Alegoria da Unidos da Tijuca vai retratar o momento em que o pão virou moeda de troca em Roma, na época do 'Pão e Circo' - Daniel Castelo Branco
Alegoria da Unidos da Tijuca vai retratar o momento em que o pão virou moeda de troca em Roma, na época do 'Pão e Circo'Daniel Castelo Branco
Por *Luana Dandara

Rio - Passaram pela Sapucaí muitas manifestações de cunho político e social. Marcou época o Cristo censurado da Beija-Flor, em 1989, que protestou contra a desigualdade do país, onde miseráveis convivem com milionários. Um ano antes, no centenário da Abolição da Escravatura, a Mangueira questionou em seu desfile se a tão sonhada liberdade havia realmente chegado. Nessa linha, há muitos enredos memoráveis, mas nunca antes o Carnaval teve tantos sambas e temas engajados como agora. Dez, das 14 agremiações, vão colocar a boca no trombone pelo menos em algum momento de seus espetáculos.

A Mocidade de Padre Miguel é uma delas. Ao falar sobre o tempo, a agremiação criticará, em um setor, os operários engolidos pelo trabalho massivo nas fábricas, em uma alegoria inspirada em 'Tempos Modernos', de Chaplin. Já o Salgueiro, que homenageará o orixá da Justiça Xangô, fechará sua passagem na Avenida com uma alusão à lavagem de dinheiro e à corrupção. Segundo o carnavalesco da Vermelha e Branca, Alex de Souza, a ideia foi de última hora. "É tanta notícia de operações da Polícia Federal e polêmicas em torno da Justiça que não tive como fugir", contou. "Mas Carnaval é isso mesmo, se as coisas não estão um mar de rosa, faz parte do Carnaval denunciar, brincar, satirizar. Esse é o espírito", acrescentou ele.

"Faz parte do Carnaval denunciar", diz Alex de Souza, do Salgueiro - Alexandre Brum / Agência O Dia

Para o jurado do Tamborim de Ouro Aydano André Motta, essa é uma tendência que veio para ficar. "Acredito que tem ligação direta com a crise financeira que as escolas estão passando. O pouco dinheiro turbinou a criatividade dos artistas do Carnaval, os compositores e carnavalescos. É a capacidade de se reinventar", ponderou o especialista, que destacou Mangueira e Paraíso do Tuiuti. "São duas escolas que já vêm com essa linha polêmica, e vão intensificar este ano. A Mangueira levará a história não contada do Brasil, em um desfile mais pesado, mas emocionante de ver. A Tuiuti, ao falar sobre o bode que foi eleito, será debochada". A escola de São Cristóvão, inclusive, ironizará políticos em esculturas de animais, como porco e cobra engravatado.

Um dos carros da Mangueira terá caveiras sujas de sangue - Oscar Liberal/ Divulgação

A integrante da Comissão de Carnaval da Unidos da Tijuca Annik Salmon acredita que a abordagem crítica traz a identificação do público. "Confio que trará bom resultado, porque mostra o que passamos hoje. A situação que vivemos, principalmente política, acaba nos levando a abordar esses assuntos da atualidade. É uma grande oportunidade de mostrar, em forma de arte, o não bonito que a gente passa", ponderou. A agremiação, que tem um enredo sobre o pão, não deixará a desigualdade social e a omissão dos poderosos de lado, influenciada pela chegada do diretor de Carnaval Laíla, que deixou a Beija-Flor.

"As críticas não são novidade, sempre fez parte da história, mas é muito positivo terem retornado com força a partir desse olhar para a sociedade", afirmou a também jurada do Tamborim e pesquisadora do Carnaval Bárbara Pereira. "A vontade de criticar é tamanha, que a São Clemente e a Grande Rio vão criticar a si mesmas. A primeira com a falta de recurso e a qualidade do espetáculo, e a segunda com a referência à virada de mesa, que interessou a própria. É uma autocrítica divertida", concluiu Aydano. Beija-Flor, Imperatriz Leopoldinense e Vila Isabel são outras agremiações que levarão polêmicas para a Avenida.

Carnavalesco Paulo Barros polemiza: 'É modismo'

Enquanto muitas agremiações apostam na crítica, outras preferem incorporar o lúdico. É o caso da Viradouro, que levará personagens mágicos em seu desfile. O carnavalesco Paulo Barros chegou a declarar, ao site Carnavalesco, que “modismo de enredo crítico e social eu vejo como oportunismo”. Os especialistas discordam.

“É uma ótima notícia que o Carnaval esteja se desalienando. E são narrativas muito bem-humoradas, irônicas que vão despertar emoções variadas”, explicou Aydano Motta. “Sempre terão carnavalescos que preferem se desconectar da realidade, que propõem uma viagem mais delirante. Entretanto, tem lugar para todo mundo, essa é a grande graça da festa”.

“A tendência apenas reflete o momento que a sociedade está vivendo, de repensar. É excelente ter diversidade de perfis de carnavalescos, equilibra o peso do desfile”, afirmou Bárbara Pereira.

* Estagiária sob supervisão de Angélica Fernandes

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