Rio - Se depender dos generosos incentivos fiscais concedidos na era Sérgio Cabral, o Ministério Público do Estado (MPRJ) terá trabalho por longo tempo. Em outro escândalo da farra das isenções, o ex-subsecretário de Receita do Rio, George Santoro, é réu em Ação Civil Pública que aponta irregularidades em benefícios tributários a uma empresa de distribuição por mais de uma década. No total, o estado deixou de arrecadar mais de R$ 213 milhões
O processo está na 16ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro e acusa a Zamboni Comércio Ltda. de usufruir, por mais de 10 anos, de redução significativa do ICMS sem cumprir nenhuma das cinco exigências previstas no Termo de Adesão. O mais inusitado é que desde 2008 o benefício foi prorrogado diversas vezes sem que a empresa cumprisse com as obrigações.
“Temos suspeitas de que agentes públicos teriam recebido propina. Mas uma coisa é certa: muitos agentes públicos contribuíram para que a Zamboni enriquecesse. Não tem como competir com uma empresa que paga 18% a menos em um imposto”, ressalta o promotor Vinicius Leal Cavalleiro, coordenador do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Sonegação Fiscal (Gaesf).
George Santoro foi subsecretário de Receita do Estado do Rio entre 2013 e 2015 - atualmente, é secretário de Fazenda de Alagoas. Assim como seus antecessores e sucessores de pasta, era o responsável por acompanhar, a cada dois meses, o cumprimento das condições estabelecidas para que a empresa continuasse recebendo o incentivo fiscal.
O MP, porém, aponta como agravante o fato de Santoro usar o cargo em benefício da Zamboni. De acordo com a petição, em outubro de 2014, a Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) editou portaria que enquadrava a empresa no modelo de Tratamento Tributário Diferenciado. Isso antes de o órgão responsável por avaliar os pedidos, a Comissão Permanente de Políticas para o Desenvolvimento do Estado (CPPDE), analisar a solicitação da Zamboni.
A empresa de distribuição, porém, já não havia cumprido nenhuma das exigências até então. Com sede em Além Paraíba (RJ), a Zamboni se instalou na vizinha Sapucaia (RJ) e requereu à Sefaz adesão ao regime tributário diferenciado previsto no Decreto Estadual 40.016/06. Passou a pagar menos 18% de ICMS.
Para ter direito ao incentivo, assinou Termo de Adesão e se comprometeu com cinco contrapartidas. Entre elas garantir a geração de empregos e o desenvolvimento econômico contínuo na região. Os R$ 27 milhões em aportes e os mais de 200 empregos, contudo, ficaram só na promessa para o município de Sapucaia.
Pior. Segundo o MPRJ, foi constatado em diversas ocasiões que a Zamboni, nos diferentes endereços que teve nesse período - alguns sem edificação e outros com área pequena e incompatível com a atividade de distribuição -, chegou a ter um único empregado por dois anos. Muitos funcionários declarados eram de outras cidades do estado.
Além de George Santoro e da Zamboni, Guillermo Gutierrez Hernández, auditor sênior da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado (Codin), e a Associação de Atacadistas e Distribuidores (Aderj), também aparecem como réus no inquérito.
Segundo o promotor Vinicius Leal Cavalleiro, muitas ações sobre benefícios fiscais irregulares no segmento atacadista ainda estão por vir. Ele critica que tais procedimentos não só comprometem o desenvolvimento do estado, como também a livre concorrência, já que das 37 mil empresas do ramo que atuam no estado, cerca de 3 mil ganham incentivos.
“A continuar essa metodologia, estamos em um caminho para o buraco, pois se estimula empresas que não produzem benefícios, enquanto outras têm de suportar altíssima carga tributária”, critica o coordenador do Gaesf.
A reportagem procurou George Santoro através da assessoria de comunicação da Secretaria de Fazenda de Alagoas, que emitiu nota na qual afirma que “Todos os esclarecimentos iniciais já foram encaminhados às instâncias devidas, mesmo antes de sua ciência formal, com a confiança de que a Justiça avaliará o caso com o necessário rigor”.
O grupo Zamboni também se manifestou por nota. A empresa garante que “cumpre rigorosamente a legislação vigente no Rio de Janeiro, assim como atende a todos os pré-requisitos para participar dos programas de fomento do Governo”. A companhia devolveu o terreno à prefeitura de Sapucaia e se instalou em Xerém, Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
A Codin alega, através de comunicado, que “à época (junho de 2018) ficou decidido que o servidor continuaria no exercício de suas atribuições, pois não tem e nunca teve cargo de confiança na Codin”. E diz que o atual presidente da Companhia, Fábio Galvão, determinou a abertura de sindicância interna. “Caso o relatório apresente elementos de autoria e materialidade, o processo administrativo será remetido à Corregedoria Geral do Estado”, completa a nota.
A assessoria de imprensa da Aderj explica que seu presidente em exercício, Joílson Barcelos, assumiu o cargo recentemente devido ao falecimento de José Couto, titular do cargo, no último domingo. Alega que Barcelos está em viagem ao exterior e que retornará ao Rio no dia 11, quando estará à disposição da reportagem para esclarecimentos sobre o caso.
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