De janeiro a novembro, as operações de financiamento contratadas com recursos da caderneta de poupança somaram R$ 106,5 bilhões - Freepik
De janeiro a novembro, as operações de financiamento contratadas com recursos da caderneta de poupança somaram R$ 106,5 bilhõesFreepik
Por ESTADÃO CONTEÚDO
O ano que mudou padrões de consumo, fez o desemprego bater recorde e colocou a maior parte dos setores da economia em suspenso terminou melhor do que o esperado para o mercado imobiliário. Após um segundo trimestre de fortes incertezas, cancelamento de lançamentos e expectativa de queda nas vendas, o segmento chegou ao final de 2020 com números surpreendentes. De janeiro a novembro, as operações de financiamento contratadas com recursos da caderneta de poupança somaram R$ 106,5 bilhões. O valor mostra um aumento de 52% em relação ao mesmo período do ano anterior e é o melhor resultado desde 2014.
Na cidade de São Paulo, as vendas de imóveis novos no acumulado em 12 meses até outubro chegaram a 51,2 mil unidades, um crescimento de 13,1% em relação ao mesmo período de 2019. A expectativa inicial do Secovi-SP, o sindicato da habitação, era fechar o ano inteiro com uma venda de pelo menos 50 mil unidades, o que repetiria o resultado de 2019.
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Os juros em um patamar historicamente baixo - o que se reflete em taxas de financiamento mais atrativas e estimula mais brasileiros a se voltarem para os imóveis como opção de investimento - e os recordes de captação na poupança durante a pandemia (irrigando a maior fonte de recursos para os bancos financiarem a casa própria) foram fatores que ajudaram a segurar o fôlego do setor no segundo semestre, apesar da crise.
Foi uma surpresa positiva, dado o cenário difícil do ano passado, avalia a presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Cristiane Portella. "Os juros estão em um patamar que nunca estiveram, em torno de 6,9% para o financiamento. Em 2017, a média era de 11,4%, em um contrato de 35 anos. A prestação chegou a se reduzir em 30% e muito mais gente ficou elegível para comprar um imóvel. Novas formas de indexação do financiamento, como as taxas prefixadas, trouxeram um leque maior para o consumidor", afirma Cristiane.
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Segundo ela, quem não foi diretamente impactado pela pandemia manteve os planos, parou de gastar em outras coisas e passou a valorizar o estar em casa, seja para trabalhar ou lazer. "Em 2020, a gente viu uma valorização do espaço e do ambiente em que se mora", diz.
Fonte de recursos
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Com as medidas de compensação de perda de renda durante a pandemia e a chamada poupança por precaução, a captação líquida da caderneta de poupança inundou a principal fonte de recursos para financiamento para a classe média, pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). De janeiro a novembro, a captação da poupança somou R$ 109,4 bilhões - volume recorde desde o Plano Real e que, desde a pandemia, só ficou negativo em novembro, quando saíram mais recursos do que entraram.
A perspectiva para 2021, no entanto, é que a captação caia, conforme a economia ainda demore a engrenar e os brasileiros gastem os recursos poupados durante o pior da crise.
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Mas, ainda que o Banco Central entre em um novo ciclo de alta dos juros neste ano, não são esperados aumentos prejudiciais para o setor, diz o presidente do Secovi-SP, Basílio Jafet. "Há um ano, os juros estavam em cerca de 4,5% ao ano, caíram para 2%, mas a queda do juro do financiamento foi menor. A expectativa é que o crédito imobiliário se mantenha em 2021."
Desemprego
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Os dados do Secovi-SP ajudam a entender o movimento do consumidor durante os meses de pandemia: em janeiro e fevereiro do ano passado, ainda antes da primeira morte causada por covid-19 registrada no País, as vendas estavam em alta. Logo depois, elas passam a cair, até atingir um fosso entre abril e maio.
Com o relaxamento das medidas de isolamento social, a venda de residências voltou a subir no fim do primeiro semestre, atingindo as 51,2 mil unidades vendidas em 12 meses até outubro e levando a entidade a projetar como resultado final de 2020 pelo menos as 50 mil unidades vendidas no ano anterior.
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No caso dos lançamentos, as incertezas quanto ao impacto do novo coronavírus no desempenho do setor fizeram as empresas interromperem os lançamentos, e a estimativa é que os dados indiquem queda de 30% ante 2019.
"Não dava para lançar no meio da quarentena. O nosso primeiro semestre se restringiu a janeiro e fevereiro, os outros meses foram perdidos. Os licenciamentos também diminuíram de velocidade, já que muitos servidores das Prefeituras não estavam trabalhando. Com isso, fechamos o ano sem repetir o desempenho de lançamentos: 45 mil em 2020 ante 65 mil em 2019", diz Basílio Jafet, presidente do Secovi.
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Segundo ele, um ponto que ainda preocupa as empresas do setor é o desemprego crescente e que deve continuar subindo no começo deste ano, à medida que os brasileiros que estavam recebendo o auxílio emergencial voltem a procurar uma ocupação, com o fim do benefício.
Dados mais recentes da Pnad Contínua, do IBGE, apontam que a taxa de desocupação no Brasil era de 14,3% no trimestre encerrado em outubro. "O desemprego é uma questão que as empresas do setor sempre acompanham de perto, e é crucial que ele seja reduzido para termos um crescimento sustentável do setor. É um fator altamente desestimulante. O mercado imobiliário como um todo caiu de 2014 a 2017 muito porque o desemprego subiu", diz Jafet.
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Quem também espera um ano de continuidade de recuperação para o setor é a Associação Brasileira das Incorporadoras (Abrainc). Segundo o presidente da entidade, Luiz França, a expectativa é que, com o início da vacinação no Brasil, haja também o impulso que falta para que os consumidores superem por completo o medo da covid-19.
"Quando olharmos para trás, 2020 vai ser aquele ano em que os dois primeiros meses apontavam que o ano seria excelente e o mercado financiado de média e alta renda entrava em uma fase muito positiva. Até que veio a pandemia, caímos e nos recuperamos. O fato de já vislumbrarmos a vacina é o principal indicativo de que uma retomada sustentável do mercado é possível", afirma França.