Mas como será que a sociedade reagiu em momentos semelhantes como este? O professor de História Orlando Stiebler, responsável pelo canal CINEstoria, no Youtube, explica que após grandes tragédias mundiais, é comum passar por mudanças momentâneas, como aconteceu no fim da Gripe Espanhola, quando as pessoas foram tomadas por um otimismo e felicidade desenfreados. Porém, pensando pelo ponto de vista da História, esse olhar mais aguçado em relação às necessidades do outro que tem sido percebido agora não tem ligação direta com pandemias, guerras ou qualquer outro evento marcante. “O ser humano esquece a tragédia e não aprende com o erro. Não é à toa que a Segunda Guerra Mundial aconteceu pouco depois da Primeira e que ainda vemos pessoas enaltecendo a ditadura e o nazismo ou negando a existência do racismo. Portanto, a empatia e a solidariedade tem mais a ver com uma evolução comportamental natural e com o avanço tecnológico do que propriamente com uma mudança de pensamento provocado pela pandemia. Provavelmente, quem está ajudando agora, já fazia isso antes, em menor ou maior grau, mas já fazia. Enquanto quem tinha pensamentos egoístas em relação ao outro, continua tendo e assim será no futuro. Na maioria das vezes, ser solidário e empático é pessoal e não consequência do que a pessoa viveu”, pontua.
Se o perfil permanece semelhante ao que era antes, como será que ficam as lições passadas de pais para filhos nesse momento? O sociólogo Rodrigo Braune, que atualmente vive em Portugal entende que a criação dos filhos é cultural e tradicional, que está mais relacionada às questões geracionais, religiosas e estruturais de cada família. "Isso quer dizer que pais que sempre participaram de ações solidárias, como alimentar as pessoas nas ruas, ajudar familias que estao sem renda, resgatar animais abandonados etc, provavelmente passarão esse ‘legado’ para os filhos, independentemente da pandemia. É importante dizer também que esses movimentos generosos que percebemos hoje não começaram agora. Eles sempre foram realizados por algumas pessoas, mas como estamos em um momento delicado para o mundo inteiro, a tendência é que se fortaleçam e apareçam mais, porque muitos estão percebendo que o bem coletivo é também seu bem pessoal”, explica.
Com a mesma linha de pensamento, o Professor do curso de Ciências Sociais da PUC-PR, Cezar Bueno de Lima, ressalta que a covid-19 provoca destruição e mudanças sociais drásticas em curto período de tempo, mas a mesma velocidade não ocorre em relação à forma de os pais mudarem o modelo de educação e vida dos filhos. "Mudanças de hábito e de cultura são mais demoradas". Ele pondera ainda que momentos como esse representam um duplo desafio: isolar-se do mundo e aproximar-se da família, algo que parecia perdido. "Viver e se aproximar da família pode ser, ao mesmo tempo, a oportunidade de se aproximar dos vizinhos e da comunidade", conclui.
Já Tayane Torres, mãe de Heitor, de quase 3 anos, que já resgatava animais antes mesmo de fazer veterinária, tenta mostrar para o menino, mesmo ainda bem pequeno, como os animais merecem ser acolhidos e cuidados. “Minha mãe me passou desde muito cedo esse senso de responsabilidade com os animais e tento fazer o mesmo com o meu filho. Com a pandemia, os casos de abandono aumentaram, principalmente abandonos de pessoas vitimadas pela Covid-19 e suas famílias. E como tenho resgatado mais, Heitor percebeu e faz mil perguntas sobre cada bichinho que chega em casa. Ele recebe os animais com alegria, olha, cuida, diz que estão dodóis. Eu tento explicar que nossa ajuda é pontual e temporária, que quando estiverem saudáveis seguirão suas vidas com novas famílias depois da adoção, e ele entende. Eu poderia fingir que é uma diversão e deixar para explicar o meu trabalho solidário apenas quando ele fosse maior. Mas acho que encaixá-lo no dia a dia dos resgates, sem jamais expor a qualquer risco, ajudará a moldar esse lado solidário nele”, diz.
Que as crianças podem aprender novos comportamentos e assimilar o senso de solidariedade a partir de ensinamentos que recebem, não há a menor dúvida. Porém, é importante lembrar que não basta ensinar pontualmente ou ter boas ações apenas em momentos de crise É preciso continuidade, que os filhos percebam que esse padrão não é algo momentâneo. “Isto significa que tudo o que aprendem, ouvem ou recebem como verdade, é absorvido sem contestação. É essencial que neste momento de preocupação, os pais espelhem bons exemplos aos seus filhos de forma genuína, com ações solidárias, gestos de amor, afeto, carinho e solidariedade. Isto será assimilado por suas consciências naturalmente e os fortalecerá como seres humanos e adultos mais conscientes, nos anos seguintes, quando modelarem suas próprias vidas”, explica a psicoterapeuta Elainne Ourives.
Juliana Hampshire, psicóloga e consultora pedagógica do Laboratório Inteligência de Vida – LIV, concorda que o exemplo é, realmente, a melhor forma de educar e que as crianças aprendem observando, espelhando comportamentos. Mas, faz um alerta importante: é preciso explicar o porquê dessas ações, pois, desta forma, essa aprendizagem torna-se muito mais sólida. “Assim, olhar para o outro com interesse genuíno, enxergando o que podemos fazer com nossos privilégios, é fundamental. Separar roupas para doar e incentivar que nossos filhos façam o mesmo, apoiar empreendimentos locais e construir narrativas juntos podem ser excelentes estratégias. Levante questões que façam a criança desenvolver o senso crítico. O que deve estar acontecendo com o pipoqueiro que ficava na porta da escola, do cinema ou da praça? E quem não pode sair para fazer compras simples, por fazer parte do grupo de risco? Como podemos ensinar juntos a importância do uso de máscara e das medidas de isolamento social? Esses gestos que fazemos podem ser narrados e compartilhados com nossos filhos e, assim, mostramos a importância de olharmos para além da nossa realidade e construindo noções de diversidade, de olhar, respeito e cuidado”, esclarece. “As pessoas não nascem solidárias ou egoístas. Elas aprendem no convívio com o outro. Portanto, são os primeiros cuidadores da criança que vão inserir pensamentos solidários ou não. Entendo que devemos fazer isso desde que são muito pequenos, pois, assim, no brincar, no faz de conta, elas poderão naturalizar os valores que nos são tão caros. Quem nunca se surpreendeu ao observar a brincadeira das crianças, se reconheceu numa fala ou num gesto? Assim, no fazer junto vamos transmitindo respeito, solidariedade, empatia, cuidado”, conclui.