Brasil - O auxílio emergencial e sua extensão estão em ciclo final de pagamentos e, a partir de janeiro de 2021, os brasileiros não poderão mais contar com a ajuda financeira do governo federal. O cenário, porém, segue desfavorável: nova crescente na pandemia, economia fragilizada e desemprego em alta. No Brasil, hoje, 31,57% da população recebe o benefício. Na região Nordeste, essa porcentagem é ainda maior: 37,82%. Mas além de ser crucial para o sustento da população de baixa renda neste momento, o auxílio é também importante para aumentar o poder de compra e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, de acordo com especialistas.
Os dados apresentados são de um levantamento feito pela Assessoria Fiscal da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e mostram que parte significativa dos brasileiros faz uso do auxílio emergencial durante a pandemia da covid-19. No estado do Rio de Janeiro, 32,19% da sua população recebe o benefício, enquanto 27,21% o fazem no vizinho São Paulo. O maior índice, porém, é na região Nordeste, que tem sete entre os dez estados com maior parcela de seus habitantes como beneficiários.
Daniela de Carvalho Silva, de 33 anos, está desempregada e depende do auxílio emergencial para seu sustento e de sua família. Moradora da favela do Mandela, onde paga R$ 450 de aluguel na Zona Norte do Rio de Janeiro, ela vive com o marido, também desempregado, e seis filhos. Sua renda antes do auxílio emergencial vinha do Bolsa Família e dos bicos que ela fazia como chapeira e o marido como pedreiro. Em entrevista à ONG Rio de Paz, contou da importância do auxílio em seu orçamento:
“O auxílio ajudou muito. Às vezes aparece emprego para o meu marido, às vezes não tem. Então a gente dá um jeito, né? Às vezes eu faço uma unha e quando ele trabalha a gente vai economizando o máximo, para não faltar. Agora só Jesus para ajudar a gente, né? Se aparecer o que fazer, bem, senão a gente corre atrás”, desabafou.
Os números levantados pela Alerj vieram a partir dos microdados do Portal da Transparência do governo federal, enquanto a população estimada para 2020 foi usada segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foram consideradas pessoas que receberam o auxílio emergencial em algum momento entre abril e agosto de 2020 e excluídos os possíveis beneficiários que tiveram os valores devolvidos à União. Confira os dez estados com maior parcela da população beneficiária do auxílio emergencial:
Piauí: 39,82%
Bahia: 38,66%
Maranhão: 38,03%
Pará: 37,96%
Ceará: 37,71%
Paraíba: 37,70%
Pernambuco: 37,33%
Roraima: 37,25%
Amapá: 37,05%
Sergipe: 37,04%
Confira a porcentagem por região:
Nordeste: 37,82%
Norte: 36,67%
Centro-Oeste: 30,25%
Sudeste: 28,95%
Sul: 24,99%
“Os dados mostram a gravidade da situação social brasileira e o risco e a incorreção que é terminar com o auxílio emergencial a partir de janeiro do ano que vem, com a pandemia ainda presente e se agravando e sem a vacina para as pessoas”, afirma o economista da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mauro Osório.
De acordo com ele, o benefício é “decisivo e essencial” até que a vacinação tenha chegado para toda a população brasileira, erradicando a pandemia:
“Precisamos ter responsabilidade com o país para não voltarmos a ter outra década perdida, como tivemos as décadas de 2010 e 1980. Precisamos ampliar esse debate sobre a situação brasileira e do estado do Rio para conseguir colocar essas duas regiões em um círculo virtuoso”, ressalta Osório.
A manutenção do auxílio emergencial após a virada do ano, no entanto, esbarra nas questões orçamentárias do governo federal. A economista e professora de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Myrian Lund, explica: “A extensão do auxílio emergencial é uma decisão que tem, além do fator econômico, um viés político. Em princípio, o orçamento não comporta qualquer despesa adicional. Geraria mais endividamento para o Brasil e mais dúvidas sobre o futuro”, comenta.
Para exemplificar, Lund compara o governo federal a uma família que “gasta mais do que recebe e vai se endividando cada vez mais”:
“O auxílio emergencial é apenas uma pequena parte do problema fiscal do Brasil. Hoje está entrando dinheiro no país, com o dólar caindo e a bolsa subindo. Mas o saldo do ano ainda está negativo em US$ 40 bilhões. Se a situação de descontrole se agrava, com a continuidade do auxílio emergencial e novos atrasos na reforma administrativa, teremos inflação mais elevada, dólar voltando a subir. E aí o Banco Central terá que aumentar a taxa Selic, desestimulando investimentos produtivos”, explica a economista.
A professora da FGV reconhece, no entanto, o fator positivo que está ligado à prorrogação do benefício para 2021: quando pago à população, o dinheiro dificilmente fica guardado, mas se volta para o comércio.
“O auxílio emergencial está ligado diretamente ao consumo de bens e serviços, contribuindo para a recuperação da economia brasileira. Esse dinheiro certamente não vai para poupança. Como atinge as pessoas de baixa renda, vai para a compra de produtos essenciais, ajudando o crescimento do PIB”, afirma.
A opção pela continuidade do auxílio emergencial em 2021 é uma decisão que leva em conta aspectos econômicos, sociais e políticos, segundo a economista. Alinhada com Osório, ela concorda que não é ideal que o benefício acabe neste cenário de desemprego elevado.
Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Covid (Pnad Covid-19) do IBGE, o mês de novembro registrou uma taxa de 14,2% de desemprego, o maior resultado mensal da pesquisa, iniciada em maio.
Myrian Lund ressalta a situação fiscal do Brasil e coloca a reforma administrativa como pilar para uma avanço econômico: “Não é o auxílio emergencial sozinho que interfere no desafio fiscal, ele é apenas uma despesa a mais. Tem que rever as demais despesas do governo. Se não aprovar a reforma administrativa, a situação fiscal continuará negativa no Brasil”, afirma. No aspecto político, ela comenta que não é possível mensurar se uma prorrogação do auxílio seria aprovada, já que o “governo está com o Congresso bastante dividido”.
PASTA
Em coletiva de imprensa na última sexta-feira (18), o ministro da Economia Paulo Guedes não excluiu totalmente a possibilidade de um retorno do auxílio emergencial em 2021. Ele condicionou essa atitude à situação de infecção da covid-19: em caso de “uma segunda onda claramente indicada do ponto de vista da Saúde”, o governo vai agir:
“Nunca podemos usar a doença como uma desculpa para a irresponsabilidade fiscal. Mas, por outro lado, se houver o revigoramento da pandemia, temos que ter uma ação tão fulminante e decisiva como houve da primeira vez. Agora, nós não podemos. A relação dívida-PIB deu um salto enorme. Nós gastamos bastante, como se fosse uma guerra”, afirmou Guedes, reconhecendo os problemas na situação fiscal do governo.
O ministro da Economia usou uma metáfora para descrever a situação dos cofres públicos: “Se você pega o oxigênio e usa todo de uma vez só, depois falta”. Mas ainda que a pandemia tenha voltado a registrar recentemente mil mortes diárias, algo que não acontecia desde setembro, o plano atual, de acordo com Paulo Guedes, é de manter o fim do auxílio emergencial:
“Hoje, o plano A é: com a doença cedendo e a economia voltando, o programa termina no dia 31 de dezembro. O Brasil está de volta às reformas estruturais e de volta à normalidade. Se não for essa a realidade, nós vamos ter que pensar como é que nós fazemos. Mas nós sabemos o que fazer, aprendemos bastante durante esse período. Vamos fazer o que deu certo, é melhor. E não vamos fazer o que não funcionou também”, completou.
*Estagiário sob supervisão de Marina Cardoso
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