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Por MARTHA IMENES
O governo será obrigado a manter o serviço social no INSS. Ou seja, os assistentes sociais permanecem dentro das Agências de Previdência Social (APS). A extinção do serviço constava na Medida Provisória 905, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, mas foi derrubada pela comissão mista do Congresso que avaliou a MP. O colegiado divulgou um relatório acatando 51 emendas supressivas. Ou seja, 51 parlamentares exigiram que se mantivesse o serviço social como serviço previdenciário, acatando parecer do relator da MP, Christino Aureo (PP-RJ). As sessões de discussão e votação da MP 905 estão marcadas para os dias 3 e 4 de março, após o recesso de Carnaval. Aprovado o relatório na Comissão Especial, a MP segue para votação no plenário da Câmara e depois do Senado e tem prazo para aprovação ou rejeição até 9 de abril de 2020.

A decisão foi comemorada por representantes dos servidores e gestores do INSS, que foram pegos de surpresa com a ideia do governo de acabar com o serviço social nos postos. Em nota a Comissão Nacional de Assistentes Sociais da Federação Nacional de Servidores da Previdência Social, diz que somente com mobilização de trabalhadores e da sociedade civil foi possível sensibilizar parlamentares para que acatassem as emendas supressivas. E adverte: "Nossa luta será pela revogação da MP 905."

Conforme O DIA mostrou na edição de 17 de novembro do ano passado, os mais prejudicados seriam os que encontram no assistente social o caminho para saber sobre seus direitos previdenciários, inclusive em relação a concessão de benefícios. Entre eles está o de Prestação Continuada, pago a idosos e deficientes de baixa renda, que equivale a um salário mínimo, hoje R$ 1.045.

"O serviço social realizado dentro do INSS é de grande importância. O Brasil ainda tem um alto grau de analfabetismo. A exclusão digital então é uma realidade ainda mais perversa. Sem pessoas preparadas para atender tanta gente que não sabe minimamente dos seus direitos, os direitos destas pessoas fica inviabilizado", advertiu, na época, o defensor público da União, Thales Arcoverde Treiger. Para se ter uma ideia, hoje em todo Estado do Rio existem 118 assistentes sociais. No país esse número chega a 1.596.

O papel do serviço social no INSS é "esclarecer os usuários os seus direitos previdenciários e sociais e como exercê-los de forma individual e coletiva", afirmou um assistente social do instituto, que pediu para não ser identificado. Dessa forma, acrescenta, é estabelecida uma relação visando a solução dos seus problemas na Previdência.

"Na atual conjuntura vivida dentro do INSS de repasse do atendimento aos canais remotos (telefone e internet), o serviço social é um dos últimos espaços de atendimento presencial para a população, em especial para idosos, pessoas com deficiência e pessoas com dificuldade de acesso digital", acrescenta.

Três mulheres ouvidas pelo DIA em 17 de novembro de 2019 - na época do anúncio do fim de assistentes sociais nos postos -, podem respirar aliviadas que o serviço será mantido. Ezilene Cunha da Fonseca, a Ziza, de 32 anos de idade, mãe do jovem Andray Antony, 12; Priscila Justen, 38, mãe do pequeno Theo Justen, de 6 anos; e Jorcilene Langoni, de 65 anos; contaram seus dramas e deram rosto e voz àqueles que seriam os mais prejudicados com a decisão do governo. "Não posso ficar sem auxílio e orientação, sou doente e preciso de ajuda", diz Jorcilene. Ziza emenda: "Só o serviço social consegue abrir caminhos para os benefícios que o INSS indefere".
O gestor que falou com O DIA na época explica que os assistentes sociais continuaram a trabalhar nos postos, mesmo sob ameaça de serem transferidos "sabe-se lá para onde" conforme o governo pretendia. "A mobilização das pessoas mostrou aos parlamentares a importância do serviço prestado por esses servidores nos postos", disse. 
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Relembre os casos
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O DIA contou o caso de três mulheres que tiveram - ao que elas denominam - "anjos" para ter o benefício e poder dar um mínimo de dignidade a seus filhos e à própria vida. "Não tem direito". Essa foi a frase que acompanhou Ezilene Cunha da Fonseca, a Ziza, de 32 anos de idade, mãe do jovem Andray Antony, 12, por anos. O pequeno Andray, com apenas 1 ano e nove meses, foi diagnosticado com paralisia cerebral, síndrome de deleção 1T36, e outras anomalias que dificultam fala, locomoção e outras atividades.

A condição do menino e da sua mãe - que se enquadram em baixa renda - dá direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) do INSS, que equivale a um salário mínimo. Mas a concessão do benefício, que deveria ser ágil, até mesmo por uma questão de humanidade, se prolongou por quase dois anos, com sucessivas negativas do instituto na concessão do benefício.

O suplício de Ziza, mãe do jovem, somente chegou ao fim quando uma assistente social do INSS fez o devido acompanhamento do caso, orientou na juntada de documentos, laudos, exames, e no pedido do benefício previdenciário. Que enfim foi concedido. "O benefício do meu filho só foi possível por causa da ajuda da assistente social, muitas mães nas mesmas condições que eu, nem sabem que têm direito e como proceder no INSS", aponta Ziza.

O caminho de Priscila Justen, 38, mãe do pequeno Theo Justen, de 6 anos, não foi mais tortuoso porque uma dupla de assistentes sociais de Volta Redonda, no Sul Fluminense, entrou em campo e deu todo o suporte para que ela conseguisse o BPC. O menino Theo tem autismo e demanda atenção e cuidados em tempo integral. "Não sabia que tinha direito a receber o benefício e graças a uma palestra do serviço social na minha região, pude tomar conhecimento e dar entrada no benefício", conta Priscila, que é enfermeira e está desempregada.

"Quando passei a ficar mais com o Theo e com o atendimento de uma equipe multidisciplinar, que tem fonoaudióloga, terapeuta, psicóloga, ele começou a se desenvolver bem melhor. Aos quatro anos ele começou a falar", conta emocionada. "É uma tristeza se o serviço social do INSS acabar. Muitas pessoas, como eu, ficarão sem ajuda", lamenta. E acrescenta: "O valor do benefício já é baixo, ele muitas vezes não cobre as despesas que uma criança especial tem. Imagina quem não tem esse auxílio", afirma.

Aos 65 anos de idade, a moradora de Campo Grande Jorcilene Langoni, teve que recorrer ao benefício que equivale a um salário mínimo. Ela conta ao DIA que recebia uma Bolsa Família de R$ 89 todos os meses, quando em uma consulta de rotina, o médico afirmou que ela não teria mais condições de trabalhar e a orientou a procurar o Centro de Referência da Assistência Social (Cras), que tem em todos os municípios. "Procurei o Cras e lá tive a informação de que deveria ir ligar para agendar atendimento no INSS", conta.

Jorcilene, que mesmo morando em Campo Grande só conseguiu vaga para atendimento em Angra dos Reis, uma distância de 111 quilômetros. Uma viagem que seria de 1h50 de carro, de ônibus leva 3h. E com uma bolsa de apenas R$ 89 é de se imaginar o sacrifício feito pela segurada. "Saí de casa às 4h da madrugada e só voltei às 20h", diz. "Somente com a ajuda da assistente social consegui ter meu benefício. Ele não dá pra muita coisa porque tomo muitos remédios, mas ajuda muito", finaliza Jorcilene.
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Confira alguns tópicos que constam na MP 905
Contrato Verde Amarelo
Talvez o ponto mais comentado dentro da série de mudanças propostas pela MP 905, o chamado Contrato Verde Amarelo consiste em uma nova modalidade de contratação que, na prática flexibiliza as regras e diminui o impacto do FGTS e INSS para as empresas que contratarem jovens dentre 18 e 29 anos.
Em relação ao Fundo de Garantia, fica expresso com a MP que a contribuição mensal feita pelas empresas será de 2% para os empregados que se enquadrarem na modalidade do contrato Verde Amarelo. Além disso, o valor da multa rescisória de FGTS em caso de demissão cai de 40% para 20% (o valor, por sua vez, poderá ser recebido, mediante acordo, em parcelas ou de modo integral, em conjunto com outros direitos, como o 13º e as férias). Em relação ao INSS, as empresas deixarão de recolher a alíquota patronal de 20%, o salário-educação e a contribuição para o Sistema S (Sesi, Senac, Senai, etc) sobre o salário dos empregados deste regime. O teto salarial do emprego Verde Amarelo é de um salário mínimo e meio. 

Taxação do seguro-desemprego
Para compensar a perda na arrecadação – estimada em R$ 10 bi nos próximos 5 anos – com a redução na taxação do INSS, todos os trabalhadores que recebem o seguro-desemprego passarão a pagar um imposto de 7,5% sobre o seguro. Com isso, o governo espera arrecadar cerda de R$ 12 bi, nos próximos cinco anos (o que geraria um saldo de R$ 2 bi). O tempo do seguro-desemprego (que, por sua vez, poderá ser pago, de acordo com a MP, por outros bancos, além da atual Caixa Econômica. A abertura também vale para o abono do PIS/Pasep), que passará a contar como contribuição previdenciária.

Trabalho aos domingos e descanso semanal
A MP 905 introduziu algumas mudanças em relação ao descanso semanal e ao trabalho aos domingos. Agora, não será mais necessário, por exemplo, a negociação com sindicatos do trabalho aos domingos ou feriados, sendo necessária, somente, a observância daquilo que foi estipulado em acordos coletivos.
A MP, de modo geral, autoriza o trabalho aos domingos e feriados, mantendo a obrigatoriedade do descanso semanal de 24 horas (preferencialmente, mas não obrigatoriamente, aos domingos). Em relação ao comércio, a MP aponta a necessidade de que se seja observada a legislação local.

Atualização de débitos trabalhistas
A aplicação de juros e correção monetária aos débitos trabalhistas também merece destaque dentre o hall de mudanças impostas pela “minirreforma trabalhista” da MP 905. Antes, tal atualização era feita por meio da TR (Taxa Referencial) que, atualmente, era de 1%. Com a mudança, a correção dos débitos trabalhistas IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial), mesmo índice aplicado na Caderneta de Poupanças, por exemplo.

Registro Profissional
Outro ponto diz respeito a retirada da obrigatoriedade do registro profissional nas delegacias do trabalho para toda uma série de funções – exceto as que contam com ordens e/ou conselhos de classe, como no caso de médicos, advogados e engenheiros.
Dentro deste contexto, ficará a critério da contratante a necessidade, ou não, do registro, eliminando uma etapa burocrática para muitas profissões onde já se havia uma ampla discussão sobre a não-necessidade de registros.

Jornada dos bancários
A partir da nova Medida Provisória fica aberta a possibilidade de que agências bancárias abram aos sábados. Além disso, a jornada de trabalho de todos os funcionários de uma instituição bancária passará a ser de 8 horas diárias – com exceção dos operadores de caixa, os quais, a jornada continuará a ser de 6 horas, exceto em casos de acordo entre o funcionário e a instituição bancária, uma vez que a MP abre a possibilidade da negociação de jornadas mais extensas também para estes colaboradores.

Mudanças nas regras de fiscalização
A MP 905 estabelece também mudança no plano da fiscalização e aplicação de multas trabalhistas às empresas. Antes, a CLT estabelecia que as multas variavam conforme o caso analisado pela Justiça do Trabalho. A partir da MP, passará a ser levado em conta o porte econômico da empresa autuada.
Neste sentido, para as multas de natureza considerada variável (mais amplas, generalistas), as multas poderão variar de R$ 1 mil a R$ 100 mil. Por sua vez, para as multas per capita (que levam em consideração o descumprimento de regras em relação a um ou mais trabalhadores, individualmente), deverá ser considerado o porte econômico do infrator e o número de empregados em situação irregular, variando as multas de R$ 1 mil a R$ 10 mil.
A MP cria ainda o critério de dupla visita fiscal, abrindo a possibilidade de que, na primeira visita, sejam geradas advertências e orientações, oferecendo a possibilidade de regularização por parte da empresa (que seria multada, em uma segunda visita, caso a infração seja mantida). 
O benefício da dupla visita não será aplicado para as infrações de falta de registro de empregado em Carteira de Trabalho e Previdência Social, atraso no pagamento de salário ou de FGTS, reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização, nem nas hipóteses em que restar configurado acidente do trabalho fatal, trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil. 
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Senador alerta para aumento da informalidade
Paulo Paim é relator do projeto
Paulo Paim é relator do projetoRoque de Sá/Agência Senado
A Medida Provisória (MP) 905/2019, que criou o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, foi criticada pelo senador Paulo Paim (PT-RS). Um dos pontos que o senador destacou foi a redução contribuição patronal à Previdência para possibilitar a contratação de jovens de 18 a 29 anos. Além disso, segundo Paim, o texto editado pelo governo modificou várias regras trabalhistas.

"A MP 905 formaliza, na verdade, o trabalho informal, em nada contribui para o crescimento e o desenvolvimento. Portanto, é uma política equivocada. A continuar assim, a força de trabalho no Brasil será a de um exército de trabalhadores informais", afirmou o senador, que apontou para o crescimento do percentual de trabalhadores na informalidade.

O senador salientou que a MP promove alterações em 130 artigos da CLT, revogando mais de 40 dispositivos. Para ele,é preciso retirar da medida provisória os artigos que tratam de matérias trabalhistas e previdenciárias, e também os que extinguem algumas categorias profissionais. De acordo com Paim, o governo estima criar quatro milhões de empregos com a MP. No entanto, o senador duvida que essa meta seja alcançada, uma vez que a economia do país está desaquecida por causa do desemprego e dos baixos salários.

"Quando você abre mão de contribuições para a Previdência, você prejudica a Previdência. O empregador, claro, vai lucrar mais, mas não vai empregar mais gente. O que faz com que ele empregue gente é demanda, é mercado", avalia o senador.

Paim também criticou outros pontos da MP, como o que reduz de 8% para 2% a alíquota do FGTS; o que acaba com o salário-educação, contribuição paga pelo empregador e destinada ao financiamento de ações da educação básica; e o que isenta as empresas do pagamento da Contribuição Social destinada ao sistema 'S'.