Por O Dia

Rio - Há muitas décadas o Brasil é conhecido como o país do futebol, mas somente nos últimos anos a lógica do esporte em que somos pentacampeões invadiu um campo impróprio: a política. Por vários motivos, militantes e simpatizantes de partidos passaram a tratar aqueles que pensam diferente como adversários. Sumiram as discussões sobre Economia, Segurança, Saúde e Educação, para dar lugar a provocações, xingamentos e acusações. Um lado não ouve o que o outro diz. Ou pior: "Basta que alguém do partido oponente se posicione, para que o simpatizante do outro lado automaticamente seja contra, sem sequer analisar", diz Pablo Ortellado, professor de Gestão e Políticas Públicas da Universidade de São Paulo. Espera-se que os eleitores que vão às urnas hoje deixem de lado essa rivalidade e mantenham o clima de festa que marcou eleições anteriores.

É preciso que os mais de 147,3 milhões de eleitores aptos a votar tenham em mente que aqueles que escolhem um candidato diferente não são inimigos. "Cada um vota achando que está fazendo o melhor para o país, mesmo que seja de outra legenda", diz Ortellado. Apesar disso, o clima de intolerância contaminou a campanha.

A facada no candidato Jair Bolsonaro (PSL), desfechada por um lunático, no dia 6 de setembro, em Juiz de Fora, foi o ponto alto dessa escalada. Foi Bolsonaro a principal vítima do clima de ódio destes últimos meses. O candidato, no entanto, não abre mão de sua retórica violenta, e mantém como gesto simbólico a imitação de uma arma com a mão.

O ataque a faca de Adélio Bispo marcou a campanha. "O fato criou uma espécie de proteção em torno de Bolsonaro", acredita o professor Luis Miguel, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Mas a liderança do candidato do PSL não pode ser atribuída a este fato. "Os outros candidatos de direita que não decolaram".

Outra marca deste período eleitoral são as notícias falsas, que circulam pelas redes sociais para denegrir candidatos e, sem a prometida fiscalização do Tribunal Superior Eleitoral, poderão ter influência decisiva.

Para o jornalista Leonardo Sakamoto (PUC-SP), um dos criadores da plataforma www.vazafalsiane.com, ferramenta que identifica se uma notícia é verdadeira ou "bola fora", o pleito deixará um "legado preocupante". "Pois pode parir um país que não se importa em separar ficção da realidade, fatos de invenções", adverte.

Pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) apontou que 75% dos brasileiros temem que as fake news os influenciem nas urnas.

O cientista político Marcus Pessanha, lembra que o voto feminino poderá ser o fiel da balança. "Elas estão com a bola do jogo. Movimentos como o 'Ele Não', ganharam destaques", avalia, afirmando que a indignação com a falta de solução para o caso Marielle Franco, vereadora do PSOL assassinada em 14 de março, junto com o motorista Anderson Gomes, também pode ter reflexo nas urnas.

Especialista em redes sociais, o sociólogo Fábio Gomes, autor do recém-lançado livro 'Comunicação dialógica e reputação eleitoral: o percurso gerativo do voto', afirma que o uso sem precedentes da internet na campanha, fizeram desaparecer a figura do marqueteiro político. "Os candidatos perderam o domínio da comunicação. Políticos com maior tempo na TV patinaram nas pesquisas. Fecharam-se as fábricas dos antigos gurus eleitorais, dos magos de formação de votos", comenta.

Sejam quais forem os resultados, o importante é fazer prevalecer as liberdades democráticas. Esse foi o sentimento revelado na pesquisa Datafolha, que mostrou aprovação recorde dos brasileiros em relação à democracia. Na sondagem, 69% dos entrevistados disseram acreditar que o regime democrático é a melhor forma de governo para o país. Foi a maior porcentagem observada desde 1989, quando houve a primeira eleição pós ditadura militar.

Essa aprovação cria esperança de que o tom violento da campanha acabe se dissipando com o tempo. "Em alguns momentos, essa tensão foi até maior que no futebol, onde depois das discussões sobre times os oponentes vão tomar cerveja. Nessa campanha, a rivalidade foi pior, laços de amizade foram rompidos, parentes cortaram relações", lamenta o professor Pablo Ortellado. A fé na democracia, demonstrada na pesquisa Datafolha, pode ser o instrumento para que os eleitores, mais uma vez, busquem novos rumos para a nação. Que os vencedores nas urnas se esforcem para reunificar o país. Fica a torcida.

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