Daniela Mercury lança hoje o álbum Perfume - Celia Santos/Reprodução
Daniela Mercury lança hoje o álbum PerfumeCelia Santos/Reprodução
Por RICARDO SCHOTT

Rio - Pode acreditar: tinha muita gente que achava que Daniela Mercury não iria fazer sucesso. Lançando o vigésimo disco, 'Perfume', e comemorando 35 anos da invasão do axé (nome genérico da música baiana moderna) às paradas de sucesso, ela ri quando lembra do assunto.

"Muita gente de gravadora, quando ouviu 'Suingue da Cor', disse que não ia tocar no rádio, porque tinha muita percussão", conta a cantora, que em 1992, ainda lançando os primeiros hits, engarrafou a Avenida Paulista ao promover um show para mais de 20 mil pessoas no Museu de Arte de São Paulo. Na época em que gravou 'O Canto da Cidade', o promissor segundo disco (1992, pela Sony) recorda de ter encontrado narizes torcidos na gravadora.

"Eles não queriam que eu gravasse sambas afro, queriam que eu gravasse música cigana! Não ficaram muito satisfeitos com o disco e não achavam que fosse vingar. Continuei insistindo, e foi aquela explosão", recorda.

Em outros setores, a coisa demorou para ser assimilada também. "Muita gente falava que eu fazia coisas que não estavam na moda, porque as pessoas tinham muitas novidades na época. Diziam: 'A lambada tá fazendo sucesso e você tá aí fazendo samba-reggae!' E eu gravei mais de 60 sambas afro e sambas-reggae no meu trabalho", conta a cantora, que até o momento de subir no palco do Masp, achava que o público seria apenas de trabalhadores da área.

"Fazer sucesso no Rio e em São Paulo parecia algo inatingível, que estava muito distante de nós. Me sinto muito orgulhosa, como cantora e como mulher, com o sucesso do axé, com o fato de ele estar completando 35 anos. Foi um fenômeno que aconteceu ao vivo e que depois foi para as rádios", conta Daniela.

Além do próprio sucesso e do entorno (com o estouro de nomes baianos no pop brasileiro dos anos 1990), pequenos detalhes também foram chamando a atenção da atenta Daniela para o reinado do axé na época.

"Tive certeza que o axé passou a existir como gênero musical quando você ia nas lojas e via que tinham começado a vender fitas K7 virgem com aqueles adesivos escrito 'axé', pra você colocar na fita, como já tinha de 'rock', 'MPB'", brinca. "Vi que o axé tinha se estabelecido como gênero".

Sucesso

Corta para o começo de 2020, época em que a agenda de Daniela Mercury não para. A cantora está lançando o vigésimo disco, 'Perfume', e paralela à agenda de divulgação, tem várias datas no Carnaval. Em fevereiro, leva o bloco Pipoca da Rainha nos dias 21 e 25 para Salvador, e no dia 1º de março para São Paulo. Também se apresenta com o bloco Crocodilo nos dias 23 e 24 de feveiro, também em Salvador. O Carnaval em São Paulo é uma data importante para ela, que se apresenta na capital paulistana há cinco anos.

"Quando vejo o Carnaval de lá florescer, isso é amor por nós (a turma do axé)", conta. "O Carnaval de Salvador é um grande festival de música pop na rua, o Rio tem isso também e em São Paulo já está acontecendo. Isso vai gerar novos artistas de música dançante. Não dá para levar a multidão para seguir o trio elétrico cantando balada", brinca Dani, uma das responsáveis por estabelecer o conceito de espetáculo musical com dançarinos no palco. E que era bailarina antes de ser cantora.

"Eu sempre falo que canto para dançar. Queria rodar o mundo dançando, mas acabei virando cantora, produtora, compositora. Se eu não tivesse autonomia e construído minha arte... Fui investindo na minha carreira", conta. "As pessoas diziam muitas vezes que minha música não era boa, mas porque eu estava sempre fazendo alguma coisa que não estava sendo feita. Hoje o ritmo do galope (estilo musical) é natural, mas o primeiro galope que foi para as rádios brasileiras foi 'Rapunzel', em 1998 (é a do refrão "o amor de Julieta e Romeu/igualzinho o meu e seu"). As pessoas estranhavam porque era muito rápido. Me lembro do Herbert Vianna me perguntando: 'Que ritmo é esse?'".



Bacurau

Em 'Rainha da Balbúrdia', música que abre o disco novo, Daniela faz referência ao filme 'Bacurau', de Kleber Mendonça Filho. Adorou o filme, por sinal. "Achei a história e os atores fantásticos. É uma história que a princípio não estaria relacionada à realidade do Brasil, mas que fala de exclusão, de preconceito, xenofobia, racismo. E fala da resistência daquelas pessoas", conta. "A letra da música é uma colagem de palavras para me referir a esse momento, e uma das palavras mais importantes é 'resistência'. Temos que resistir a tudo que não é positivo, a esses momentos de risco à democracia, de cerceamento à liberdade de expressão".

Saúde

A dedicação à dança, por sinal, deu muito condicionamento físico para Daniela. Ainda assim, aos 54 anos, ela não se descuida. "Eu já danço muito no meu show, mas faço pilates e uma hora e meia de bike por dia. Minha treinadora já disse até que tá leve", brinca. "Eu tenho um condicionamento muito bom. Mantive minha saúde corporal porque cuido muito bem do meu corpo. Tomo cuidado com alimentação mas não sou exageradamente ligada em vaidade, ou em rituais de beleza. Eu sou ligada mais às coisas da mente do que do corpo. Passo um bom tempo construindo as coreografias do show, por exemplo".

Felicidade em casa

Casadas há quatro anos, Daniela Mercury e Malu Verçosa têm juntas três filhas adotadas: Márcia, de 21 anos, Alice, de 18, e Ana Isabel, de dez. A mais velha já faz faculdade de Direito. Os filhos mais velhos de Daniela, o compositor e produtor Gabriel Póvoas, 34, e a professora Giovanna, 32 (que tem uma escola de musicais em Curitiba, Projeto Broadway) já deram netas a ela: Clarice, de dez anos, e Mel, de dois, respectivamente.

"A Clarice canta lindamente. Você não ouviu ainda porque ela está guardada na caixa de música. E a Mel não canta, mas encanta", brinca ela, que recentemente se casou pela terceira vez com Malu em Portugal, país onde tem muitos fãs. "Eu já tinha cidadania portuguesa, aproveitamos que estávamos lá e oficializamos novamente a união". No disco novo, a relação virou música: 'Duas Leoas', composta por Marcelo Quintanilha, que já virou clipe.

É a união de duas mulheres com temperamento forte e muita personalidade - e que dá certo. "Somos duas mulheres livres e autônomas, somos ciumentíssimas, nos casamos já adultas, e temos muita conexão. Adoro viver casada, sempre gostei de me casar e adoro viver com ela", relata. "O dia a dia constrói a relação, o ter alguém para o dia a dia, para os momentos bons e ruins. Fiz muitas músicas para ela e virão muitas mais. Ela está sempre aprendendo coisas novas, é inquieta e isso me encanta. Muita gente acha difícil viver junto. Eu acho difícil viajar sozinha", graceja.

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