Por Beatriz Perez
Rio - Durante muito tempo a História do Brasil foi contada por uma versão oficial, baseada em grandes datas comemorativas. O debate sobre os protagonismos brasileiros é recente, conta o historiador Luiz Antonio Simas, que colaborou com o carnavalesco Leandro Vieira. Para ele, o enredo da Mangueira se destaca pela contemporaneidade:“É muito quente”.
Saiba quem são os heróis e heroínas da Mangueira.
A própria educação formal era pautada por efemérides e grandes heróis até pouco tempo, herança do Regime Militar. “A lei que estabelece obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena é muito recente no Brasil. Vem na esteira da Constituição de 1988 e das articulações dos movimentos indígena e negro”, acrescenta.
Para contar a ‘história que a história não conta’, Leandro procurou historiadores para buscar os heróis por trás do retrato. Simas recebeu com surpresa a ideia audaciosa do carnavalesco e trabalhou como linha de diálogo com outros historiadores. “Por muito tempo, as Escolas de Samba eram obrigadas a apresentar temas da História do Brasil. Leandro quis pegar o que foi mais abordado: Descobrimento do Brasil, Independência, Proclamação da República e Abolição e trazer esta outra versão”.
Autor do Dicionário de História Social do Samba, Simas diz que Leandro Vieira teve o mérito de contar a História sem perder de vista o Carnaval. Antigos heróis foram caricaturados: teve Dom Pedro montado em mula de borracha, Pedro Álvares Cabral como 171 e Deodoro Fonseca, que proclamou a República, com uma coroa, símbolo do Império, na cabeça. “Até às vésperas da proclamação, ele se dizia partidário do imperador. Proclama a República sem grandes convicções, faz um governo confuso e acaba renunciando antes da metade do mandato”, explica a ironia.
A professora de História Thais Bastos foi a responsável por escrever o texto sobre a Princesa Isabel que saiu no último carro da escola. Um dos personagens desmistificados no enredo, ela foi representada por um destaque com as mãos manchadas de sangue.
O retrato de Isabel redentora não condiz com a realidade, explica a professora. “Quando ela assumiu o governo no Brasil havia muitas manifestações ligadas aos abolicionistas. O povo negro estava lutando nas ruas. Ela estava sendo muito pressionada. A historiografia mostra, por exemplo, que Isabel retratava os negros de forma pejorativa em cartas”, explica.
Outras representações distorcidas são as do Índio pacífico e do bandeirante como herói desbravador, diz Simas. “A gente tem uma história oficial que não registrou a luta popular. Os bandeirantes eram contratados por elites locais para exterminar quilombos e abafar lutas de resistências indígenas”, conta.
Thais Bastos ressalta a necessidade de revisar os protagonismos da História brasileira. “Por muito tempo foi contada por vencedores. A gente tem que trazer à tona a perspectiva das pessoas que perderam”, diz. Para ela, ao superar o lado eurocêntrico da História, os estudantes se sentem mais pertencidos. “A gente tem que rever tudo isso para que as pessoas tenham consciência da nossa História”, defende.