Crianças cultivam horta: nova prática durante isolamento social - Divulgação
Crianças cultivam horta: nova prática durante isolamento socialDivulgação
Por O Dia
Nos últimos meses, muitas famílias passaram a adquirir novos hábitos em casa, devido ao isolamento. Além da rotina de estudos e trabalho em home office, os pais tiveram que se reinventar e, junto com as crianças, definiram novas atividades, entre brincadeiras, tarefas domésticas e alguns ensinamentos que certamente levarão para o resto da vida, como o de mexer com a terra – e, consequentemente, plantar os próprios alimentos.
Hortinhas e lições sobre jardinagem não são exatamente práticas novas para os pequenos de uma forma geral. Mas, atualmente, o contato com a terra tem chamado a atenção da garotada para além de um passatempo: eles estão entendendo a importância desse hábito para a qualidade de vida e como ele pode impactar no futuro do planeta.
Para a paisagista Marisa Cantù, o contato das crianças com o mundo verde é extremamente benéfico, ainda que seja com tarefas simples, como regar uma planta, mexer com a terra, acompanhando o crescimento ou até, em algumas vezes, vendo a planta morrer. “Essas ações, que parecem singelas, ajudam os pequenos a entender uma série de sentimentos como responsabilidade, alegria, curiosidade, segurança, autonomia e tristeza, emoções, estas, que fazem parte do crescimento da criança e que são pura vivência”, diz. “E nesse período de confinamento, em que as pessoas precisam parar, respirar e refletir diante do caos, o contato com a natureza ajuda a nos confortar. Algumas pessoas estão experimentando esse contato com o verde pela primeira vez, mas acredito que essa experiência, ou a retomada desse contato, continuará no pós-pandemia”, completa.
Laís Fleury, coordenadora do programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, e cofundadora da Associação Vaga Lume, explica que os filhos têm naturalmente esta necessidade biofílica de estar em contato com a natureza. E nesta época de isolamento social, em que as crianças têm sentido muita falta deste contato, um bom jeito de oferecer interação é cultivando plantas em casa. "O contato com a natureza traz benefícios diretos à saúde da criança e contribui para o seu desenvolvimento intelectual, social, emocional, espiritual e físico. A criança está em uma fase de desenvolvimento muito aberta aos estímulos sensoriais. E o contato com a terra se revela como um fluxo contínuo de criação. É possível modelar, sentir cheiro, experienciar diferentes texturas", esclarece.
Na casa de Tatiana Sondahl, mãe de Arthur e Luana, de 9 e 11 anos, o hábito de literalmente mexer com a terra já acontece há muito e começou bem antes da pandemia. Porém, com o isolamento, as crianças ficaram ainda mais dedicadas. “Como estamos o tempo todo em casa, eles têm ajudado mais, pois distribuímos as atividades entre a família toda. Arthur passou a ser responsável pela piscina e a Luana pelo jardim de uma forma geral. Mas na hora de cuidar das árvores frutíferas e da horta com temperos, os dois fazem questão de participar”, conta. E não é de se estranhar mesmo, já que o quintal tem pés de acerola, jabuticaba, laranja, uva, amora, pitanga e romã, e uma horta com vários temperos. “Além desse contato com a natureza, que os faz entenderem a importância de cuidarmos das plantas etc, eu ainda converso sobre o privilégio que temos em poder colher a fruta no pé, comer alimentos livres de agrotóxicos etc. Inclusive, na última semana foi uma festa quando colheram as laranjas”.
Já Gabriela Cantú, sobrinha de Marisa e mãe de Arthur e Bento, de 6 e 3 anos, conta que já havia tentado algumas vezes fazer uma hortinha em casa, mas nunca havia dado muito certo, especialmente quando se tratava de plantas que precisavam de uma rotina diária de cuidados. Porém, com a pandemia e o tempo em casa, a mãe resolveu tentar mais uma vez. “No começo, eu mexia nas plantas sozinha, mas meus filhos começaram a se interessar. Eles adoram brincar com a terra, ficam radiantes quando acham uma minhoca no meio”, comenta. Além da diversão em si, a nova tentativa também tem a ver com a forma que as crianças se alimentam em casa e na escola. “Sempre comemos de maneira balanceada e a creche deles também é toda voltada para esse tipo de alimentação saudável e natural, inclusive com uma horta no local. Costumo reforçar sempre a importância de ingerirem uma comida fresca e sem venenos. É uma delícia poder temperar uma comida ou comer algo que temos dentro de casa. E ainda tem o fato das crianças ficarem mais empolgadas e incentivadas a consumir algo que elas ajudaram a cuidar”, conclui.
Hoje, a família tem em casa, além do boldo chileno, hortelã pimenta, hortelã comum (que, inclusive, os meninos pegam folhinhas para colocar na água deles), uma jabuticabeira e um limoeiro. As próximas tentativas serão com alho, batata doce, beterraba e cenoura.
Vale lembrar, ainda, que para a criança associar essas hortas a hábitos mais saudáveis em relação à alimentação e ao meio ambiente, é importante que os pais deixem a criança plantar e acompanhar a evolução de um alimento para depois comê-lo. "A criança se orgulha em experimentar um alimento que ela mesma plantou, que é rico em textura, cheiros e forma. E para tudo isso ser um processo prazeroso e lúdico, é essencial garantir tempo e autonomia para que brinquem com a terra e as plantas, deixando a curiosidade e a imaginação se manifestarem e dando permissão para que possam se sujar", complementa Laís.
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Aprendendo nos detalhes
Antes de pensar nas alegrias de mexer com a terra, é preciso definir o tipo de planta que deseja ter em casa, quais as suas necessidades e se há espaço para o que deseja. Afinal, nem todas as plantas são iguais - algumas gostam de sol e outras de sombra; algumas de muita e outras de pouca água etc. As necessidades variam de espécie para espécie. “O ideal é se informar sobre a planta que quer para ter certeza que haverá um cantinho ideal na casa para ela. Para os iniciantes, sugiro uma suculenta ou cacto (de preferência sem espinhos). Escolha um vaso ou cachepot bem lúdico e leve o novo morador para um local bem iluminado da residência, de preferência bem próximo a uma janela, onde receba algumas horinhas de sol. A rega desse tipo de planta é feita somente a cada 10 ou 15 dias e, para começar, talvez seja a melhor escolha até todos se adaptarem à rotina de cuidados. Já se a preferencia for cultivar ervas e temperos, a primeira melhor opção é o hortelã, que tem cheiro e sabor que as crianças vão se identificar. Inclusive, os pais podem interagir com os filhos de forma bastante lúdica, como pegando uma folhinha de hortelã para passar no dente, fingindo que é pasta de dente, e depois falar para a criança fazer igual. Ela vai sentir o gostinho de ‘pasta de dente’ na boca e vai adorar. Essa pratica é boa, também, para inserir novos paladares à vida dos pequenos. Pode começar com hortelã, que terá um sabor familiar, e depois introduzindo outros temperos que eles possam ingerir”, explica Marisa.
Diego Diel, engenheiro ambiental e coordenador de mercado da Isla Sementes, levanta também uma questão importante quando o objetivo é incluir as crianças no processo. “É aconselhável optar por hortaliças de ciclo curto, que elas possam olhar o resultado mais rapidamente. O tomate, por exemplo, para ter os primeiros frutos, demora 100 dias. E com esse tempo todo, a criança pode ficar entediada e perder o interesse e o foco no assunto. Já o rabanete demora 30 dias, a alface entre 30 e 50 e os temperos menos ainda. Assim, os pequenos podem acompanhar desde o plantio até a colheita, curtindo cada etapa e se identificando como parte do processo. Folhosas e temperos são indicados para crianças por terem um ciclo mais rápido e por estarem sempre à mão para cozinhar. Em relação ao plantio, é fundamental envolver a criança no processo para que ela se sinta parte da construção da horta e tenha a responsabilidade sobre os cuidados das hortaliças”, diz.
Para quem acaba desistindo da ideia de cultivar por causa do espaço, uma alternativa bastante viável são as chamadas hortas verticais. Amanda Inoue, engenheira agrônoma e coordenadora de pesquisa da mesma empresa que Diego, conta que, em primeiro lugar, é preciso observar se há no local escolhido incidência de luz solar por pelo menos quatro horas por dia, já que o sol é fundamental para as plantas. “A diferença de uma horta comum para a vertical é, principalmente, a disponibilidade de espaço. Pelo fato dos vasos serem colocados na parede, um sobre o outro, vai haver um limite de altura e, consequentemente, de possibilidade do que será plantado. Plantas que atinjam uma certa altura podem não ser sustentadas por esses vasos na parede, como pimentão e tomate, que precisam de tutoramento. Mas temperos e folhosas, que são mais baixas, como alface, rúcula, salsinha, manjericão, se desenvolvem muito bem”, diz. Outro cuidado fundamental é sobre a rega. “Não há uma regra. Observe se o substrato está úmido, mas não encharcado; coloque a mão para ver se está molhado ou não; e vá regando de acordo com a necessidade, sem deixar a terra seca ou molhada demais”, complementa.
Mas é preciso ficar atento a um detalhe que muitos esquecem: as pragas não afetam apenas grandes plantações. A engenheira agrônoma Halina Schultz, mestra em Ciências com especificação em Entomologia Aplicada, explica que até mesmo as hortas em casa podem ser atacadas por cochonilhas, lagartas e pulgões, entre outros insetos. “A prevenção se dá por um manejo adequado, com adubação equilibrada, diversificação das plantas a serem cultivadas, eliminação das partes atacadas e catação manual dos insetos quando encontrados em menor número. Caso seja necessário, pode-se utilizar produtos naturais para o controle. Alguns desses produtos estão disponíveis em hortos, garden centers e alguns supermercados e devem ser usados seguindo a recomendação do fabricante. Porém, é importante lembrar que mesmo quando esse plantio é em pequeno porte e em casa, o manuseio jamais deve ser feito pelas crianças”.
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Na prática
A seguir, Marisa Cantù dá um passo a passo para que pais e filhos plantem em vasinhos e o melhor: as crianças podem participar de quase todas as etapas.
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- Comece fazendo uma boa drenagem, com pedrinhas ou argila expandida no fundo do vaso;
- Coloque a manta de drenagem. Ela precisa ser cortada com uma tesoura com a medida do diâmetro do vaso (essa tarefa é mais indicada para um adulto fazer);
- Coloque o substrato, que é a terra bem adubada;
- Faça um buraco na terra para colocar a muda;
- Tire a muda do saquinho e plante no vaso.

“Se deseja começar com uma mais fácil ainda, pode ser a cebolinha. Aquela mesma que vem com raízes no maço da salsinha na feira. Plante num vaso de 15 cm de diâmetro do mesmo modo que a hortelã. A regas podem ser de 2 a 3 vezes por semana. Se quiser plantar frutíferas em vasos, as mais fáceis são romã, laranja kinkan, amora e jabuticaba. Escolha vasos grandes e lembre-se que é uma árvore. E não esqueça que a adubação das plantas deve ser feita com frequência para mantê-las saudáveis e produzindo”, conclui Cantú.