Publicado 29/10/2021 20:02
A Caixa Econômica Federal pagou, nesta sexta-feira, 29, a última parcela do Bolsa Família, programa social tido como modelo mundial no combate à pobreza, criado durante o governo Lula em 2003 e extinto pelo atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O benefício que atendia mais de 14 milhões de famílias brasileiras deixará de existir após 18 anos de vigência. A criação do governo petista será sucedida pelo programa Auxílio Brasil, que entrará em vigor a partir de novembro.
Na prática, o fim do auxílio só irá se dar na próxima semana, quando a Medida Provisória 1.061, que cria o Auxílio Brasil será revogada. Porém, por conta do fim do mecanismo de transferência de renda e em meio à confusão acerca do valor do benefício, milhões de famílias já temem ficar desassistidas.
Quando deputado federal, Bolsonaro chegou a afirmar que os pobres brasileiros só serviam para uma coisa que, segundo ele, era se reproduzir: "O cara tem três, quatro, cinco, dez filhos e é problema do Estado, cara. Ele já vai viver de Bolsa Família, não vai fazer nada. Não produz bem, nem serviço. Não produz nada. Não colabora com o PIB, não faz nada. Fez oito filhos, aqueles oito filhos vão ter creche, escola, depois cota lá na frente. Para ser o que na sociedade? Para não ser nada", afirmou na época.
Em 2017, durante a festa de peão em Barretos, Bolsonaro afirmou que, se a população quisesse um candidato que fosse ampliar o Bolsa Família, era melhor procurar outro. Hoje, buscando deixar um "legado positivo", antes crítico do programa social, chegando inclusive a o chamar de "bolsa-farelo" e "voto de cabresto", Bolsonaro agora aparenta querer um Bolsa Família para chamar de seu. Mesmo diante do anúncio do novo benefício, o índice de reprovação ao seu governo se manteve acima dos 50%.
Auxílio Brasil
O governo promete ampliar o "antigo Bolsa Família" para atender cerca de 16 milhões de pessoas e fala também em um aumento de 20% no valor já pago. A grande questão é que esse auxílio tem validade somente até o fim de 2022, quando termina o primeiro mandato de Bolsonaro.
Dentro do Auxílio Brasil existirão nove modalidades diferentes de benefícios, que segundo o governo irá integrar em um só programa várias políticas públicas de assistência social, saúde, educação, emprego e renda. Outra característica fundamental é promover o desenvolvimento infantil e juvenil por intermédio de apoio financeiro a gestantes, nutrizes, crianças e adolescentes.
A iniciativa prevê medidas para inserir jovens e adultos no mercado de trabalho, articulando as políticas de assistência social com as ações de inclusão produtiva, empreendedorismo e entrada na economia formal.
Em entrevista ao O DIA, o professor de Economia da IBMEC de Belo Horizonte Paulo Casaca afirmou que o a inserção do novo programa traz muitas incertezas sobre a continuidade da existência do novo benefício. Segundo Casaca, a forma como o Auxílio Brasil vem sendo concebido é "muito amadora".
"O nível de incerteza quanto a esse programa social cresce muito. Tínhamos um programa muito bem consolidado, super eficiente e com um custo relativamente baixo em termos de participação no PIB. Um programa de sucesso estrondoso, que nesses 18 anos funcionou, e ele está sendo trocado por outro programa, que a gente não sabe ao certo qual vai ser a viabilidade financeira dele, como ele vai ser pago, até quando ele vai durar e qual que é o grau de sustentabilidade", afirmou o especialista.
O professor falou ainda sobre a falta de métricas para a definição dos valores a serem pagos. "Acredito que é importante elevar o valor que é pago, mas de toda forma ainda temos um grau de incerteza gigante na economia. Qual o valor que o presidente define? Não existe um estudo de impacto de avaliação de política pública pra saber quanto que é possível pagar nesse programa. Simplesmente o presidente fala e todo mundo tem que correr atrás desse dinheiro. É algo muito amador", completou.
Ainda segundo Casaca, a proposta é absolutamente eleitoreira, e como resultado de curto prazo do lançamento desse programa, o país já sofre com a desvalorização do real em comparação com o dólar, o que vem impactando diretamente na alta de diversos valores, como por exemplo o do combustível.
"É absolutamente eleitoreiro, tanto que a proposta de elevar o auxílio para R$ 400 vai até dezembro de 2022, por exemplo. O auxílio Brasil pode ser um programa de sucesso e tem pontos positivos, mas para mim o maior ponto negativo é a incerteza quanto à sustentabilidade... Vai fazer um estouro no orçamento. O governo não estudou uma forma para reduzir gastos para implementar o programa, o valor saiu da cabeça do presidente. Não tem estudo nenhum para saber de onde vai sair o recurso, quanto que vai ser gasto, e como resultado de curto prazo com o lançamento desse programa, tivemos a valorização do dólar, que impacta no aumento do preço do combustível, queda da bolsa e subida nas taxas de juros, por conta do aumento da incerteza com relação à economia brasileira", declarou Casaca.
Bolsa Família
Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2003, os chamados programas de distribuição de renda foram efetivamente implantados no país. Todos esses programas estavam aglomerados na chamada Rede de Proteção Social, de abrangência nacional.
Indicado pela Organização das Nações Unidas (ONU), para países em desenvolvimento, o programa consistiu em unificar programas sociais que até 2002 já existiam, e naquele momento atingiam cerca de 5 milhões de brasileiros, em programas como o Auxílio Gás, o Bolsa-escola e o Cartão Alimentação, todos vinculados a diferentes administrações.
Criado em 2003 durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o benefício enfrentou muitas dificuldades de aceitação por parte da oposição, sendo chamado diversas vezes de "esmola" e "mecanismo para compra de votos" e até mesmo de "fábrica de vagabundos", até que se tornou unanimidade no país e referência mundial no combate à fome e à extrema pobreza.
Podiam receber o benefício todas as famílias com renda de até R$ 89,00 mensais por pessoa; e famílias com renda entre R$ 89,01 e R$ 178,00 mensais por pessoa, que tenham como parte da composição familiar crianças ou adolescentes de zero a 17 anos, que se enquadrassem nas regras dispostas pelo programa.
Estagiário sob supervisão de Mário Boechat*
Leia mais
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.