Por clarissa.sardenberg

Rio - Manhã de 25 de setembro de 2009. É um momento de concentração extrema para o então major João Jacques Busnello, da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Há quase uma hora e meia, ele está posicionado atrás da cortina de um apartamento localizado no limite difuso entre os bairros da Tijuca e Vila Isabel. Dali, observa Sérgio Ferreira Pinto Júnior, de 24 anos, que segura uma granada e ameaça assassinar a gerente de farmácia Ana Cristina Garrido, de 48.

Para ele, o mundo ao redor desaparece e tudo que existe naquele instante é o que pode ser visto pela luneta telescópica posicionada sobre o fuzil adaptado ParaFAL. A respiração é lenta e pausada, para que a mira não seja comprometida. O dedo indicador permanece sobre o gatilho todo o tempo. O bandido não quer se entregar e puxa o pino do artefato pela segunda vez, ameaçando explodir tudo ao redor. Fim das negociações. A ordem é dada e o tiro, disparado. O projétil, calibre 7.62, parte da arma de Busnello, atravessa o ar da Rua Maxwell a 911 metros por segundo e atinge a cabeça do criminoso, que cai desfalecido — ele morrerá dentro de alguns minutos, a caminho do hospital. No chão, a refém chora aliviada. Ela está viva.

Verdadeiro Chris Kyle%2C que serviu de inspiração para o filme ‘Sniper Americano’Divulgação

Sete anos antes, o sniper (atirador de elite) da Marinha americana Chris Kyle encarava situações semelhantes durante a guerra travada entre seu país e o Iraque presidido por Saddam Hussein — algumas delas são relatadas no livro ‘Sniper Americano’, obra geradora do longa-metragem homônimo — que, hoje à noite, concorre em seis categorias do Oscar, incluindo a de Melhor Filme. Busnello, agora tenente-coronel, assistiu à produção. Ele se identificou com algumas das dificuldades encaradas pelo militar norte-americano. No entanto, ao contrário do que ocorre com o protagonista do filme, vivido por Bradley Cooper, o dilema moral — um possível sentimento de culpa — jamais o atingiu, tamanha a certeza sobre o que estava fazendo naquele momento.

“Havia um criminoso armado com uma granada, que estava prestes a assassinar uma pessoa inocente. Todas as possibilidades de negociação foram esgotadas. Tratava-se de um homem descontrolado que iria matar alguém que você jurou defender. Fiz o que tinha que ser feito. Não tenho nenhum dilema relativo a isso, nem problema algum por conta daquele dia. Mas entendo a situação do personagem do filme. Ali, ele percebe que, apesar das várias baixas que provocou nas forças inimigas, a guerra continua. Ou seja, todo o esforço que ele fez poderia ter sido inútil”, analisa Busnello.

Ao longo dos 132 minutos de projeção, ‘Sniper Americano’ mostra a transformação de Kyle — ele deixa de ser apenas um caubói texano para se transformar no mais letal atirador da história das forças armadas norte-americanas. Segundo as estatísticas oficiais, o integrante dos Navy Seals — tropa de elite da Marinha americana — matou 160 pessoas. No entanto, estima-se que, na verdade, teriam sido 225 alvos abatidos, entre homens, mulheres e crianças. O filme também mostra a inevitável deterioração psicológica causada pelo grande número de mortes.

Instrutor de tiro da Polícia Federal, Fabiano Tomazi entende bem a dificuldade à qual esse tipo de profissional é submetido. Segundo ele, o atirador de precisão faz algo que vai além do humano. “Um erro cometido por um atirador pode pôr em risco a vida de um refém ou de algum outro policial, e as consequências disso serão permanentes. A pressão é muito grande”, constata.

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