Rio - Os bastidores das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) e o conflito das políticas públicas na área de segurança são os chamarizes de 'Intervenção', filme do diretor Caio Cobra, que chega aos cinemas no dia 15 de novembro. Com roteiro de Rodrigo Pimentel (autor dos livros 'Elite da Tropa', 1 e 2) e Gustavo de Almeida, o longa é protagonizado por Bianca Comparato e Marcos Palmeira e foi rodado em cinco semanas na comunidade pacificada Tavares Bastos, no Catete, na Zona Sul do Rio.
"A única (comunidade) possível (de ser filmada) no Rio de Janeiro, devido ao fato de o BOPE (Batalhão de Operações Especiais) estar aqui. Hoje, esse filme, em qualquer outra comunidade, seria difícil de acontecer. Por causa da violência, por causa do que a gente lê todos os dias", revela Cosimo Valerio, um dos produtores do longa. "Se o BOPE sair daqui (Tavares Bastos) hoje, se torna inviável filmar em favela no Rio. Não vai ter nenhuma outra opção. O 'Tropa de Elite' filmamos em cinco, seis favelas. Seria totalmente impossível hoje", completa Pimentel.
A TRAMA
'Intervenção' conta a história de Larissa (Bianca Comparato), moradora de uma comunidade e PM recém-concursada. Ela acredita no projeto das UPPs e vê nelas o fim da violência onde mora. Em uma ronda para verificar uma denúncia de roubo de carga, a policial enfrenta um conflito pessoal quando, em uma troca de tiros, um jovem morador morre baleado. O momento é registrado em um celular, e o vídeo cai nas redes socais. Larissa decide partir para cima daquele que considera o grande culpado: um juiz, que, dias antes, concedeu liberdade ao traficante que disparou durante o confronto decisivo.
"Quando o Rodrigo veio até mim com o roteiro, senti muita vontade de discutir o assunto. Desejo que esse filme gere discussão, reflexão; não gere polarização, mais ódio. Todos os atores tentaram dar complexidade ao que estávamos fazendo para uma hora você torcer para um e outra hora para outro. Uma hora, falar: 'não, a PM está certa'. E outra hora, vai dizer: 'não, a PM não está certa, quem está certo é o bandido, ou a população que mora ali que está sofrendo'", diz Bianca Comparato, a protagonista do longa.
REFLEXÃO
Marcos Palmeira, que interpreta o major Douglas no longa, afirma que quem assistir ao filme sairá se questionando sobre como se posiciona diante de tudo que viu. "O filme mostra que tanto a polícia quanto a população do Rio de Janeiro são excluídas. Os PMs, que acreditaram no sonho das UPPs, estão ali vivendo aquela situação limite, o dia inteiro. Eu acho que é uma história muito pertinente, muito importante. A gente pode se enxergar no cinema", frisa.
"É um filme urgente, que faz uma fotografia realista do cotidiano nas comunidades cariocas. Os personagens vivem situações limite, em que não há mocinhos e bandidos. Não é maniqueísta", diz o produtor Cosimo Valerio. "Não importa ser de centro, esquerda ou direita. O filme fala da questão humana. O que a gente mostra no filme é que tanto a polícia quanto a sociedade se encontram em situação limite", acrescenta o também produtor Angelo Salvetti.
REALISMO
Para garantir o grau de realismo, foram usados cinco PMs de UPPs, de verdade, como atores nas cenas de ação ou de rotina policiais. "Eles passaram suas experiências para todos. Um dos nossos preparadores já realizou diversos salvamentos de policiais, o que traz muito realismo às cenas. Isso ajudou além dos momentos de combate, mas na convivência diária, nas relações interpessoais, em como eles convivem. São detalhes que trazem uma veracidade que nós não teríamos sem eles", acrescenta o diretor Caio Cobra, que para fugir do estereótipo escalou um ator louro de olhos azuis para viver o traficante do filme. "Quando entrei para visitar uma locação, uma casa muito miserável que tem aqui (Tavares Bastos), a menina era branquinha de olho azul. Eu falei: 'por que isso não é representado? Por que o bandido tem que ser sempre o preto?'. Não é porque eu tomei uma decisão. Foi algo que eu vi e estava na hora disso ser mostrado também", explica Cobra.
VISÃO FEMININA
Para Bianca, o que também a interessou foi a visão feminina da personagem dentro da polícia. "Porque a UPP abriu muito para as mulheres, porque era uma ideia da polícia mais humana, mais em contato com a comunidade, de ser mais humana em uma cidade em guerra. Esperava da polícia ser da comunidade, ajudar as pessoas, dar reforço de português. Ou seja, a UPP é escola, hospital, academia, creche e também um exército. Então, fica impossível para uma corporação só resolver um problema muito mais denso e muito mais complexo", analisa.
POLICIAL NA RUA
Rodrigo Pimentel, que é ex-capitão do BOPE e divide o roteiro com Gustavo de Almeida, vai além. "Se existe um policial dando aula de português, matemática, é porque tudo deu errado. Esse policial tinha que estar na rua, oferecendo segurança pública. O container também é símbolo do provisório, para dizer para o morador que nada é para sempre, nada mais simbólico do que usar um container, todos furados de bala. Os policiais não têm acesso ao banheiro. Eles pedem licença para o morador para usar o banheiro dele, e os dois governadores do estado estavam insensíveis a isso. Possivelmente, a cúpula da Segurança Pública também estava insensível a isso. Possivelmente, a imprensa carioca também estava insensível, a sociedade carioca também. E a gente vai mostrar isso", avisa.
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