
Entre os que ficaram a ver navios está Leonardo Stephano Santos, de 36 anos, que figura entre os mais de 12,4 milhões de desempregados que existem atualmente no Brasil. E, apesar de a lei que instituiu o auxílio emergencial prever que até duas pessoas na mesma família têm direito a receber o "seiscentão", Leonardo teve o auxílio negado pelo Ministério da Cidadania, responsável pela autorização do pagamento.
Ele conta que em 7 de abril deu entrada no benefício pelo aplicativo da Caixa, mas o pedido foi negado sem qualquer explicação. "Pagar contas básicas como luz e gás e sobreviver com a ajuda de terceiros é constrangedor. Se não fossem amigos e parentes estaríamos em uma situação muito pior", lamenta Leonardo, que mora na Lapa, Centro do Rio.
O DIA entrou em contato com o ministério e a informação da pasta foi que ele teve o pedido negado por já existir beneficiário do auxílio na mesma residência. A pessoa em questão é a mulher de Leonardo, a autônoma Emily Figueiredo, de 25 anos, que viu suas vendas de doces pararem por conta da pandemia e ficou sem renda.
"Há desencontros de informações entre ministério, Dataprev e Caixa. E não raro vemos quem não tem direito receber o auxílio, como militares e servidores públicos, e o cidadão que necessita, passa constrangimento e necessidade", diz a advogada Maria Cecília Sartore. E adverte: "Cabe ação judicial".
E qual seria a alternativa para quem teve o auxílio negado? Segundo informações da Cidadania o não pagamento pode ser contestado no aplicativo da Caixa ou na Defensoria Pública da União. No caso de Leonardo as duas saídas foram feitas: "No aplicativo quando digito meu CPF consta como já cadastrado e não me dá opção de recorrer dessa decisão e a Defensoria não responde o email, nem entra em contato".
O sumiço do dinheiro e o desencontro de informações pegou de surpresa Jeferson Luiz Aquino, 35. Ele como tantos outros milhares de brasileiros deu entrada no auxílio pelo aplicativo da Caixa e com um certo atraso, recebeu a primeira e segunda parcela do benefício. "A terceira parcela passou do prazo e até hoje não recebi", conta.
Recém empregado em uma indústria de Itaguaí, o auxiliar de produção chegou a pensar que ao ser contratado, ele vai fazer um mês de carteira assinada no final do mês, o benefício seria suspenso e ao checar o aplicativo o depósito não havia sido feito. Mas, segundo a lei que instituiu o auxílio, se durante os três meses o beneficiário for contratado no regime CLT ou se a renda familiar ultrapassar o limite no período de pagamento, ele não deixará de receber os R$ 600.
O texto aprovado no Congresso previa cancelamento do benefício caso a pessoa deixasse de cumprir os critérios exigidos. Mas o Palácio do Planalto vetou esse ponto. Segundo o governo, isso iria gerar um esforço desnecessário de conferência, mês a mês, dos benefícios que estão sendo pagos. "Meu requerimento foi feito dia 12 de abril, recebi duas parcelas, mas a outra 'sumiu' e no aplicativo não informa nada", conta.

A ação está sendo coordenada pelo Núcleo Permanente de Solução de Conflitos da 2ª Região, que também encaminhará à Advocacia-Geral da união (AGU) as reclamações pré-processuais, que são os pedidos dos cidadãos que não querem entrar com a ação judicial. Para fazer a reclamação o interessado precisa preencher o formulário "Quero Conciliar Auxílio Emergencial" no site do TRF-2, no link https://www10.trf2.jus.br/conciliacao/auxilio-emergencial/.
Defensoria da União
A pessoa que teve o pedido de auxílio emergencial recusado, mas se encaixa nos requisitos para conseguir o benefício, pode abrir uma contestação extrajudicial pela Defensoria Pública da União para abertura de um Processo de Assistência Jurídica (PAJ).
O email deve ser enviado para [email protected], entre 8h e 18h, de segunda a sexta-feira, com as seguintes informações: Identidade, CPF, comprovantes de residência e renda, documentos que comprovam o pedido e telefone para contato. Os telefones da Defensoria são:(21) 99329-1178 e (21) 99210-4294.
A Corte de Contas verificou diversas situações impeditivas, tais como a renda acima do limite, beneficiário falecido e o recebimento de múltiplos benefícios. A legislação também não permite que o auxílio emergencial seja pago a quem é titular de benefício previdenciário ou assistencial do INSS, nem que servidor público receba.
"São irregulares ainda os pagamentos do benefício a quem está recebendo seguro-desemprego, auxílio-reclusão ou está com o CPF cancelado, anulado ou suspenso na base de dados da Receita Federal do Brasil", explicou o ministro-relator Bruno Dantas.
O TCU também identificou 235.572 empresários que não são microempreendedores individuais (MEI) e que receberam o auxílio emergencial em abril de 2020. O que, segundo o tribunal, aponta fragilidades no foco da política de assistência.
Agora, o Ministério da Cidadania terá que indicar os controles a serem implementados para reduzir os indícios de inconsistências identificadas nas análises sobre os beneficiários nas folhas de pagamento do auxílio emergencial relativo à pandemia da covid-19.
24 mil militares já devolveram os valores
O Tribunal de Contas da União (TCU) monitorou decisões anteriores relacionadas a pagamentos irregulares do auxílio emergencial. Em uma delas, o TCU havia detectado indícios de pagamentos irregulares a militares do Ministério da Defesa e determinado cautelarmente o desconto integral dos valores em folha de pagamento. No monitoramento atual, o tribunal concluiu que, de 37 mil pagamentos irregulares, aproximadamente 24 mil militares já ressarciram os valores recebidos.
No segundo monitoramento, que tratou da irregularidade do pagamento a jovens de famílias de classe média, parentes de empresários e servidores, o tribunal ouviu os órgãos públicos responsáveis e concluiu que eles adotaram as medidas efetivas para detecção dos pagamentos que descumpriram os critérios exigidos.