Priscila Silvestre e o filho  - Arquivo pessoal
Priscila Silvestre e o filho Arquivo pessoal
Por O Dia
Rio - Toda a sociedade tem aprendido uma nova forma de viver e conviver com quem faz parte de sua rede de contatos, sejam familiares, amigos, colegas de trabalho ou até mesmo aqueles conhecidos com quem pouco encontram. Abraços e beijos, que sempre fizeram parte do dia a dia dos brasileiros, são trocados por acenos de longe ou apertos de mão seguidos de álcool em gel. Mas ao contrário desta nova forma de se relacionar com distanciamento social, algumas relações acabaram ficando mais estreitas, em especial, entre pais e filhos.

Na contramão da rotina corrida de antes, com adultos e crianças com agendas repletas de compromissos e tarefas, em que as famílias estavam, ainda que sem perceber, mais afastadas, com o isolamento, esses laços se estreitaram, possibilitando aos pais conhecerem melhor a rotina dos próprios filhos. “Está sendo uma época de se aproximar mais, de criar mais intimidade, de dar mais atenção”, comenta Grace Falcão, psicóloga com formação em psicopedagogia, neuropsicologia e parentalidade.

Especializada em neurociência, a também psicóloga Anaclaudia Zani Ramos diz, ainda, que as crianças que hoje estão usufruindo dessa convivência diária e integral com seus pais, precisarão, no futuro, passar por um processo de readequação da habituação para não sofrerem com a volta a rotina. Afinal, se o isolamento for um período traumático para os pais, ele será absorvido pela criança de alguma forma e ela poderá entender esta fase como um momento ruim.
“As crianças se espelham em seus pais em tudo, especialmente as menores. Portanto, é fundamental que este seja um tempo vivido com qualidade. É claro que muitos estão, às vezes, com menos paciência, pois estão juntando o papel de pais, profissionais em home office e cuidando da casa. Algumas mães solo, inclusive, sem a ajuda de ninguém. Mas não é preciso se culpar por não estar 100% satisfeito. Não estudamos para passar por tudo isso. Portanto, essa crítica que muitos responsáveis têm feito sobre si mesmos deve ser repensada. É preciso entender que todos estão se esforçando dentro do possível, diante dessa nova realidade que está sendo apresentada”, comenta Anaclaudia.

Rosana Cibok, psicóloga que trabalha com a abordagem cognitivo-comportamental, explica que, com a pandemia e o isolamento social, pais e filhos estão se conhecendo novamente, redescobrindo suas relações e até passando a entender alguns comportamentos uns dos outros. “Tenho relatos em consultório de pais que não percebiam que seus filhos estavam passando por processos psicossociais que traziam sofrimento e que, agora, estando mais próximos, conseguem conversar e entender estes comportamentos e quais os motivos”, avalia. Ela acredita que essa proximidade do momento poderá trazer muitos benefícios no futuro, pois o espírito colaborativo está sendo trabalhado, uma vez que as tarefas de casa e as responsabilidades são divididas. “Na maioria das famílias, os laços se fortificarão. E mesmo que neste momento algumas decisões e atitudes pareçam desafiadoras, o senso de cooperação familiar é desenvolvido”, diz.

Um ponto que tem sido muito questionado entre os pais é sobre até que ponto é preciso explicar para as crianças o que está acontecendo, o que é a covid-19 e porque estão todos em casa, quando, ao olharem ao seu redor, tudo está ‘em seu lugar’. Para Daniela, não existe uma idade certa. “Os diálogos podem ser construídos baseados na curiosidade da criança. As perguntas podem ser respondidas diretamente, endereçando à pergunta feita”, diz.
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Grace comenta, ainda, que os pais podem conversar com os filhos sobre a pandemia desde sempre, usando uma linguagem acessível à criança. “Existem vários vídeos que circulam pela internet, como se fossem histórias em quadrinhos, explicando o que é coronavírus e como as pessoas podem se cuidar. Há também outro vídeo ensinando como as crianças devem manter a higiene com as mãos para afastar o vírus. Os responsáveis podem conversar de uma maneira bem lúdica com os pequenos, inclusive por meio de desenhos”, completa.
Uma dica importante é pensar que a criança normalmente replica o que os pais fazem. Ou seja, se os adultos estão passando por isso com tranquilidade, os filhos também vão passar. “Tudo é o espelhamento. Se os pais souberem conter as próprias emoções, os filhos também vão se autorregular”, complementa.
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Outro detalhe fundamental é os adultos se colocarem no lugar dos menores, especialmente nesse momento. “As crianças têm sentimentos tanto quanto os mais velhos, mas muitas famílias acabam esquecendo isso pelo fato delas serem pequenas, de acharem que ainda não sabem da vida etc. É claro que os pais precisam exercer uma autoridade, mas isso não quer dizer que eles precisem ser autoritários. O respeito mútuo é fundamental na relação pais e filhos", conclui.
 
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O que será o futuro
A seguir, algumas mães contam como tem sido o dia a dia com os filhos e como esperam que seja o futuro.

“Eu acho que essa pandemia trouxe a ressignificação de muita coisa na minha relação com meu filho, principalmente em valorizar cada momento com ele, seja assistindo a um desenho, filme, colorindo alguma coisa, parando para ler um livro de historinhas, chamando pra fazer um bolo comigo ou até mesmo quando eu e ele fazemos cabaninhas no quarto e acamparmos. Com a Covid-19, essas atividades que eu sempre deixava pra depois por estar trabalhando, se tornaram minha prioridade. Muitas vezes me peguei pensando: “E se amanhã eu for contaminada pela Covid-19 e precisar ficar longe dele por tanto tempo, como vai ser?”. As memórias também ficarão muito marcadas em algo que eu tive na minha infância com os meus pais, mas que a tecnologia tirou das crianças atualmente: as aulas e as tarefas que estão todas sendo feitas em casa. Muitos pais acham as aulas remotas um absurdo, entretanto, por mais que eu trabalhe home office e meu filho não aceite que a professora e os coleguinhas estarem no computador seja efetivamente uma aula, eu procuro dar um jeito de ele acompanhar a grade curricular ao vivo ou gravada diariamente. Nós também estamos nos divertindo muito construindo casinhas e robôs de papelão, formando duplas para fazermos os desenhos, as colagens das lições, além de eu mostrar pra ele que eu sei de diversos assuntos de Inglês, Português, Matemática e ele ficar encantado com isso. Tenho certeza de que esses momentos ficarão marcados na memória dele e, com certeza, já estão na minha”, Priscilla Silvestre, mãe do Rafael, de 4 anos.

“Nessa pandemia, consegui acompanhar mais o desenvolvimento da fala e linguagem da Mariah e fazer as atividades com calma e sem acelerar. Parece que antes, fazíamos tudo correndo e com hora marcada. A nossa família está mais unida e carinhosa e a presença do pai o dia todo agregou mais ainda nas brincadeiras diárias e na divisão da rotina. Nós tivemos a chance de ficar um período no sítio da família, e percebi ainda mais a importância da criança crescer em contato com a natureza, pé no chão e roupas simples. Isso não tem preço! Dessa pandemia, estamos levando a importância da convivência e cada vez mais participar das atividades com Mariah e introduzir ela na nossa rotina também”, Nathalia Soares, mãe da Mariah, de 1 ano e 10 meses.

“Esse período de isolamento tem sido uma experiência fantástica pelo fato de poder estar mais perto dos meus filhos, por mais cansativo e desafiador que seja. Estamos descobrindo, aprendendo mil coisas e vencendo as dificuldades juntos. Aprendendo, na prática, por exemplo, que não se faz nada sozinho, que temos que estar juntos.. Se um cai, o outro ajuda a dar a mão para levantar. Tudo que antes eu falava no discurso, estamos tendo a chance de aplicar na prática. Não tento ser perfeita, deixo eles verem minhas imperfeições, e isso me torna mais humana e me deixa mais próxima deles. Os estresses rolam. Afinal, somos cinco pessoas trancadas há 100 dias em casa. Mas o que ganhamos de conhecimento um do outro não tem preço. O home schooling é um capítulo a parte. E se no início foi bastante difícil, hoje é uma maneira de eu saber quais são as dificuldades deles, me envolver mais e evoluir junto. Não enlouqueci, só enriqueci com o contato 24h com meus três filhos. E como diz minha filha mais velha: "tudo bem não estar tudo bem. Estamos juntos e é isso que importa”. E é realmente isso", Camila Leite é mãe dos gêmeos Alice e Victor, de 8 anos, e de Carolina, de 14.

“Ao contrário de muitos que sofreram com o confinamento nessa quarentena, eu agradeci. Tive muita sorte de ter um refúgio fora da minha cidade e dentre as milhões de vantagens que isso me proporcionou, a mais preciosa de todas foi de viver inteiramente e intensamente ao lado da minha família. A pandemia e todas as suas consequências foram e serão muito tristes e marcantes, mas foi um período muito positivo para o meu núcleo familiar, com muitos aprendizados e muito crescimento pessoal. Viver intensamente toda essa situação me fez, acima de tudo, enxergar as coisas mais simples como as mais grandiosas e especiais. Quanto a isso, só posso ter a certeza de que este período terá um grande impacto positivo em nossas vidas. O fruto do que estamos vivendo hoje será um grande aprendizado que colheremos lá na frente ao longo da vida. Dentre os muitos aprendizados, ter calma e paciência, ser resiliente e saber como se reinventar. E para os meus filhos, espero, principalmente, que eles tenham uma mente livre para criar, recriar e ser feliz depois de passarem por esse momento da nossa História”, Paula Zukerman, mãe de Ricardo, de 3 anos, e Manuela, de 1.

“A relação com minhas filhas já era intensa antes da pandemia. Parei de trabalhar há 3 anos pois nos mudamos e me tornei mãe em tempo integral. Como me preocupo muito com o bem-estar físico e emocional das meninas, além do desenvolvimento pedagógico delas, estou me vendo equilibrando vários pratos ao longo do dia: mãe, educadora, recreadora, nutricionista etc. Confesso que me cobro mais do que curto, apesar de ser maravilhoso estar com elas. Mas é preciso não romantizar a situação e dizer que está sendo, sim, muito cansativo e desgastante esse cuidado com filhos, casa e estudos. Mas com o tempo, estou aprendendo a delegar e dividir as tarefas, e isso está sendo uma grande mudança na família. Quando ao futuro, acredito que essa época será lembrada por elas de forma positiva, que terão memórias afetivas valiosas, como os dias em que criamos e cozinhamos todos juntos; as brincadeiras que resgatamos, como cabaninha, pique e pintura; além do fato de estarmos todos juntos 24 horas por dia. Quanto a nós como família, como pais e filhos, acredito que fiquemos ainda mais unidos”, Thais Erthal, mãe de Sofia, de 4 anos, e de Alice, de 3.

“Nós já éramos unidos, até por eu ser divorciada desde quando ele era bebê. Mas depois da nossa reclusão necessária, principalmente no início da pandemia, quando ele ficou de ‘férias’ do colégio por alguns dias e sem o compromisso de acordar cedo, percebi que esse elo e cumplicidade aumentaram. Mesmo trabalhando em home office, consegui dar atenção a ele, para que não sentisse tanto o fato de não ter contato com outras pessoas que faziam parte da sua rotina. Na verdade, nós dois fizemos isso, com um recarregando a ‘bateria’ do outro o tempo todo para não deixar a bola cair. Todos os dias assistimos filmes juntos, falamos sobre a vida, maratonamos séries, jogamos baralho, desenhamos... Tenho certeza que essas emoções afetivas serão levadas para sempre por ele e que ouvir e dizer “eu te amo” será ainda mais frequente. Partilhar esses momentos juntos tem nos tornado mais fortes para seguir em frente”, Loida Manzo, mãe de Enrico, de 11 anos.

“Vivemos hoje em uma sociedade que desaprendeu o convívio. Nossas vidas nos proporcionam várias possibilidades de fuga deste exercício, com trabalho, escola, atividades diversas, TV, telefones etc. A pandemia nos tirou essas fugas e nos pôs a novamente aprendermos o que é vivermos de verdade juntos. Voltamos a dividir o espaço e os momentos, a conversar, a interagir. Este momento em que agora estamos todos os dias, o dia todo com nosso filho, nos trouxe a possibilidade de conhecer mais sua personalidade. Observarmos mais como ele reage às situações e suas variações emocionais para, assim, auxilia-lo a lidar com elas quando preciso. Por meio das diversões diárias, dos desenhos, do fazer bolo, entre outras brincadeiras, conseguimos entrar mais no seu mundo e apresenta-lo ao nosso, criando um universo novo que não é de um ou de outro, mas da família”, Gabriella Zubelli, mãe de Lorenzo, de 3 anos.

“Com certeza a quarentena mudou o relacionamento entre pais e filhos em diversos sentidos. Eu sinto que criei uma conexão mais forte com os meus filhos, pois além deles me inspirarem no ramo profissional - uma vez que, junto ao meu time, tenho que produzir conteúdo para falar diretamente com as crianças no TotoyKids -, enfrentamos diversos desafios juntos. Com essa experiência procurei colocar elementos que ajudassem os pais com os filhos em casa nos últimos lançamentos do canal, como o vídeo da imaginação em que coisas simples, como um banquinho e uma tampa de panela, se transformam em um ônibus por meio da criatividade. Conviver 24 horas por dia com outras pessoas, sejam elas quem forem, não é uma tarefa fácil, pois cada um tem suas particularidades. Resiliência, criatividade e aprendizado são as palavras chave dessa quarentena. Isso porque unindo todos esses elementos, criamos momentos e atividade simples, mas que ficarão eternizados não só na minha memória, como na dos meninos também. Entendo que para eles é mais complicado entender tudo que está acontecendo devido a pouca idade e discernimento, mas ao mesmo tempo percebi uma força e adaptabilidade muito grande nos dois. Para o futuro, como psicóloga, tento me colocar no lugar das crianças e penso em como eu gostaria que meus pais lidassem comigo frente a este novo mundo que nos aguarda. A adaptação não está sendo um processo fácil para ninguém, mas esta é a chance de fazermos a diferença na vida daqueles que mais amamos. As atuais circunstâncias são passageiras, mas nossas atitudes frente a esses obstáculos se refletem no psicológico de nossos pequenos durante suas vidas. E isso, com certeza, faz parte de nossa realização como mães”, Isa Vaal, mãe de Enzo, de 4 anos, e Rafael, de 2.

“Antes do isolamento, não tínhamos tempo para nada, imersos em uma rotina lotada de tarefas. Tivemos que aprender a fazer tudo ao mesmo tempo: trabalhar, cuidar da casa e dar atenção aos filhos. No caso de uma criança de 3 anos de idade, a demanda pela atenção dos responsáveis é permanente. É necessário estarmos atentos ao comportamento da criança. Em alguns aspectos, o meu filho regrediu, voltou um passo atrás no processo do desfralde, por exemplo. Em outras circunstâncias, a evolução está sendo incrível, ele aprendeu a reconhecer todos os números até mil. Estamos conseguindo fazer muito mais do que antes, ou seja, acredito que nosso tempo era mal administrado. Em relação aos amigos e parentes distantes, aprendemos a lidar com a saudade e a dar valor pela existência. Aprendemos a abrir mão da nossa vontade em respeito ao próximo, em respeito à vida. No futuro, quando tudo isso passar, espero que tenhamos disposição para manter essa intensidade, para passarmos mais tempo ao lado das pessoas que amamos”, Juliana de Oliveira Ayres, mãe de Raissa, de 24 anos, Chiara, de 16, e Théo, de 3.