Alessandra Nistal e a filha, Helena, de 10 anos
Alessandra Nistal e a filha, Helena, de 10 anosArquivo pessoal
Por O Dia
Rio - É significativa a parcela de pessoas com síndrome de Down que nascem com comprometimentos no coração, pulmão e sistema imunológico, e também que desenvolvem diabetes e obesidade — condições consideradas fatores de risco para a covid-19. Como se não bastassem os perigos para a saúde, o isolamento social necessário compromete também o comportamento de crianças e adolescentes com a também chamada Trissomia 21. Na coluna de hoje, vamos contar um pouco sobre como foi o último ano para algumas famílias e dar dicas de especialistas da área.
Alessandra Nistal, mãe de Helena, de 10 anos, conta que tem sido um período muito difícil, já que a filha sempre foi muito sociável e gosta de estar sempre cercada por pessoas. “A rotina dela era muito intensa com escola, aula de dança , teatro, terapias e eventos sociais, e de repente tudo acabou. No começo da pandemia, ela até me surpreendeu com os novos desafios das rotinas no modo virtual, mas no início de outubro do ano passado passou a ter algumas crises de choro e desânimo sem motivo aparente. Eu perguntava o que estava acontecendo e ela dizia não saber”, conta. A mãe resolveu, então, buscar ajuda profissional e descobriu que, assim como tem acontecido com outras milhares de crianças em todo o mundo, o comportamento de Helena estava sendo gerado pela tristeza em relação ao cenário atual.
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O mesmo tem acontecido com Mikeli Amaral e o pequeno Israel, de 3 anos. Ela conta que tem tentado tornar os dias do filho menos pesados, já que não podem sair – e nem se sabe quando poderão fazer isso -, mas muita coisa mudou no comportamento dele nesse período, como, por exemplo, o horário que vai dormir e a não aceitação em receber “nãos” dos pais. A mãe sabe que se tornou mais tolerante, afrouxando um pouco mais em algumas regras, mas nada diferente das mães de outras crianças, com Trissomia 21 ou não.
“Eu estou mais permissiva, sim, mas acredito que todas as mães estejam fazendo o mesmo nesse momento. É preciso que nós, pais de crianças com Síndrome de Down, estejamos preparados para tratar nossos filhos de forma que eles nunca se sintam diferentes, mas também que possamos mimar quando julgarmos necessário. Não estamos fazendo isso porque ele tem Síndrome de Down, mas porque é uma criança e estamos enxergando seu sofrimento”, pontua. No dia a dia, como estão em isolamento desde 13 de março de 2020, Mikeli, que possui experiência na área de Saúde por ser enfermeira, tem tentado aproveitar o período para exercitar o filho em casa, já que crianças com T21 precisam ser estimuladas todos os dias, e Israel não tem encontrado os profissionais que fazem parte do seu tratamento multidisciplinar, como fonoaudiologia, fisioterapia e terapeuta ocupacional.

Na casa de Thaissa Alvarenga, mãe de Chico, de 7 anos, e fundadora da ONG Nosso Olhar, embora o filho tenha momentos de ansiedade e irritação depois do início da pandemia, no geral, ela está enfrentando bem a situação na companhia das irmãs Maria Clara, de 5 anos, e Maria Antônia, de 3. “Meus três filhos brincam muito, mas têm momentos que querem sair de casa. O nosso condomínio é super aberto e tem uma floresta. Então, a gente está criando uma rotina com várias brincadeiras e eventos só entre nós, como piquenique em família e outras atividades com bastante movimento, mas sempre cumprindo os protocolos. Também fazemos em casa muitas atividades lúdicas, como pintura. Mas acho que parte dessa compreensão deles é porque nunca escondemos nada nem inventamos histórias. Nos primeiros episódios de ansiedade dos três por não saírem de casa, explicamos muito o que era o coronavírus. Então, hoje, eles já entendem o uso da máscara e do álcool em gel, que é preciso tirar a roupa assim que entra em casa, lavar mais as mãos etc. Inclusive, quando estamos no carro e as crianças olham alguém sem máscara, já apontam e reclamam.
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Chico, especificamente, entende que existe um vírus, que é o coronavírus, que é perigoso e que não faz bem para ninguém. E aí, quando ele e as meninas falam que querem sair de casa, por esquecerem momentaneamente da pandemia, lembramos todas as informações que já conversamos e eles entendem”, explica Thaissa, que, além do dia a dia na ONG, “alimenta” o Instagram “Chico e suas marias”, mostrando a rotina de uma criança com Trissomia 21 e suas irmãs.
É preciso dizer que, sim, os pais e responsáveis devem tratar crianças com Trissomia 21 da mesma forma que qualquer outra criança. Porém, é preciso lembrar que pessoas com síndrome de Down aprendem e compreendem as situações de maneiras diferentes - elas podem ter dificuldades de entender o distanciamento social, o uso de máscaras e a interrupção das atividades que faziam, por exemplo.
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“Já estamos há um ano em isolamento social, sem poder agir como antes. As pessoas com síndrome de Down estão cansadas de ficar em casa, sem os amigos, sem as atividades, sem as terapias. Elas estão mais sensíveis pela falta de rotina produtiva e pela falta do convívio social. É importante as famílias observarem como está essa criança com Trissomia 21, se está mais quieta, se só quer ficar no quarto, se não quer falar com amigos e familiares pelo celular, se está muito irritada etc. Os casos de depressão e ansiedade aumentaram muito nesse último ano e a população com Trissomia 21 também está nesse grupo. A família pode buscar ajuda especializada de psicólogos e psiquiatras para apoio online e orientação na mudança de rotinas. Em alguns casos, é necessário uso de medicação”, esclarece Bárbara Calmeto, neuropsicóloga especialista em Educação Especial e diretora do Autonomia Instituto.

Para ajudar os pais a explicarem para uma criança com síndrome de Down a compreender sobre a covid-19, Calmeto sugere às famílias usar histórias sociais e vídeos lúdicos para explicar sobre os cuidados com o coronavírus. Podem, também, fazer atividades pedagógicas com o tema e incluir no dia a dia hábitos de prevenção que vão virar rotina, como lavar as mãos, usar máscara, usar álcool, não cumprimentar com abraços e apertos de mãos. “Em casa, a indicação é criar uma rotina de atividades variadas com horários para tarefas pedagógicas, atividade física, atividades funcionais (como ajudar nos cuidados com a casa). Essas atividades variadas, inclusive, vão ajudar na prevenção do estresse que esse período pode causar. A vigilância das famílias é um fator muito importante para conseguir identificar casos de ansiedade e de depressão bem no início e buscar intervenção de profissionais especializados”, complementa.

A psicopedagoga Michelli Freitas, diretora Instituto de Educação e Análise do Comportamento Especialista – IEAC, acredita que algo muito importante para manter as crianças com Trissomia 21 mais calmas é que os pais também tenham esse comportamento. “O primeiro passo é que falem com mais leveza. Evitem ficar assistindo televisão perto da criança, para que não tenham acesso a tudo que estamos vivendo. Eu acredito que, sim, as crianças devem ser poupadas de todos os detalhes. Que sejam passadas orientações iniciais é fundamental, que se faça um planejamento de como será o dia da criança e da família também. Mas mostrar tudo não é necessário. Além disso, crie pequenos grandes momentos para essa criança. Um dia da semana tire para fazer os pratos que ela mais gosta; no outro faça um passeio sem descer do carro para um local que ela goste; outro dia com jogos; e assim por diante. Algo que seja diferente, realmente prazeroso para a criança, e que ela não esteja esperando”, exemplifica.

Para Kate Amaral, especialista em neurociência e disciplina positiva e criadora da startup 1Manas, que busca ajudar as famílias na criação dos filhos, inclusive os com necessidade especiais, destaca que, no cenário atual, reduzir o estresse dessa criança é um processo que requer uma transformação no relacionamento. “A criança com Síndrome de Down é mais sensível e tem uma demanda grande por atenção, afeto e carinho. E, neste momento, ela não pode receber de outras pessoas. Por isso, mais do que nunca, é necessário construir um vínculo forte. Procure brincar com a criança de verdade. Olho no olho. Realize atividades que sejam prazerosas para você também. Assim, fica mais fácil se concentrar na brincadeira e na sua criança. Quando a criança conseguir realizar uma tarefa, procure falar frases como “Nossa! Você se esforçou e o trabalho ficou incrível!” no lugar de elogios como “Você é linda”. Ao longo do dia, não esqueça de demostrar o seu carinho com frases como “Eu amo você” e “Eu gosto muito de brincar com você”; e se a criança pedir atenção, fale “Eu estou te ouvindo”. Criar um ser humano requer tempo e aprendizado. E com a pandemia e tudo que está sendo vivido, mais que nunca”, conclui.
Riscos para a saúde
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O pediatra Werther Brunow de Carvalho, coordenador da pediatria do Hospital Santa Catarina e Chefe da UTI Pediátrica, faz um alerta de extrema importância: a síndrome respiratória aguda grave pelo Coronavírus é uma doença respiratória e alguns pacientes, incluindo as crianças com Síndrome de Down, podem evoluir com doença grave, acometimento de vários órgãos e sistemas, e até óbito. “Embora ainda exista uma dúvida sobre a maior vulnerabilidade das crianças com síndrome de Down à Covid-19, essas crianças apresentam vários fatores de risco subjacentes, como problemas respiratórios crônicos, hipertensão arterial, cardiopatias congênitas, alterações imunológicas, obesidade, alterações relacionadas ao sono e alterações de desenvolvimento associada com comprometimento intelectual. E ainda que a apresentação clínica dos sinais e sintomas da doença nas crianças com síndrome de Down sejam semelhantes ao acometimento de outras crianças, como desconforto respiratório, febre, tosse e dor muscular, esta pode progredir de forma mais agressiva nas crianças com Trissomia 21. Além disso, podem ter uma alteração da função imunológica que predispõe a infecções mais graves, tempo mais prolongado de quadros infecciosos do trato respiratório e um aumento da incidência de lesão pulmonar aguda”, esclarece.

Dicas de atividades
A seguir, Bárbara Calmeto sugere algumas dicas de atividades que os pais podem fazer com seus filhos em casa nesse período, para ajudar a controlar o estresse e o equilíbrio da criança durante o isolamento.
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- Atividades pedagógicas: imprimir atividades prontas na internet, aproveitar os e-books que disponibilizamos gratuitamente pelo Instagram @autonomiainstituto, fazer um caderno com atividades de português e matemática;
- Atividades artísticas: pintura, recorte e colagem, amassar e colar papéis, massa de modelar, argila, pintar caixa de papelão, moldes de gesso;
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- Atividades funcionais: cozinha experimental, arrumar a cama, lavar louça, molhar as plantas, cuidar do animal de estimação, plantar horta;
- Atividades físicas: ter vários vídeos no YouTube de atividades com músicas, fazer circuitos usando cadeiras e almofadas, pular de um pé só, pegar a peça de um jogo de um lado da sala e encaixar do outro lado, corredor com obstáculos;
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- Atividades lúdicas-concreta: usando água, papelão, sucatas.
“A pandemia e todo os meses de distanciamento social em que as crianças estão em casa podem acarretar em alguns prejuízos no desenvolvimento da criança com Trissomia 21, em especial nas áreas de coordenação motora, cognitiva e comunicação. Isso porque quanto menos expostas as crianças são aos estímulos do dia a dia, da escola, das atividades extra curriculares, das terapias, menor é o desenvolvimento de habilidades. Reforço que a família deve fazer um calendário de estimulação e escrever atividades para fazer em casa todos os dias, além de incluir a criança nas atividades de casa e diminuir a exposição às telas (TV, celular, tablet). O excesso de exposição às telas tem causado muitos prejuízos e atrasos também, inclusive no comportamento e na disposição das crianças para executar atividades que exigem maior esforço físico e cognitivo”, finaliza Bárbara Calmeto.