Por daniela.lima
João Pimentel%3A Homens e livrosDivulgação

Rio - Lembro­me bem do primeiro livro que li. Foi ‘O Rei de Quase tudo’, de Eliardo França. Era a história de um rei, como o próprio título diz, que tinha quase tudo. Mas ele, insatisfeito, quis mais, e danou­se conquistar terras, acumular exércitos e ouro, e as flores, e os frutos, e os pássaros, e as estrelas, e o sol. Então ele percebeu que não podia engaiolar o cantar dos pássaros, nem se apoderar do perfume das flores. O reizinho descobre que já tinha tudo, e que não podia ser o dono único da natureza e dos homens. Uma bela história.

Impossível listar todos os livros que me causaram sensações parecidas, mas é certo que depois do ‘Gênio do Crime’, de João Carlos Marinho, lá pela quinta série (não me perguntem o equivalente hoje), mais adiante, me apaixonei pela poesia de Drummond e Vinicius, e por ‘O Grande Mentecapto’, de Fernando Sabino. Meu pai me entregou o livro e disse:

“Essa é a sua história.” Claro que não era, e eu nem sabia o que significava a palavra mentecapto. Valeu a piada, porque até hoje eu o pego para reler as histórias de José Geraldo Perez da Nóbrega e Silva. Engraçado como eu não esqueço esse nome pomposo e personagens como a viúva Peidolina e o vendedor de esterco Barbeca. Daí para me apaixonar pelo ‘Encontro Marcado’ foi um pulo. Um dia o autor dessas pérolas deu uma palestra no colégio em que eu estudava e me cativou ao falar de música, de como tocava sua bateria segurando as baquetas apenas com os dedos indicador e polegar. “Tudo na vida deve ser regido pela nossa sensibilidade”, disse ao final.]
Antes, o próprio Sabino, Rubem Braga, Drummond, Paulo Mendes Campos já me ensinavam a amar a leitura na série ‘Para Gostar de Ler’.

Então vieram Lima Barreto, Machado de Assis, João do Rio, Nelson Rodrigues, e minha vida mais uma vez mudou. Comecei a tentar inutilmente escrever. E tudo que eu escrevia parecia, e era mesmo, ridículo, como as cartas de amor de Pessoa. Deixei para lá, ainda tinha muitas letras, palavras, frases e parágrafos para percorrer vida afora.

Então veio Charles Bukowski, com ‘Cartas na Rua’, que me levou a John Fante e seu ‘Pergunte ao Pó’, que me levou a Boris Vian, de ‘A Espuma dos Dias’.

Não tive muito quem me orientasse, e até hoje sou um leitor errante. Outro dia mesmo meu vizinho, o professor Anésio, me aplicou um livro que depois descobri ser óbvio, o delicioso romance ‘Pedro Páramo’, o único escrito por Juan Rulfo, ninguém menos que a referência de autores da prateleira de cima do leitor aqui como Gabriel Garcia Márquez e Jorge Luiz Borges.

Qualquer lista que se faça é irreal, absurda, egoísta diante de tanta maravilha que já se escreveu por aí. Posso citar ‘A Metamorfose’, de Kafka, ‘A Guerra do Fim do Mundo’, de Mario Vargas Llosa, a deliciosa versão romanceada da Guerra de Canudos. Também Ariano Suassuna e Jorge Amado, tudo de Galeano e Saramago, a série do genial detetive Nero Wolfe, do americano Rex Stout. Ou o melhor autor de todos os tempos da última semana, o japonês Haruki Murakami, que descobri de forma inusitada. Entrei numa livraria e vi um livro com um título interessante: ‘Do Que Eu Falo Quando Falo de Corrida’. Dei uma folheada e vi que o japa era barra pesada, um dos autores mais lidos do planeta. E mais, que aquele livro não era apenas sobre correr, mas sobre como a corrida foi fundamental em seu processo de fechar seu clube de jazz, em Tóquio, para se dedicar ao ofício de escrever. E este me levou a outro, ‘Norwegian Wood’, e a outro e a outro e a outro.

Ser esse leitor errante, como ser errante de uma forma geral, não é a melhor forma de organizar a vida e as prateleiras, mas nos permite o improviso, a surpresa. Tudo isso para dizer que o cerrar das portas de uma livraria como a Leonardo da Vinci é tornar a vida irritantemente previsível, sem graça e menos errante.

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