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Rio - Durante muitos anos, trabalhei em redação como crítico e repórter da área musical. Tive a oportunidade de entrevistar quase todos os meus ídolos. Já disse por aqui que a minha memória é toda relacionada a letras e melodias. Lembro-me do momento exato em que ouvi determinada canção. Não esqueço, por exemplo, de uma tarde com um grande amigo de Manaus, no meu quarto, bebendo cerveja e tocando violão. Eu devia ter uns 16 anos quando Ruy, esse é seu nome, tocou ‘Certas canções’, de Milton Nascimento e Tunai, e disse para eu prestar atenção na letra: “Certas canções que ouço/ cabem tão dentro de mim/ Que perguntar carece: Como não fui eu que fiz?”.
Aquilo me pareceu o sol saindo de trás de nuvens cinzentas. Clareou. A minha ligação com as canções nunca mais foi a mesma. Além da música — que me encantava tanto ao ponto de eu cantar sem prestar atenção no conteúdo — estavam as palavras, suas rimas, seus encadeamentos poéticos terrenos ou metafísicos, seu poder de criticar, de contar histórias, de desconstruir. Engraçado como eu, que tanto amava os livros, demorei para prestar atenção na nossa poesia musical.
Deste mesmo quarto onde nos reuníamos para tocar, cantar, conversar sobre a vida, mesmo que ainda pouco vivida, lembro do velho toca-discos e dos meus LPs preferidos desta passagem amazônica. ‘O importante é que a nossa emoção sobreviva’, sem dúvida, era um deles. Paulo Cesar Pinheiro, Eduardo Gudin e Márcia. Até hoje sou apaixonado. Nesta época também, vasculhando a coleção de discos do meu padrasto, aprendi a amar todos os sambistas. Candeia, Monarco, Wilson Moreira, Zé Keti, Nelson Sargento e outros tantos que mais tarde se tornariam meus amigos.
Mas o meu disco predileto desta época — para mim um dos melhores que conheço — era ‘Luz’, de Djavan. Poucos artistas conseguiram fazer uma sequência de tirar o fôlego como a do alagoano: ‘Samurai’, ‘Luz’, ‘Nobreza’, ‘Capim’, ‘Sina’, ‘Pétala’ e outras.
Mas Djavan sempre foi uma lacuna na minha vida de repórter. Pior que isso, enquanto eu me lamentava de não tê-lo conhecido, ainda ouvia barbaridades sobre sua música de colegas de ofício. Sempre tinha a piadinha do “zum de besouro”, como se as maravilhas que ele compôs não fizessem sentido. Sempre fez para Chico, para Caetano, para Gilberto Gil, para Gal Costa, para Bethânia... E no depoimento para a posteridade que ele prestou no Museu da Imagem e do Som, na semana passada, com a elegância habitual, disse: “Não me preocupo com isso, mas é claro que é difícil para alguém ilustrado admitir que não entendeu algo dito por um negro, filho de lavadeira e que não terminou os estudos. E mais, que faz bastante sucesso”.
Já na sua mensagem final deu uma linda demonstração de otimismo com relação ao atual momento do país. Para ele, vivemos um período fundamental na história da nossa democracia. É hora de mudar pra melhor, da classe política assumir sua enorme culpa nas nossas mazelas sociais, na miséria e na fome que assola o Brasil. Como não querer Djavanear?