Ministro da Economia, Paulo GuedesAFP
Por MARTHA IMENES
Publicado 17/07/2020 06:00

Após defender a criação de um "Imposto do pecado", que incidiria sobre bebidas alcoólicas e cigarros, e de um imposto "tipo CPMF" sobre pagamentos e recebimentos, agora o ministro da Economia, Paulo Guedes, quer taxar transações financeiras por meio digital. Essa alíquota que vai incidir sobre pagamentos e comércio eletrônico, deve ficar entre 0,2% e 0,4%. O objetivo do governo e fisgar uma fatia das transações eletrônicas que estão crescendo e poderiam gerar uma arrecadação expressiva para o caixa da União. O que é rebatido pelo economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF): um tributo nesses moldes não arrecadaria o suficiente para compensar as perdas com uma eventual desoneração da folha de pagamentos.

"Tem que pegar uma base que está crescendo. Para ter ideia, as notas fiscais eletrônicas entre companhias no mês de junho foram 70% acima do que no mesmo mês do ano passado. Mais e mais estamos entrando em um mundo digital", disse na Rádio Jovem Pan. "Uma alíquota pequenininha de 0,2% sobre o comércio eletrônico tem uma capacidade de arrecadação importante".

Segundo o ministro, esse novo imposto não vai pesar mais para os mais pobres, porque será proporcional ao nível de pagamentos de cada um. "O rico, que é quem faz mais transação, vai pagar mais", afirmou, acrescentando que "ninguém vai escapar" do novo imposto. "Traficante de droga paga, traficante de arma paga, corrupto paga, todo mundo paga", destacou. Dessa forma, ele acredita que "se todo mundo pagar um pouquinho, não precisa pagar muito".

Guedes afirma, entretanto, que a ideia não é aumentar a carga tributária. O objetivo, segundo ele, é usar essa nova base de arrecadação para compensar a redução e a desoneração de outros impostos. Essa redução dos encargos trabalhistas que incidem sobre a folha tem sido defendida por Guedes como uma forma de estimular a geração de empregos formais no pós-pandemia. Isso porque, segundo ele, este é um imposto cruel que contribui com a alta taxa de informalidade do país.

"O imposto sobre transações financeiras é feio, mas não é tão cruel. E vai ter que escolher entre algo que seja feio, mas não tão cruel, porque a pandemia revelou que, entre o mundo da CLT e o mundo da assistência social, existem 38 milhões de invisíveis, que são vítimas dos encargos trabalhistas, do excesso de impostos sobre a folha, que perderam a oportunidade de integrar à economia formal por causa disso", avaliou.
Terceira vez que governo fala em tributar transações
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A criação do imposto sobre transações financeiras não é nova no governo Bolsonaro. Em uma coletiva de imprensa em dezembro do ano passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu uma tributação nesses moldes. Na ocasião, o ministro afirmou que o imposto não se assemelharia à impopular CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), criada em 1993 e extinta em 2008. Na época, a alíquota que incidia sobre pagamentos era de 0,38%.

Em janeiro deste ano, na Suíça, Guedes voltou a falar sobre o "Imposto do pecado", que recairia sobre produtos que, na sua avaliação, seriam prejudiciais à saúde. Este por sua vez foi apresentando pelo ministro da Economia em novembro de 2019. Agora, o ministro quer taxar operações digitais. E para isso, nos bastidores, está negociando essa ideia com o Centrão.

Guedes acrescentou ainda que a proposta do governo para a reforma tributária está pronta, mas aguarda o "processamento político" necessário para ser levada ao Congresso. "Sempre tento me entender com o Congresso. O Congresso é reformista, tem que avançar. Agora, tem muito jogo político nisso", alfinetou Guedes, admitindo que "não é simples esse entendimento".

"Ainda não está claro se o imposto vai incidir sobre todo e qualquer pagamento feito por meio eletrônico - como quando se paga um boleto de água e luz pelo internet banking, por exemplo -, ou apenas na compra online de bens e serviços", afirma a professora de direito tributário e finanças públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV), Tathiane Piscitelli.

No primeiro caso, ela ressalta, o novo tributo seria bastante parecido com a CPMF, que tinha um escopo ainda maior, já que incidia sobre todas as transações financeiras. No segundo caso, seria uma "versão reduzida", já que provavelmente seriam as instituições bancárias que teriam de reter uma parte dos pagamentos quando a compra fosse efetuada, para repassar à Receita.

Nesse caso, diz ela, o tributo se configuraria como mais um imposto sobre o consumo, uma modalidade que tende a onerar o mais pobre, já que incide igualmente para todos os contribuintes independentemente da renda familiar.

Na avaliação de Rodrigo Orair, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é possível que o imposto busque uma base mais ampla, recaindo sobre todos os pagamentos eletrônicos. "Podem tentar vender como algo moderno, mas seria uma versão remodelada da CPMF", avalia. Nesse caso, qualquer pagamento feito pela internet ou por caixa eletrônico, por exemplo, seria tributado. A única maneira de evitar o imposto seria pagando com dinheiro na boca do caixa.