Vieira:'Às vezes, a fraude é tão escancarada que eles nem se defendem'Divulgação
Por MARTHA IMENES
Rio - O assédio de bancos e financeiras com oferta de empréstimo consignado a aposentados e pensionistas está na mira do INSS. Além de intensificar a fiscalização, segundo o presidente do instituto, Renato Vieira, nos próximos dias, ele vai se reunir com um grupo de trabalho formado pela autarquia, o Banco Central, e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), para elaborar a lista "Não Perturbe" que permitirá aos segurados se inscrever em listagem a fim de barrar as insistentes ligações dos bancos. O grupo vai detalhar o projeto.
O sistema, de acordo com Vieira, seguiria os moldes da listagem criada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para brecar ligações de telemarketing, que incomodam os clientes de empresas de telefonia celular. O mecanismo permite que o consumidor se cadastre para não receber ofertas via ligação de telefones fixo e móvel.
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Ainda não há detalhes sobre como vai funcionar a lista de aposentados, segundo o instituto, mas a medida será adotada. "Sendo esta solução, ou qualquer outra, o importante é que se garanta respeito e sossego aos aposentados. Que eles não tenham mais que se incomodar com assédio indevido e desmedido das instituições financeiras com a oferta de crédito consignado", informou ao DIA, Renato Vieira.
Para Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), a ideia da lista é uma boa medida para proteger os aposentados. "Quem quiser contratar empréstimo consignado deve dirigir a uma das empresas que oferecem", avalia. "O assédio tem sido muito ruim para os idosos, que em muitos casos acabam cedendo para sanar problemas financeiros dos filhos", Adriane.
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Para Yedda Gaspar, presidente da Federação das Associações de Aposentados e Pensionistas do Estado do Rio, as instituições se aproveitam da vulnerabilidade dos aposentados, que já estão endividados e avalia que além do "Não Perturbe" deveriam ser tomadas medidas combinadas para evitar o endividamento de idosos.
A dirigente conta o caso de um segurado do INSS que tem quatro empréstimos e não consegue se livrar da dívida. "É um poço sem fundo, pois não acaba nunca", lamenta Yedda.
Acordo
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Na quinta-feira, o INSS, Banco Central e Senacon assinaram um acordo para criação de um Grupo de Trabalho que vai estudar alternativas para barrar essa enxurrada de oferta com crédito com desconto em folha para idosos. A iniciativa visa ainda forçar os bancos a cumprirem a Instrução Normativa (IN) 100, que impede a oferta de empréstimo ou cartão de crédito com desconto em folha por seis meses a quem acabou de se aposentar.
A instrução determina que quem quiser pegar consignado terá que desbloquear a margem em folha antes de contratar o empréstimo nos bancos. Mas a liberação só ocorrerá 90 dias após a concessão do benefício.
Além dos empréstimos ficarem bloqueados, a iniciativa proíbe bancos de fazer contato com os beneficiários para oferecer empréstimos nos primeiros seis meses após a concessão da aposentadoria. O impedimento de 180 dias vale para ligações e propagandas.
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Como funciona a lista da Anatel
Até o último dia 23, foram feitos 1,611 milhão de pedidos de bloqueios de ligações, segundo a Anatel. E como funciona com as operadoras de telefonia? No site www.naomeperturbe.com.br, o consumidor pode se inscrever para não receber mais ligações de telemarketing das operadoras Algar, Claro/Net, Oi, Nextel, Sercomtel, Sky, TIM e Vivo.
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Quem quiser se cadastrar na lista, deve criar uma conta no site, informando nome completo, CPF e e-mail para criar um login e senha de acesso. Depois, basta incluir o número de telefone, na aba "Cadastro Nacional Setorial de Não Perturbe". Não há limite de inscrições de linhas. Uma mesma pessoa poderá cadastrar tanto o telefone fixo quanto o móvel, desde que seja o titular.
O consumidor poderá escolher as empresas ou tipos de serviços (telefonia fixa, celular, internet e TV a assinatura) que não quiser mais receber as ligações. O bloqueio será efetivado em até 30 dias corridos a partir da data da solicitação.
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Se as prestadoras de serviços não respeitarem a inscrição na lista, sofrerão sanções. As medidas vão desde pagar multa de R$ 50 milhões até terem a cassação de licença do estabelecimento ou de atividade.

Alerta ao vazamento de dados
Além do assédio, outro ponto que chama atenção é o vazamento de dados de segurados, que acabam sendo vítimas de golpistas e fraudadores. Em março, o presidente do INSS reconheceu o problema de vazamento de dados e prometeu estancar essa sangria com as informações pessoais de aposentados e pensionistas, que veem seus números de benefícios, contas bancárias, telefones, cópias de documentos e até endereços circulando no mercado.
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O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) chegou a notificar diversos órgãos - como ministérios da Justiça e Economia, Banco Central e Câmara e Senado - cobrando soluções contra práticas abusivas na oferta de crédito com desconto em folha e divulgação de informações de aposentados.
O Idec alertou para a falta de segurança das informações que são compartilhadas sem consentimento prévio e, assim, se tornam vulneráveis a fraudes; e com a agressividade na oferta de crédito, que colabora para o superendividamento de mais de 60 milhões de brasileiros.
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"O problema é recorrente. O consignado começou em 2003, e já em 2005 havia denúncia do vazamento de informações sigilosas e nenhuma ação eficaz foi tomada", adverte Ione Amorim, economista do Idec. "É muito importante alertar para a gravidade, já que não existe clareza sobre como os dados são compartilhados antes mesmo de os beneficiários estarem cientes sobre a aprovação do benefício. Passam a receber insistentes ligações de instituições financeiras e correspondentes bancários", explica Ione.
Na página do Idec, o consumidor pode verificar o especial Golpe da Aposentadoria (https://idec.org.br/golpe-aposentadoria). Há orientações em relação ao assédio da oferta de crédito consignado. Na página os consumidores têm acesso ao passo a passo de quais cuidados tomar e ao canal direto para denúncia ao INSS.
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Os beneficiários que foram vítimas também podem enviar seus relatos para colaborar com futuras ações do instituto. "Esse tipo de serviço é muito importante para que toda a população fique ciente dos riscos e empoderada para exigir os seus direitos", finaliza.
Aposentadoria não saiu, mas oferta de consignado sim
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Além de amargar uma longa espera na concessão do benefício, como Jorge Delgado, 58 anos de idade e 35 de serviço, que há sete meses aguarda a liberação da aposentadoria por tempo de contribuição, os segurados têm que lidar com a incerteza e o temor de ver seus dados pessoais nas mãos de terceiros. Dois casos que O DIA teve acesso mostram que mesmo antes de o benefício ser liberado, os futuros aposentados recebem ligações com oferta de crédito consignado.
Em um deles J.C, 60 anos, deu entrada e já esperava quando do nada começou a receber ligações com oferta de consignado. "Achei estranho porque minha aposentadoria nem tinha saído ainda", conta J.C.
Outra situação foi a do aposentados C.S.S., de 73 anos, morador do Centro do Rio, que diz receber ligações de financeiras constantemente. "Eu não quero empréstimo, mas mesmo assim os telefonemas não param. É uma chatice. Não sei como conseguiram meu telefone, nem as informações sobre o benefício que eu recebo do INSS. Nunca passei isso para ninguém", reclama.
Pente-fino: 5,3 mil benefícios cessados
O pente-fino que o INSS está fazendo em pagamentos de aposentadorias e auxílios já cancelou 5.372 benefícios e suspendeu 11.017 somente no primeiro semestre em todo Estado do Rio de Janeiro. Vale destacar que benefícios suspensos ainda cabem defesa por parte dos segurados.

Em todo país, somente no 1º semestre de 2019, antes mesmo de o bônus para que os servidores fizessem a análise nos processos com indícios de irregularidade fosse aprovado, o INSS cessou cerca de 170 mil benefícios irregulares em todo o país com o processo de revisão.

Apesar de os cancelamentos e suspensões de pagamentos acontecerem nas várias espécies de benefícios, os casos mais comuns de irregularidades são de pagamento pós-óbito, acúmulo indevido de benefícios e a obtenção de benefícios de forma criminosa, com a apresentação de documentos falsos ao INSS.

No pente-fino o INSS descobriu, por exemplo, o caso de um servidor público estadual aposentado do Rio de Janeiro, com renda mensal de R$ 13 mil que, conforme as apurações, recebia desde 2008 o Benefício de Prestação Continuada (BPC) — destinado a idosos com renda de até um quarto do salário mínimo, ou seja, R$ 249,50 mensais e pessoas com deficiência —, com valor atual de R$ 998 mensais.