Em março, policiais apreenderam carreta com nota irregular na porta da usina - Divulgação BPRv
Em março, policiais apreenderam carreta com nota irregular na porta da usinaDivulgação BPRv
Por O Dia

Rio - Um caminhão tanque apreendido na RJ-224 reacendeu a rotina de irregularidades da Usina Canabrava, no Norte Fluminense. O veículo trazia 45 mil litros de etanol de São Paulo justamente para abastecer a empresa que goza de generosos benefícios fiscais estaduais e que está envolvida na maior apreensão de combustível adulterado do país.

A operação ocorreu na última quarta-feira, dia 13. Interceptado pelo Batalhão de Polícia Rodoviária (BPRv) na porta da Canabrava, na divisa entre Campos dos Goytacazes e São Francisco de Itabapoana, o caminhão não tinha licença do Ibama e trazia nota fiscal sem recolhimento de imposto. Só na delegacia foi apresentado o documento do órgão ambiental.

Ou seja, não foram pagos os 12% de ICMS de São Paulo sobre o combustível comercializado. A nota fiscal apresentada às autoridades, no valor de R$ 101.181,79, informava que o produto foi comprado da Figueira Comércio e Indústria, com sede em Araçatuba (SP). 

A questão vai além do pagamento do tributo. Há suspeitas de que a Canabrava traz etanol de outros estados - principalmente São Paulo - em vez de produzi-lo em sua unidade. Só QUE, desde 2012, a usina se vale de benefício fiscal concedido pelo Governo do Estado do Rio, que reduziu o ICMS sobre o etanol produzido pela empresa de 32% para apenas 2%.

Segundo fontes do setor de combustíveis, desta forma a Canabrava consegue preço abaixo do mercado, o que configura concorrência predatória. E ainda comete crime fiscal, já que a contrapartida à isenção tributária é a produção local e a consequente geração de emprego e renda.

Na ação de quarta-feira, os agentes do BPRv também suspeitaram da atividade na usina. Pelo menos cinco caminhões operavam dentro da Canabrava em um período de entressafra. O caso foi encaminhado à Agência Nacional do Petróleo (ANP) e ao Ministério Público do Estado (MPRJ), em Campos.

“Chamou a atenção dos agentes o movimento de pessoal e de outros caminhões dentro da usina. Os policiais solicitaram a entrada na Canabrava para verificar os veículos, o que foi negado. Mas o fato foi comunicado à ANP e ao MP”, diz um policial rodoviário que pediu para não ser identificado.

Segundo funcionários da Canabrava ouvidos pelo O DIA, oficialmente a usina está parada neste período de entressafra, quando é feita a manutenção dos equipamentos. Entramos em contato com a sede da companhia, mas não havia nenhum responsável para falar a respeito.

A funcionária que atendeu a reportagem também limitou-se a dizer que não estava autorizada a passar informações nem a comentar a movimentação de caminhões-tanque na área da empresa, mesmo com a usina sem produzir nada no momento.

A Canabrava tem um histórico de problemas. Em novembro de 2016, operação da ANP resultou na maior apreensão de combustível adulterado da história do país: 16 milhões de litros de etanol continham metanol, substância que, além de proibida, é altamente tóxica.

O caso resultou em multa para a usina do norte do estado e também para as distribuidoras BR, Raizen (dona da marca Shell) e Ipiranga, que compraram o combustível irregular da Canabrava. As distribuidoras e a usina foram autuadas e multadas em mais de R$ 8,5 milhões em primeira instância. Segundo a Agência, o processo administrativo encontra-se em fase final de recurso.

Na época, a ANP chegou a interditar a usina. E como a fraude do combustível foi detectada em São Paulo, começaram as suspeitas de que a Canabrava compra combustível sem origem comprovada, apesar de receber a isenção do ICMS.

O MPRJ move Ação Civil Pública contra a Canabrava. O DIA entrou em contato com o órgão, mas até o fechamento desta edição não obteve respostas e detalhes sobre o processo. A reportagem também procurou a Secretaria de Fazenda do Estado do Rio (Sefaz) e a Procuradoria Geral do Estado (PGE-RJ), que não se pronunciaram até a conclusão da edição.

Uma usina de problemas

O nome não poderia ser mais inusitado para uma empresa que nasceu e vive em meio a polêmicas. A Canabrava foi inaugurada em 2012 dentro de um panorama de crise do setor sucro-alcooleiro. Ainda assim, atraiu cerca de R$ 700 milhões de investimento de diferentes Fundos de Pensão - a maior parte (R$ 302 milhões) da Petros e da Postallis.

Mesmo com benefício fiscal do Governo do Rio, que reduziu o ICMS sobre o combustível produzido pela usina de 32% para 2%, dois anos depois a empresa já amargava prejuízos de mais de R$ 180 milhões. Além disso, os mil funcionários da companhia sofriam com meses de salários atrasados e não recolhimento de FGTS.

Por trás da Canabrava está a figura de Dirceu Luppi (o Major Dirceu) e Rodrigo Luppi, pai e filho considerados por uma CPI da Câmara, de 2003, como os maiores adulteradores de combustível do país. Em 2004, a revista “Isto É” publicou reportagem em que os dois são flagrados em grampos sendo informados  sobre a realização de fiscalizações da ANP.

Rodrigo ainda é réu em uma ação na 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias (RJ) por adulteração de combustível. Depois da apreensão recorde de 16 milhões de litros de etanol com metanol, em 2016, ele chegou a ser afastado da gestão da usina, mas voltou por decisão da Justiça do Trabalho de Campos dos Goytacazes.

Mesmo com esse retrospecto, a família não só conseguiu retomar as rédeas da Canabrava, como ainda abrir uma distribuidora de combustível na Baixada Fluminense, em 2017. Trata-se da Minuano, com sede em Duque de Caxias, que funciona graças à liminar obtida na Justiça para obter inscrição estadual.

Empresários ligados ao setor de combustíveis, contudo, apontam que recentemente os dois adquiriram a filial fluminense de outra distribuidora: a Paranapanema. Os Luppi estariam concentrando suas atividades na nova empresa.

A pesquisa de preço regular da ANP mostra um movimento inverso envolvendo as duas distribuidoras. Em janeiro de 2019, a Minuano teve 105 notas coletadas, número que despencou para 22 em fevereiro. Já a Paranapanema não teve nenhum nota coletada em janeiro, e registrou 63 no mês passado. A reportagem tentou contato com a Minuano e com a Paranapanema, sem sucesso.

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