Carnavalesco João Vitor Araújo aposta em enredo sobre São Sebastião - Luciano Belford/Agência O Dia
Carnavalesco João Vitor Araújo aposta em enredo sobre São SebastiãoLuciano Belford/Agência O Dia
Por Luana Dandara
Em um ano marcado por um racha na Liga Independente das Escolas de Samba do Rio (Liesa), atrasos na renovação do contrato de transmissão da TV e crise financeira acentuada, por conta da retirada da subvenção municipal, as escolas de samba se apoiaram na fé para levar um belo espetáculo à Marquês de Sapucaí neste Carnaval. Dez das 13 agremiações do Grupo Especial vão passar pelo tema em algum momento dos seus desfiles, que acontecem hoje e amanhã. Por sua vez, as críticas políticas e sociais, já presentes no ano passado, ganham ainda mais força em 2020.
Para o especialista Aydano André Motta, o retorno da temática religiosa no espetáculo tem relação com a crise. "A partir de Fernando Pamplona, as escolas de samba começaram a falar da religiosidade do seu povo. Mas isso mudou um pouco com os enredos patrocinados. Agora, o tema volta à tona, porque as escolas foram obrigadas a acordar para a realidade de abandono pelo setor público e pela elite. Elas se voltaram para suas comunidades", explica ele.
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Aydano acrescenta ainda outra característica da festa neste ano: a chegada de uma nova geração de carnavalescos ao Grupo Especial. "Eles vêm com personalidade e ideias. Acredito que a postura questionadora assumida pelas agremiações é um caminho sem volta. Fazer um enredo delirante ficou em outros tempos", afirma.
Na Grande Rio, Leonardo Bora e Gabriel Haddad posam em uma das esculturas de orixá do desfile, que homenageará Joãozinho da Gomeia - Luciano Belford/Agência O Dia
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Coordenador de Carnaval do DIA ONLINE e dono do site Carnavalesco, Alberto João destaca que a disputa está em alto nível. "Quando não tem dinheiro no bolso, a criatividade aflora. Acredito que 80% das escolas briguem, e com muita força, para voltar no Sábado das Campeãs. O Especial está esbanjando qualidade estética. São enredos fortes e que deixam mensagens importantes", analisa. 
Procissão do divino Carnaval
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Estreante no Grupo Especial, o carnavalesco João Vitor Araújo escolheu homenagear São Sebastião no desfile da Paraíso do Tuiuti. "Todo o enredo é pontuado na fé. O público se identifica de imediato. O brasileiro, principalmente o carioca, devota na fé os apelos por dias melhores. A leitura é fácil e de forte apelo emocional", pontua ele. A apresentação será fechada por uma 'procissão'.
São Sebastião, padroeiro da cidade do Rio de Janeiro, é destaque na Paraíso do Tuiuti - Luciano Belford/Agência O Dia
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A Viradouro aposta em um casal inédito para arrematar o título. Os carnavalescos Tarcísio Zanon e Marcus Ferreira, casados há quatro anos, formam dupla pela primeira vez. O destaque fica por conta da quinta alegoria, com uma escadaria da igreja de Nossa Senhora da Conceição. Do peito da santa, sairá Oxum. "Mostra uma relação de respeito entre as religiões", diz Zanon.
O artista plástico Flavio Polycarpo é um dos responsáveis por alegorias na Viradouro e Mangueira, e foi dele também a escultura de São Sebastião usada na lavagem da Sapucaí: “Produzimos imagens de diferentes religiões. É importante ouvir consultores, porque cada obra tem sua particularidade”, explica.
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Nossa Senhora Aparecida estará presente em dois momentos das apresentações de segunda-feira: com a Vila Isabel e, posteriormente, com a Beija-Flor. "É a minha alegoria preferida, pois traz uma leveza e o desfile se torna mais ecumênico", conta Alexandre Louzada, carnavalesco da agremiação de Nilópolis.
No altar da festa, ironia e devoção
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Enquanto a Unidos da Tijuca vai levar um Cristo Redentor para a Avenida, a São Clemente vai tratar a fé de maneira irônica, ao criticar os religiosos que aplicam golpes em fiéis. São Jorge estará presente na Preta e Amarela, na Estácio de Sá e também na Mocidade, em um tripé sobre a devoção da cantora Elza Soares.
Detalhe da última alegoria da Vila Isabel, que traz a Virgem Maria: brasilidade unida à fé - Luciano Belford/Agência O Dia
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Já a Grande Rio pedirá respeito às diferentes religiões. "Em um contexto que a fé é usada para opressão, colocar a escola de samba como ferramenta para passar uma mensagem inclusiva é poderoso", pondera Leonardo Bora, carnavalesco que faz dupla com Gabriel Haddad.
A Mangueira, em contrapartida, vai fazer uma releitura da biografia de Jesus Cristo. "Será um desfile de fé e polêmica. A Mangueira se utiliza de uma das figuras mais importantes da religiosidade como mote para apresentar um enredo sobre pessoas oprimidas", aponta o carnavalesco Leandro Vieira.