Salgueiro e Beija-Flor divulgaram seus enredos para o Carnaval de 2021 - Divulgação
Salgueiro e Beija-Flor divulgaram seus enredos para o Carnaval de 2021Divulgação
Por Leonardo Damico
Rio - Gigantes do carnaval carioca, Beija-Flor e Salgueiro anunciaram os enredos para 2021 e tratarão de importantes temas na sociedade atual: a luta contra o racismo e a resistência preta. Assuntos necessários a serem debatidos, os enredos chegam em momento delicado no Brasil e no mundo, vide as mortes do menino João Pedro, em São Gonçalo, e do estadunidense George Floyd, em Minnesota-EUA.

Aos 14 anos, João Pedro foi morto dentro de casa durante uma operação policial, no dia 18 de maio. A casa, onde o menino estava junto a outros cinco amigos, foi alvejada com mais de 70 tiros. Uma semana depois, George Floyd morreu asfixiado após um policial branco ajoelhar sobre o pescoço da vítima por mais de oito minutos. O caso de Floyd repercutiu o mundo e iniciou o movimento 'Black lives Matter' (Vidas Negras Importam).

Campeã do carnaval por 14 vezes, a escola de Nilópolis trará o enredo "Empretecer o pensamento é ouvir a voz da Beija-Flor". No vídeo de divulgação da sinopse, aparecem diversas personalidades negras da agremiação, como Neguinho da Beija-Flor e Selminha Sorriso, comentando um pouco mais sobre o tema que será levado à Sapucaí por Alexandre Louzada. Neguinho comemorou a escolha do enredo em conversa com 'O Dia'.

"Vibrei muito com esse enredo, feliz demais com a escolha. É um tema super importante, que tem que ser bastante debatido. O samba veio do negro. O que aconteceu com George Floyd lá nos Estados Unidos chamou atenção para o que o preto sofre no mundo e despertou esse movimento de combate ao racismo. As escolas se ligaram e vão tratar sobre o assunto, e isso é maravilhoso. O desfile das escolas de samba hoje é assistido no mundo inteiro e é muito importante essa abordagem para a causa do negro", disse o intérprete.
Neguinho da Beija-Flor é uma das das principais vozes da história do Carnaval - Divulgação


Nove vezes no lugar mais alto do pódio, o Salgueiro é pioneiro na exaltação do negro no desfile das escolas de samba. Em 1960, a escola trouxe Zumbi dos Palmares como enredo. Em 63, Chica da Silva. E um ano depois, Chico Rei. Em 2021, o tema da vermelho e branco tijucana é "Resistência". Recém contratado pela Academia do Samba, o coreógrafo Patrick Carvalho relembrou e lamentou o ocorrido com George Floyd e João Pedro.

"A morte do George Flyod foi muito difícil de assistir. Uma pessoa no chão pedindo ajuda e outra com objetivo de eliminar, eliminar uma pele negra, um corpo negro. A gente vive isso todo dia. Eu nasci no alto do Cantagalo e o que o menino João Pedro viveu, eu vivi diversas vezes. Ficava em casa, na casa de amigos, familiares e ouvia diversos tiros. Pega daqui e dali. Só rezava e pedia para não acontecer nada. E isso não acontece de vez ou outra, é todo dia. Vidas pretas importam sim! Só a gente sabe o quanto nosso povo já sofreu e ainda sofre", comentou Patrick.

Em 2018, chamou atenção dos espectadores e da mídia a impactante comissão de frente do Paraíso do Tuiuti, no enredo "Meu Deus! Meu Deus! Está extinta a escravidão?". Na época, Patrick era o coreógrafo da escola de São Cristóvão e foi amplamente premiado pelo trabalho realizado, que ajudou a escola a chegar ao inédito vice-campeonato. Patrick relembrou o momento e comentou a relação do Salgueiro com a temática do preto.

"Quando eu idealizei a comissão do Tuiuti, eu estava no alto do morro, na minha laje. E ali eu entendi que estava dentro de uma senzala. Quando eles querem apagar a luz eles apagam, pra você descer tem que pedir permissão, para subir tem que ver se pode. Ali eu falei: 'Meu tripé é uma senzala'. Na verdade, o Rio é uma senzala, o Brasil é uma senzala. O primeiro personagem sou eu, sou escravo disso, meu pai, mãe, meus amigos. O segundo personagem é o capataz, que não sabemos o porquê batem tanto na gente, porque agridem o povo negro. O sangue pinga e ninguém é responsável por isso. O terceiro é o preto velho, que são nossos avós, que lutaram por isso", disse o coreógrafo, que completou:

"E quando eu subo no palco do Salgueiro para receber minhas premiações, eu sinto uma energia surreal daquela escola, que foi a primeira a levar o preto para a avenida. Salgueiro canta negritude, tem cara de negritude. Naquele momento eu sabia que um dia estaria pisando na Academia do Samba, falando disso pelo Salgueiro. Hoje eu sou um menino do alto do morro que vive e luta contra isso. Luto como minha escola, que vem falando sobre resistência. Estou estudando muito para levar para a avenida um grande trabalho para essa escola, que chora, se emociona e tem força para levar pra Sapucaí essa negritude linda", encerrou Patrick ao 'O Dia'.
Patrick Carvalho assinou com o Salgueiro para o Carnaval de 2021 - DIVULGAÇÃO