Por DIRLEY FERNANDES

Rio - Mais do que a liderança de Jair Bolsonaro (PSL) na primeira rodada das eleições presidenciais, os resultados expressivos dos candidatos que se ligaram ao deputado federal surpreenderam. Analistas começam a se debruçar sobre o quadro político que vai se formando. Dois dos mais importantes cientistas políticos do país falaram ao DIA em uma semana marcada por sucessivos casos de violência ligados à polarização que tomou conta do país, onde, no lugar da defesa de uma posição política ou outra de outras campanhas, o que impera é a rejeição absoluta às posições de extrema direita de Bolsonaro de um lado, ou ao PT, de outro.

"O medo já está presente na vida das pessoas", diz Cláudio Couto, cientista político da Fundação Getulio Vargas, que vê um tempo em que a "tolerância em relação ao outro" perde o valor. Já Fábio Wanderley Reis, decano dos cientistas políticos brasileiros, ligado à UFMG, acredita que poderemos ter à frente tempos "de muita regressão de conquistas que custaram muito à sociedade".

Reis, no entanto, diz que não há surpresas no caminho tomado pelo eleitor. "O que há de diferente é que a classe média, mesmo a mais instruída, abraçou a postura ultraconservadora de forma nunca vista".

'O tempo da extrema direita é esse, está presente no mundo todo'
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ODIA: Alguma surpresa com o resultado das urnas?
CLÁUDIO COUTO: No plano federal, veio como se desenhava, com algumas excentricidades. A Marina conseguiu ficar atrás de Daciolo e do candidato do Temer. Ela representa uma proposta importante, de renovação, que foi abandonada. É um resultado assombroso. Nos estados, fora do Sudeste, não houve surpresa, salvo algo no Senado... Mas os resultados mais inesperados vieram das eleições para governador em Minas, São Paulo e Rio. A gente pode explicar isso de forma elementar. O eleitorado presta atenção normalmente na eleição presidencial. E dessa vez, mais ainda, já que estava muito polarizada. Só na semana da eleição, ele começou a atentar para a questão estadual. Foi quando as tendências verdadeiras foram se desenhando.
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As pesquisas só captaram no último minuto as mudanças.
O voto só vai se resolver mesmo quando o eleitor tem alguma informação. Ele demora pra pensar. Nas pesquisas iniciais, o eleitor acaba citando um nome que ele lembra, que já conhece; a resposta ainda não está ligada à identificação ou às qualidades dos candidatos.
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E o que teve peso na decisão do eleitor?
O fator Bolsonaro. Foi isso, aliado aos debates, além dos aspectos locais. No Rio, a gente teve o caso do Romário, que não conseguiu falar lé com cré no debate da TV e deixou espaço ocupado pelo candidato (Wilson Witzel, do PSC), que colou no candidato a presidente líder. Isso se repetiu no caso do Senado (com Arolde de Oliveira, PSC). Sempre se diz que nada é mais forte do que uma ideia cujo tempo chegou. O tempo da extrema direita é esse, está presente no mundo todo, na Europa, nas Filipinas, na Turquia... Não é uma coisa limitada ao Brasil apenas.
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Não é só o antipetismo, então?
A democracia é uma política que se exerce no dia a dia. Se as pessoas começam a ficar com dúvidas da eficiência das instituições da democracia, o sistema como um todo é rechaçado. Bolsonaro é claramente um voto de rechaço à democracia. Há um rechaço específico ao PT, e muito forte. Mas em todos esses anos houve a divisão dos contra e a favor do que podemos chamar de lulismo. Só que esse sentimento cresceu para ambos os lados com todas essa situação envolvendo a prisão do Lula. Você tem o 'Lula livre', depois a candidatura do Lula, e bem posicionado. Tudo isso foi exacerbando a rejeição e jogando água no moinho do Bolsonaro. Para ele, era ótimo ter o Lula e se acreditava que quando Lula deixasse o jogo, seu oposto desidrataria. Só que ele não saiu de cena. E aí, toda a barafunda da campanha do Bolsonaro, declarações do vice, confusões com o economista, nada disso importou para o eleitor disposto a votar com ele, contra o PT.
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E falar de propostas, nada...
Não se tocou nada de propostas de governo no primeiro turno. Quem tentou, ficou para trás. Já as redes sociais tiveram peso brutal, sobretudo o WhatsApp, com um monte de grupos espalhados, incontroláveis, com uma farta produção de fake news.
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A eleição está definida?
Favas contadas não é, mas não é nada fácil para o Haddad reverter esse jogo. Se tirar oito pontos, está de volta ao jogo, nas nesse ambiente de reacionarismo em alta, de ausência do adversário nos debates que poderiam expor a fragilidade das propostas é uma tarefa bem difícil. O grande eleitor desse ano acabou sendo o Adélio Bispo. Em termos eleitorais, ele atendeu ao interesse do Bolsonaro.
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E o que esperar do novo governo e do Congresso, que foi renovado com uma feição mais conservadora?
É um congresso com 30 partidos, para começar. Superfragmentado. A bancada de direita cresceu. E com a possibilidade de fazer mudanças na Constituição, em união com partidos que estão dispostos a seguir qualquer governo.
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E qual é o perigo disso?
O meu receio é um fechamento do regime, no caso de uma vitória de Bolsonaro, diante de uma maioria muito forte no Congresso que pode lhe dar carta branca. Isso pode levar a um regime com possibilidades de restringir a liberdade de imprensa, com perseguição em universidades, estrangulamento financeiro de setores mais resistentes, escolas com doutrinação conservadora. É um risco sério que a gente corre de um cenário macarthista. Podem ser tempos muito duros, com tropas de assalto virtuais e nas ruas.
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'Há uma psicologia popular propícia a uma figura como Bolsonaro. Finalmente, apareceu'
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ODIA: O que surpreendeu ao senhor no resultado da eleição?
FÁBIO WANDERLEY DOS REIS: Essa história de surpresa é duvidosa. Alguns anos atrás, eu coordenei uma pesquisa com base em amostras de trabalhadores mineiros e paulistas na qual eu trabalhei com perguntas que envolvem temáticas com viés fascista, coisas como uso da tortura pela polícia, atuação de esquadrões da morte... Havia um apoio expressivo da população a essas práticas. O apoio à proteção dos direitos civis, por outro lado, era no nível de 18%. Uma pergunta parecia inspirada na figura do Bolsonaro. A gente questionava se as pessoas concordavam que, em vez de partidos, o Brasil precisava de um líder decidido. Havia muito apoio. Enfim, a gente tem um substrato na psicologia popular propícia a uma figura como Bolsonaro. E ela finalmente apareceu.
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O Ciro Gomes falou em onda fascista. Então, para o senhor, a tendência ao conservadorismo visto nas urnas não é só uma onda?
Não, é consistente. E explica o efeito irracional que leva a população a votar em candidatos inexpressivos que simplesmente declaram apoio a Bolsonaro. Não é nenhum exagero falar em fascismo, há camadas da população dispostas a abraçar um líder truculento.
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E o PT? Colaborou para fazer essa tendência crescer?
Após quatro mandatos na presidência, há um forte desgaste. A dinâmica de protesto que levou ao êxito do PT funciona agora para Bolsonaro. Mas veja que o apoio a ele tem muita força da classe média para cima. Há um componente de ódio de classe no antipetismo.
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As primeiras pesquisas indicam vantagem de Bolsonaro no segundo turno? Em condições normais, há chance de Haddad reverter esse quadro?
De fato, parece um quadro cristalizado. O que vejo é que o enfrentamento vai se acirrar e isso será pior após a eleição; não parece provável que a situação melhore. Os ataques estão se multiplicando. Parentes meus tiveram que retirar um adesivo do Haddad a pedido da família, porque as pessoas estão inseguras; minha neta foi perseguida na Praça Sete, no Centro de Belo Horizonte. O risco que nós corremos ainda não foi percebido pelos partidos e nem pelos meios de comunicação, que tratam os dois candidatos como sendo dois extremos opostos. São projetos bem diferentes. Infelizmente, há pouco espaço para otimismo.
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