Evelyn Bastos - fotos Reprodução/Internet
Evelyn Bastosfotos Reprodução/Internet
Por Juliana Pimenta

Rio - Duas mulheres. Duas jornalistas. Duas repórteres de TV que se redescobriram cacheadas. Evelyn e Marcelly decidiram deixar de lado as pressões sociais e fazem parte da linha de frente do empoderamento feminino. Infelizmente, o começo da história de cada uma delas é bem parecido com o de todas as meninas crespas e cacheadas no Brasil.

Evelyn Bastos conta que a última vez que tinha usado o cabelo natural tinha sido aos 15 anos de idade. "Eu tinha um cabelão crespo enorme e superlindo, mas sempre ouvia que meu cabelo era ruim, duro, desajeitado e 'que dá trabalho'. Na escola, eu caí na armadilha de acreditar que precisava alisar pra ser melhor aceita e comecei a ter vergonha quando uma turminha passou a cantar 'nêga do cabelo duro, que não sabe se pentear' quando eu passava no corredor. Aos 15, eu já sabia que queria ser jornalista e ouvi muitas vezes que não chegaria longe com 'aquele cabelo'. Foi assim, imatura, que alisei pra me encaixar num padrão", confessa a apresentadora da Record TV em Nova York.

Já Marcelly Setúbal, da Band Rio, conta que quando criança também achava que os cabelos das amigas, que eram lisos naturais, eram mais bonitos. "Sempre achei meu cabelo feio, difícil de pentear, entre tantos outros pontos negativos que eu colocava nele. Passava guanidina e pranchava. Meu cabelo virou uma palha, como é normal acontecer com quem usa química e não hidrata".

Transição

O ponto de mudança para as duas só veio após os 20. Marcelly explica que só aconteceu por incentivo dos colegas de trabalho. "Um amigo me mandou um vídeo de uma blogueira de cabelo cacheado. Ali, eu comecei a pegar algumas dicas até que passei pela transição, e meu cabelo voltou a ficar enroladinho. Eu até fiquei muito surpresa com meu cabelo quando tirei todo o alisamento. Hoje, sou apaixonada por ele. Nunca me senti tão livre", declara.

Evelyn, por sua vez, acabou de passar pela transição. "Se passaram 18 anos e só agora tive coragem e maturidade pra soltar os cachos. A voz das mulheres nunca foi tão ouvida, nunca teve tanto impacto. Estamos reconquistando nosso espaço, ganhando força e entendimento dentro de muitas lutas, e uma delas é a de ser quem queremos ser, sem amarras ou padrões".

Repercussão

As duas afirmam que hoje só recebem elogios, mas que a pressão por cabelos alisados é real, ainda mais em um trabalho com tanta exposição. "Essa pressão pelo cabelo liso não é da TV, é da sociedade em que a gente vive. Desde os anos 1990, o mundo da moda impôs essa padronização de cabelo liso, e a televisão acompanhou esse processo", diz Evelyn. Já Marcelly acredita que essa cobrança é coisa do passado. "Isso está diminuindo, porque tem muita mulher colocando esse rótulo obsoleto abaixo".

Representatividade

Mesmo sem perceber, as duas viraram inspiração para muitas meninas. Inspiração que talvez elas mesmas não tiveram quando crianças. Tanto Evelyn quanto Marcelly dizem não ter memória de repórteres ou celebridades crespas ou cacheadas durante a infância. "Isso me marcou muito, porque fez falta ter essa representatividade enquanto eu crescia, para que eu entendesse que tava tudo certo, que o meu cabelo tinha lugar, que eu não precisava alisar pra me encaixar no mundo", relembra Evelyn.

Marcelly também conta que se emocionou ao saber que foi capaz de inspirar sonhos em outras meninas negras. "Uma vez, uma amiga da minha mãe disse que as sobrinhas dela viram uma repórter negra na TV e disseram que, se essa repórter podia estar lá, elas também poderiam. A repórter de quem elas falavam era eu".

Evelyn destaca que agora, do outro lado da televisão, ela sente como se estivesse preenchendo um espaço vazio na sua memória. "Assumir meus cachos na TV é mais do que uma liberdade pessoal, sabe? É gritar para o mundo que não existe um padrão, que nós, mulheres, somos lindas do jeito que somos e não precisamos procurar nos encaixar em algo. Representatividade é muito importante. Na TV, ainda temos poucas cacheadas, mas ser parte desse time que exibe com orgulho o cabelo está sendo demais. Quero sim, através desse espaço público que meu trabalho me proporciona, incentivar a beleza natural, a liberdade, a aceitação e o amor próprio", diz.

Dicas de beleza

As repórteres ainda aproveitam para dar dicas de como deixar os cachos bonitos como os delas. Evelyn defende um tipo de cuidado mais natural, sem agressões químicas. "São produtos livre de sulfato, silicones, parafina e qualquer derivado de petróleo. E, como sou vegana, só uso produtos que não têm ingredientes de origem animal e não são testados em animais", destaca.

Marcelly acha importante destacar o poder da hidratação. "Todo cabelo necessita de hidratação, de restauração, de umectação. A sacada do cabelo cacheado é que a estrutura do fio dificulta a chegada do óleo produzido no couro cabeludo nas pontas. E aí, temos que saber compensar isso. Procuro hidratar com receitinhas caseiras, mas não faço nada de muito inovador".

Para finalizar, Evelyn espera tranquilizar e inspirar as futuras cacheadas sobre o cuidado com os fios. "Para manter meu cabelo liso, eu perdia muito tempo do meu dia, fora o estresse de viver na paranoia de manter a raiz certinha nas 24 horas do dia. A mulher crespa que alisa o cabelo perde tempo, dinheiro, saúde mental, amor próprio e cabelo, porque a química detona os fios. Hoje, eu arrumo meu cabelo no tempo do banho e vivo livre o resto do dia, sem 'noia', sem medo, sem ficar me olhando no espelho o tempo todo pra ver se está 'tudo certo'", diz.

 

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