Rio - Aos 74 anos, Irene Ravache fala da vida como se estivesse citando uma obra de arte. A atriz, que interpreta a espiritualizada Margot em 'Espelho da Vida', diz que não teme a morte e nem pensa no que pode acontecer ao passar dessa para melhor. "Acho que deve ser uma coisa tão avassaladora e única que eu não queria que ninguém me antecipasse. É como se fosse um filme, não quero saber o final antes do tempo. Prefiro ver como é na hora", diz ela.
Embora evite desvendar esse mistério, a atriz confessa que, desde 2015, tem mergulhado na literatura espírita. Segundo ela, a curiosidade surgiu após interpretar a amargurada Condessa Vitória, em 'Além do Tempo', novela espírita que também foi escrita por Elizabeth Jhin.
"O último livro que li a respeito foi uma biografia do Allan Kardec. Eu fiquei impressionada porque sabia por alto da vida dele, mas o que me chamou atenção foi ver o quanto esse homem foi puro. Ele não criou uma religião, criou uma filosofia de vida", afirma.
Como já consumia muitos livros sobre o assunto, Irene conta que não precisou fazer laboratório ou pesquisas sobre o tema para interpretar Margot. Ela ainda reitera que já chegou a visitar um centro espírita de mesa branca e acredita que novelas com essa temática fazem sucesso no Brasil porque o país já atravessou momentos difíceis, em que toda gota de esperança fez diferença na vida das pessoas.
"Nas ruas, muitas senhoras falam que gostam das 'novelinhas' das seis porque têm histórias que não agridem ninguém. Isso acontece porque nós estamos vivendo situações de muito conflito e ódio. É uma coisa tão séria que, por uma palavra, podemos virar inimigos mortais. Ou você é a favor da arma ou você é completamente alienado. Ou você é extrema esquerda ou você é extrema direita. Não dá para continuar assim", critica a veterana.
APOSTA CERTA
Para acalmar os ânimos, segundo Irene, está mais do que na hora de investir em temas leves na televisão. Quando ela pensa nisso, inclusive, garante que a autora do novo folhetim das seis foi feliz ao escolher sua personagem, que é uma mulher doce e apaziguadora, para ter a missão de apresentar o espiritismo para Cris (Vitória Strada), a mocinha da história.
Admiradora de Elizabeth Jhin, Irene afirma que confia tanto no trabalho da autora que não precisa pensar antes de aceitar um convite para fazer novelas, já que as duas compartilham de ideias parecidas e se preocupam em passar belas mensagens para o público. "Eu nem pergunto qual é o papel. Se é novela da Elizabeth Jhin, eu faço. Não quero saber o que vou fazer e como vou fazer. Aceito porque eu sei que vem alguma coisa de qualidade", garante.
Na trama atual, a personagem de Irene demonstra características que a atriz valoriza nesse momento polarizado. Desde os primeiros capítulos, Margot esbanja jogo de cintura para lidar com o jeito turrão de Alain (João Vicente de Castro), um cineasta cético que não suporta ver a namorada aprendendo sobre o espiritismo. Para a atriz, se todo mundo soubesse agir com a paciência e a postura de Margot, ao falar com alguém que pensa diferente sobre política e religião, o mundo seria bem melhor.
"Essa personagem é interessante e é até um exemplo porque se ela tiver que brigar pelas posições dela, ela vai brigar, mas nunca de um jeito agressivo. Eu tenho muitos pontos em comum com ela. Nós gostamos de crianças, somos acolhedoras. A Margot é mais espiritualizada, mas eu também tenho fascínio pelo tema", defende, adiantando que a mulher está presente nas duas fases da novela e guarda segredos que prometem movimentar a trama no futuro.
OUTRO PLANO
Na época, Irene diz que não chegou a ligar o fato ao espiritismo, mas lembra de ter vivido uma experiência "esquisita", que sua personagem sem dúvida consideraria algo sobrenatural. "Veneza é uma cidade que mexe muito comigo. Quando eu fui para lá a primeira vez de trem, na última estação antes de chegar, o meu marido foi me falar uma coisa, e eu pedi para ele não falar. Eu tinha uma sensação de medo, como se eu já tivesse vivido aquilo".
Ao chegar no hotel, a artista diz que se agarrou ainda mais ao parceiro e, antes de abrir a janela e conferir a paisagem, lembra-se de dizer para o amado o que tinha do outro lado. "Antes de ver, eu já sabia que ali tinha um pátio com uma fonte. Eu chorava muito. Agora, não dá para saber o que foi aquilo. Mas se você pensar que pátios com fontes em Veneza são bem comuns, pode achar que foi só uma coincidência", diz ela, comparando sua vivência com a história da protagonista de 'Espelho da Vida'.
Para ela, algumas dúvidas não têm respostas, mas o importante é não deixar de questionar. Por um período, Irene conta que fez tratamento com um psiquiatra judeu reconhecido, que desabafou com ela sobre um caso que não encontrou explicação científica e começou a deduzir que se tratava de uma regressão da vida.
"Se um homem tão dedicado à Ciência, que escreveu tantos livros, teve essa abertura para esse tipo de canal, por que eu não deveria ter? Acho que todos nós já tivemos a sensação não só de ter estado em determinado lugar, mas a de ter vivido aquela situação", sugere, deixando claro que não duvida do espiritismo, mas prefere não dedicar sua vida tentando esclarecer esses mistérios, como a bondosa Margot faz.
*Correspondente em São Paulo
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