Por clarissa.sardenberg

De repente, saí de minha própria bolha e me vi como um alienígena vindo de outras esferas e outras décadas, diretamente do túnel do tempo, para o dia a dia frenético dos tempos atuais. Olho ao meu redor na rua: muitos envolvidos com seu celular enquanto caminham ou param no sinal aberto, seja falando, lendo ou digitando.

Olho de novo no metrô, onde nem sempre há sinal de internet: muitos com a cara em seu celular, possivelmente jogando ou lendo algo offline. Os poucos sem o aparelho estão cochilando de olhos cerrados.

Ou seja, quem ainda olha ao seu redor hoje? Até mesmo na academia de musculação, ninguém se olha muito: seja na esteira ou bicicleta ergométrica, estão sempre de olho em seus celulares. Ninguém mais se olha. Eu não olho mais ninguém. Não sei quem estava e quem não estava.

Deixo um volume descomunal de informações virem até mim e quero dar conta de tudo. Por isso, uso os intervalos das séries de musculação para responder e-mails. Por isso, respondo WhatsApp enquanto como algo. Por isso, aproveito o metrô para ler o que não deu tempo de ser lido.

Errada, eu? Me julguem, eu assumo a culpa. Podia dar limite a isso tudo. Podia me desligar às 18 horas e meditar, ver o primeiro jornal da noite e relaxar. Podia, sim. Mas, em vez disso, aceitei a imposição invisível da vida contemporânea e me abri para as redes, o networking, as inúmeras ideias, projetos e parcerias. Me abri para esse tempo que corre para acompanhar o volume de informações e não dá conta.

E não se iludam comigo. Não estou angustiada. Vivo uma espécie de anestesia, onde a vida passa pelo tela do meu celular, do meu tablet ou do meu computador.

Me sinto um pouco uma mistura ficcional, por entre a fantasia de Aldous Huxley e George Orwell, ou sendo parte de filmes como ‘Truman’s Show’ ou ‘Blade Runner’.

Sou fatalista. É o que é e o que pode ser. São os impactos da tecnologia sobre pobres humanos falíveis, viciáveis, viciados.

Tempos uber modernos. Tempos líquidos, gasosos. Tempos que chegaram para ficar. Não são temporários (veja a ironia da palavra): são tempos permanentes até a próxima revolução chegar.

E para perceber a sua chegada, é preciso estar atento e forte, olhando ao redor de tudo (veja você o paradoxo), pois o futuro chega dentro e fora do seu smartphone. Futuro ansioso que nos comprime e provoca. Paro aqui e os deixo com a dureza do genial George Orwell: “Se você quer uma imagem do futuro, imagine uma bota prensando um rosto humano para sempre.”

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