Por bianca.lobianco
Rio - A escala da edição 2016 do Trem do Samba — a 21ª do evento, comemorativa dos cem anos do estilo — já estava toda programada quando surgiu a notícia do acidente do avião que transportava a delegação da Chapecoense. Para o idealizador do Trem, Marquinhos de Oswaldo Cruz, o principal do evento é levar alegria e memória para as pessoas. Mas ele avisa que a tristeza pelo acidente não irá ficar de fora. E ganha espaço amanhã, às 15h, no ínício dos shows na Estação Central do Brasil. 
Marquinhos de Oswaldo Cruz comanda o Trem do SambaFernando Souza / Agência O Dia

“Vamos fazer uma celebração pelos nossos ancestrais. E também um minuto de silêncio pelo time da Chapecoense”, conta Marquinhos, que irá também tocar surdo na ocasião — lançando mão daquelas batidas espaçadas, costumeiras em cortejos de veteranos do samba.

Consternação pelos que se foram e alegria por tudo o que eles deixaram para quem fica, como em tempos idos. “Na época da escravidão, os senhores ficavam espantados como os escravos eram açoitados, trabalhavam por 16 horas e ainda tinham tempo de cantar e dançar. Era um encontro com a ancestralidade. Com tanta tristeza, precisamos focar no que nossos ancestrais deixaram para nós”.
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SENHORES DA MEMÓRIA
Pela primeira vez, o Trem do Samba ganha dois dias de festa, aproveitando os cem anos do estilo e o Dia Internacional do Samba — que é hoje. Se você mora na região de Madureira e Oswaldo Cruz e, lá pelas 5h, ouviu uma queima de fogos, já entrou em sintonia com o Trem 2016.
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“A ideia é despertar o morador e avisar que é Dia Internacional do Samba”, conta Marquinhos. “Comparo Oswaldo Cruz com o Museu do Louvre, só que é um museu do patrimônio imaterial. Foi o bairro que mais recebeu minorias, tanto de negros escravizados quanto de italianos, judeus”.
A festa continua hoje às 18h05 (horário exato em que Paulo da Portela pegava o trem), com cortejos formados pelo público, com cinco grupos de rodas de samba saindo do bairro acompanhados de bonecos gigantes — os ‘Senhores da Memória’, representando as músicas dos sambistas da região. Em seguida, o cortejo vai parar na casa da lendária Dona Ester, na Rua Antonio Badajós.
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“Dona Ester foi a Tia Ciata (agremiadora do samba na Zona Portuária) daqui. O Donga, o Paulo da Portela e o Cartola viviam na casa dela. Ela dava festas que duravam uma semana. Na época, quando uma menina aparecia grávida, dizia-se que ela tinha dado um ‘mau passo’. Muitas eram expulsas de casa. Dona Ester lhes dava abrigo”, ensina Marquinhos. O cortejo segue para a Praça Paulo da Portela, onde acontece uma numerosa roda de samba e também a lavagem do busto do baluarte portelense. Tia Surica, Dona Ivone Lara e Nelson Sargento já confirmaram presença.

BAMBAS NO TREM
Amanhã, os shows rolam na estação Central do Brasil (palco Donga) a partir das 15h, com o próprio Marquinhos, Velhas Guardas da Portela, Vila Isabel, Império Serrano e Salgueiro — e participações de Tantinho da Mangueira, Nelson Sargento, Dominguinhos do Estácio e outros. A partir das 18h24, em intervalos de 20 minutos, quatro trens partirão da estação em viagens diretas para Oswaldo Cruz, com rodas nos 32 carros dos veículos. A entrada é um quilo de alimento não-perecível. Nomes como Mauro Diniz, Thais Macedo, Leci Brandão e Grupo Arruda também se apresentam.
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O trem com Marquinhos e as velhas guardas fará uma parada para a entrada da Velha Guarda da Mangueira. “A ideia é fazer a música ‘Sala de Recepção’, do Cartola, ao contrário”, avisa Marquinhos. O clássico do mangueirense foi feito para Paulo da Portela, quando o compositor ficou banido por três dias da escola azul e branca. “Peço que cada um leve sua alegria para o evento, mesmo com a tristeza dessa semana”, conta Marquinhos “Outro dia, eu estava cantando na Feira das Yabás e uma senhora de uns 80 anos me deu uma umbigada (dança afro-brasileira). E disse que aquela música a fazia lembrar das tias que dançavam na infância dela. Temos que reviver essa memória”.