Ricardo Cota: Tragédia apaga memória do cinema
Como bem disse o cineasta Aurelio Michiles, a memória não é estática
Rio - O incêndio ocorrido esta semana na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, é mais uma triste página de uma das maiores tragédias da cultura brasileira: o descaso com a memória. Ainda vai levar um tempo para conhecermos a dimensão das perdas, mas infelizmente já se sabe que há obras destruídas pelo fogo que estão perdidas para sempre.
O grande jornalista Ivan Lessa dizia que o Brasil é um país que esquece da sua história a cada 15 anos. Infelizmente, a frase está desatualizada. Estamos esquecendo da nossa memória a cada 15 segundos. Vivemos a cultura Alzheimer, em que o que é feito hoje amanhã está condenado ao lixo. Perdemos a memória recente num átimo e descuidamos completamente da memória mais remota. Onde vamos parar? No vazio?
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Como bem disse o cineasta Aurelio Michiles, diretor de ‘Tudo por Amor ao Cinema’, documentário dedicado a Cosme Alves Netto, mais importante curador da Cinemateca do Museu de Arte Moderna e um símbolo da preservação cinematográfica, a memória não é estática.
Ontem, em conversa pelo celular, Aurelio, indignado com o trágico acidente desabafou: “O lugar em que se guarda a memória não é uma caixa fechada de nostalgias, a memória é dinâmica, ela precisa ser bagunçada, agitada, questionada, vivida. A memória não é um museu do futuro, do passado, mas a nossa vida vivida agora e sempre.”
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A perda da memória de nossas obras de arte é um reflexo maior de uma grande crise nacional. Um país que não valoriza sua memória é um país que joga diariamente a sua própria história no lixo. Um país que não acredita que o vivido hoje é consequência de uma série de ações no passado está condenado a repetir erros, o que por sinal é o que vemos hoje aí, não só na cultura, mas no esporte, na política e no dia a dia. Quando um filme desaparece, some com ele um pedaço do país. Somem hábitos, costumes, arquiteturas, registros, pessoas. No fundo, a morte de um filme é também a nossa própria morte.