega um pouco com a entrada em cena da vizinha Kyla (Suzanne Clément), que cumpre a função materna de dar ordem a um lar em frangalhos, algo que sintomaticamente não consegue fazer debaixo do seu próprio teto. O diretor incorpora o estado de opressão, de solidão e de falta de perspectivas da trinca principal a partir do formato da tela, quase o tempo todo utilizando metade do espaço, o que aumenta a sensação de opressão e desconforto dos personagens. A ousadia mostra ao que veio numa excepcional sequência ao som do clássico ‘Wonderall’, do Oasis, em que o cinema se apresenta em toda a sua grandeza, potencializando emoções com o auxílio da técnica.
Xavier Dolan dividiu com Jean-Luc Godard, diretor de ‘Adeus à Linguagem’, o Prêmio do Júri do Festival de Cannes deste ano. Seu filme é o indicado canadense para disputar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A consagração se deve à capacidade do jovem diretor de obter uma comunicação fácil, direta, aberta com o público.
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‘Mommy’ é um filme pop, com referências musicais contemporâneas e um honesto desejo de compreender o que é ser jovem no mundo compartimentado, fragmentado, desfocado e desatento da atualidade. Enquanto os tablets popularizam o recorte em telas minúsculas, Xavier Dolan tenta mostrar que ainda é na tela grande que o cinema pode se apresentar como fonte da maior reflexão audiovisual.