Abuso psicológico dos pais - Divulgação
Abuso psicológico dos paisDivulgação
Por Priscila Correia
Rio - Quando era criança e adolescente, Luisa, hoje com 42 anos, estava sempre no meio de pessoas muito mais velhas e que já tinham uma carreira artística de certo prestígio. Mesmo querendo passar os finais de semana com os amigos do prédio ou da escola, a mãe, que sonhava com uma filha famosa, insistia em levá-la, ainda com 11 ou 12 anos, a boates e festas com famosos. Muito bonita, a menina ia e até se divertia, mas não era o que queria na realidade. Ela só conseguiu “se livrar” desse ciclo vicioso instaurado por sua mãe quando conheceu o marido em um bar, aos 20 anos. Desde então, nunca mais voltou às rodas de celebridades.
Já Antonio, de 56 anos, não pensava em medicina na juventude, queria ser engenheiro. Mas os pais, que sonhavam em ter um filho “doutor” e não haviam convencido os dois irmãos mais velhos, conseguiram fazer o caçula prestar vestibular para medicina, prometendo um carro zero ao se formar.
Os dois casos acima, embora na teoria tenham sido pensados pelos pais para que os filhos tivessem o melhor no futuro, podem ser caracterizados como abuso psicológico – no caso da menina, ainda pior, pois a insistência da mãe começou quando ela era ainda criança. A médica psiquiatra e psicoterapeuta Aline Machado Oliveira explica que o abuso psicológico são atitudes dos pais que são feitas, nem sempre de maneira consciente, para dominar o filho, para mantê-lo por perto e impedindo que ele se desenvolva plenamente e tome as próprias decisões, e que o mesmo costuma partir mais da mãe, pois esta costuma envolver-se mais nos cuidados com a prole do que os homens, e também porque a mulher vive mais o mundo dos sentimentos e a preocupação excessiva com suas crianças. “O abuso pode ocorrer de várias formas, como, por exemplo, interferindo na escolha dos amigos, na decisão profissional, nas roupas, nas preferências musicais, enfim, interferir demasiadamente em todas as escolhas do filho”, diz.
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Além disso, pode ir além dessa pseudo projeção nos filhos do que os adultos gostariam de ter sido ou feito quando mais jovens. Patrícia Guillon Ribeiro, psicóloga e professora do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), lembra que, primeiramente, é importante definir o que vem a ser o abuso, ou seja, o uso da coerção, de alguém mais forte contra uma vulnerável para se obter alguma coisa. “Esse conceito nasce da prática de maus tratos contra a criança e envolve abuso físico, psicológico, sexual e a negligência (abandono da criança). Já o psicológico dos pais em relação aos filhos pode acontecer na forma de negligência, como uma desqualificação, no sentido de diminuir a criança, de usar termos ofensivos, além da chantagem emocional, que também caracteriza abuso psicológico. A exigência muito grande sobre uma criança, de forma a não dar ouvidos ao que ela quer e precisa, também é uma forma de abuso. É considerado abuso dependendo da frequência que os comportamentos se apresentam”, avalia.
É preciso dizer, também, que engana-se quem pensa que esse abuso psicológico entre pais e filhos parta apenas pelo lado dos mais velhos. Afinal, quem nunca ouviu um caso de crianças e adolescentes que fazem chantagens emocionais dizendo que vão fugir de casa se os pais não fizerem suas vontades? Tammy Marchiori, psicóloga especializada em Neuropsicologia e membro da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia, pontua, inclusive, que esse fenômeno não é novo, porém, vem aumentando nas últimas décadas. “As famílias das novas gerações, em geral, ficam menos tempo com os filhos por questões econômicas e sociais.
É comum que crianças com um ano já estejam na escola para que os pais trabalhem, e muitos sentem culpa e querem “aproveitar” o tempo que têm com os filhos. Não querem passar o pouco tempo dando broncas, por exemplo. É comum que muitos pais, atualmente, utilizem uma educação permissiva demais ou punitiva demais, que pode gerar controle e agressividade do filho para com os pais. Além disso, a dinâmica social mudou, as crianças têm mais voz. Nas gerações passadas, era incomum ver uma criança respondendo a um adulto, pois era muito comum a punição física, que também é comprovadamente pouco eficaz e pode gerar problemas psicológicos na criança. Mas por falta de um equilíbrio na relação, muitos filhos mandam, respondem e agridem os pais, gerando em alguns casos abuso psicológico. Cada caso é um caso e deve ser analisado sem generalizarmos as razões, mas a sociedade vem mudando e isso pode contribuir para o aumento de episódios”, complementa. Ainda sobre esse ponto, Patrícia comenta que existem históricos de adolescentes que percebem que os pais têm algum receio no tratamento com eles e acabam abusando, com muita frequência, e usando de um poder sobre os pais para conseguirem o que querem. “Isso é mais comum entre adolescentes, que fazem uma série de chantagens emocionais. É possível destacar, inclusive, os quadros de Transtorno desafiador de oposição”, esclarece.
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Como ajudar pais e filhos
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Embora seja normalmente um comportamento visível para quem está de fora, nem sempre os envolvidos, especialmente os pais, percebem que estão praticando o abuso. E este alerta, quase sempre, parte da escola da criança ou de alguém com quem a família tenha muito contato. “É preciso estar atento, no que diz respeito às crianças, à mudança de comportamento brusca. Quando, por exemplo, se tem uma criança que sempre se comportou de uma forma e de repente ela passa a se comportar de outra maneira, pode ser um sinal. Quando a criança é bastante sociável, risonha, brincalhona e de repente começa a ficar mais quieta, isolada, sem querer contato, também pode ser um sinal. A criança também pode apresentar sinais de irritabilidade e de tolerância menor à frustração. Sobre os pais, é preciso observar a interação entre esses e o filho, como verificar como é a fala dos pais em direção à criança, como falam do próprio filho, de que forma repreendem um comportamento errado, como conseguem negociar com o filho etc. Isso tem a ver com os chamados estilos parentais”, determina Patrícia.
Então, como as pessoas de fora podem ajudar? Para Aline, uma maneira de abordar o assunto com os pais é mostrar a eles que este comportamento, ao contrário de ajudar o filho, o atrapalha e entristece, e que é fundamental que os filhos façam as próprias escolhas e sofram as consequências, positivas ou negativas, das suas próprias atitudes, pois somente assim o indivíduo irá desenvolver-se emocionalmente e tornar-se um ser humano independente. Para Tammy, a abordagem com as responsáveis vai depender da intimidade que se tem com o abusador e o quanto ele está disposto e aberto a ouvir. “Devemos lembrar que esse abusador tem um ganho secundário, ou seja, isso faz bem para ele de alguma forma, alimenta algo nele. Por isso, não é fácil que ele mude de atitude só por tomar consciência do que acontece. O ideal é ter uma conversa amistosa e sincera, sem expor ou culpar o abusador, mas procurar mostrar que isso não faz bem para ele, não faz bem para relação entre pai e filho e tem consequências negativas para ambos. Argumentar com fatos objetivos pode ajudar. O importante, nesses casos, é procurar ajuda profissional, pois, geralmente, se trata de questões mais enraizadas nessa pessoa”, complementa.
É importante lembrar que, além de causar danos no dia a dia de crianças e adolescentes, o abuso provocado pelos pais pode deixar cicatrizes para o futuro, transformando-os em adultos inseguros, com baixa autoestima, que terão problemas em seus relacionamentos pessoais e profissionais. “As consequências do abuso psicológico na infância irão refletir na adolescência e na vida adulta do indivíduo. Se não tratado, o indivíduo poderá repetir este comportamento com outras pessoas ou com os próprios filhos, pois foi assim que ele aprendeu que as pessoas devem se relacionar”, diz a psiquiatra Aline. Mas existe tratamento, a psicoterapia. “É possível começar a terapia com a criança e logo em sequência com os pais, como também é possível fazer a psicoterapia familiar, em que toda a família participa. O tipo de terapia depende muito de quem apresentou os primeiros sinais de que as coisas não estavam acontecendo da forma adequada. Normalmente, é a escola que percebe uma mudança de comportamento na criança e sugere que os pais procurem terapia. A partir daí, o psicólogo avalia a criança e identifica as relações parentais e atende a família”, conclui Patrícia.