Aos 80 mil seguidores do Facebook e 248 mil no Instagram, Evelyn manda seu recado: "As mulheres mostram cada vez mais coragem para enfrentar o machismo, derrubar preconceitos" - Marcelo Moura / Divulgação
Aos 80 mil seguidores do Facebook e 248 mil no Instagram, Evelyn manda seu recado: "As mulheres mostram cada vez mais coragem para enfrentar o machismo, derrubar preconceitos"Marcelo Moura / Divulgação
Por FRANCISCO ALVES FILHO

Rio - Quem acompanha escolas de samba se acostumou com a ideia de que as belíssimas rainhas de bateria existem apenas para serem vistas, não ouvidas. Evelyn Bastos, a mulher escultural de 25 anos que há seis desfila à frente dos ritmistas da Mangueira, vai na contramão. Logo após saber que a Verde e Rosa conquistou o campeonato de 2019, deu entrevistas dedicando o título aos excluídos, ao povo da favela e aos ancestrais "ocultados da história do país". Volta e meia usa as redes sociais para criticar o racismo e o machismo. A alguns internautas que aconselham que fale menos e sambe mais, responde: "Respeito sua opinião, mas vou continuar falando. Se não gosta, basta deixar de me seguir".

A julgar pelos 80 mil seguidores que tem no Facebook, e os 248 mil no Instagram, muita gente quer ver Evelyn e saber o que ela tem a dizer. "As mulheres mostram cada vez mais coragem para enfrentar o machismo, derrubar preconceitos. Vejo isso crescendo a cada ano", diz a estrela mangueirense. Para ela, é esse o maior significado do 8 de Março: "As mulheres devem encorajar outras mulheres".

Cria da favela da Mangueira, filha de um pintor de carros e uma costureira, que foi rainha de bateria da escola entre 87 e 89, Evelyn começou a ter aulas de samba aos 7 anos, em um projeto social que existia na quadra da Verde e Rosa. Além de aprender a tradição cultural, as crianças recebiam apoio psicológico e reforço escolar. "A vida no morro é muito difícil, muito complicada, enfrentamos várias situações adversas. Assim como eu, quando criança, as meninas e os meninos da comunidade vêem a escola de samba como um refúgio de felicidade", explica. Estudou, formou-se em Educação Física pela Uerj, e atualmente está no terceiro período do curso de História.

Apesar de ocupar um posto em que a beleza é fundamental, Evelyn diz ser avessa a padrões. "A pessoa pode ser bonita de várias formas, como a rosa e o girassol, que são belos cada um do seu jeito", explica. Não faz dieta. "Nem piso na balança", garante, aos risos. Mas compensa com a paixão pela musculação e pelo exercício físico. É dessa forma que mantém os 71 cm de cintura, os 104 cm de quadril, os 66 cm de pernas e os 93 cm de seios (com silicone).

Ela desestimula a competitividade entre as rainhas de bateria e critica apenas aquelas que pagam para desfilar à frente dos ritmistas de outras escolas. "Eu acredito na responsabilidade cultural, tenho responsabilidade com as meninas da comunidade que sonham ser rainhas de bateria", explica Evelyn. Na Mangueira, diz ela, as garotas sabem que não precisam ser atriz ou modelo para chegar lá, mas apenas respeitar o lugar e conhecer a tradição. "Me entristece ver uma rainha de bateria que paga pelo cargo. Cada coroa paga é um sonho a menos de uma criança".

Para Evelyn, não existe qualquer incoerência entre encantar o público da Sapucaí como rainha de bateria e manter um discurso engajado. "Posso estar nua e mesmo assim falar de arte ou mostrar a arte, mostrar e falar de política. Para isso não é preciso estar de terno e gravata, pode-se estar de chinelo de dedo ou vestida de rainha de bateria". Ela acredita que a informalidade faz com que o tema seja popularizado. "As pessoas sentem falta, alguns me dizem que o povo do samba devia falar mais desses assuntos. E eu concordo. Se a gente falasse mais de política, as pessoas abririam muito mais os olhos".

Logo depois da apuração do resultado do desfile, ainda na Praça da Apoteose, Evelyn Bastos dedicou o título da Mangueira aos trabalhadores dos barracões, que não são vistos, aos moradores do morro, a todos os negros e índios. Fez dessa forma uma ponte entre os excluídos de hoje com os personagens do passado, esquecidos pela História oficial, citados no enredo desenvolvido na Sapucaí pelo carnavalesco Leandro Vieira.

No desfile, Evelyn passou caracterizada como Esperança Garcia, mulher negra escravizada que, no final do Século 18, teve a coragem de escrever uma petição ao governador do Piauí para denunciar os maus tratos que sofria. "Conhecer essas mulheres corajosas num período difícil é uma forma de motivar pessoas...é uma forma da criança que é negra crescer tendo orgulho de quem é. Especialmente uma menina negra".

Ela espera que o desfile da Mangueira seja levado para estudo em salas de aula. "São tantas mulheres que sofrem abusos físicos e psicológicos que preferem se calar por medo... Quem sabe conhecer Esperança Garcia não faça com que ganhem coragem para denunciar", acredita.

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