São Paulo - A troca de chumbo grosso entre os candidatos do PT, a presidente Dilma Rousseff, e do PSDB, senador Aécio Neves, no debate desta terça-feira na Band abriu a temporada de “sangue, suor e lágrimas” que deve pautar os últimos dias de campanha do segundo turno. Os dois deixaram a cordialidade e civilidade política de lado e, no confronto sobre moralidade e gestões - a federal e a de Minas Gerais - partiram para ataques. Expressões como mentira, corrupção, nepotismo, leviandade e medo foram usadas reciprocamente e deram o elevado tom de tensão que marcará a reta final da disputa.
“O que está em jogo são quatro anos de poder e tudo o que isso significa”, diz o cientista político Carlos Melo, do Insper, prevendo que depois da eleição de 1989 - insuperável no quesito baixaria - esta será a mais competitiva e acirrada das últimas seis campanhas presidências. "A proximidade das urnas deve acirrar ainda mais os ataques", diz ele, ao observar que o desenrolar de campanha tem demonstrado que numa eleição indefinida e cheia de solavancos, Dilma demonstrou que, ameaçada, reage. Já Aécio optou pelo confronto aberto.
A senha para acionar a artilharia foi dada na semana passada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na primeira reunião com a militância para tentar retomar terreno perdido em São Paulo. “Não podemos admitir que tucano nos chame de corrupto”, disse. Logo depois, o comando petista enviou a Minas Gerais uma equipe para esmiuçar os dois governos do candidato do PSDB, Aécio Neves em busca de informações que vão além do que se sabe sobre o “Mensalão Mineiro” - origem do escândalo que colocou na cadeia ex-integrantes da cúpula petista - e supostos desvios de recursos na gestão do tucano.
O resultado se viu no debate, onde Dilma puxou para o centro de seu discurso o governo de Aécio, inclusive a novidade segundo a qual o tucano responde uma ação por improbidade administrativa por causa da obra do aeroporto de Cláudio. Além da gestão, os novos alvos preferenciais para confrontar denúncias de corrupção deverão ser o ex-governador Eduardo Azeredo e o ex-senador Clésio Andrade, dois dos principais aliados do candidato tucano, que renunciaram aos mandatos para tentar se livrar da justiça. Na avaliação de um importante integrante do comando petista ouvido pelo iG, o presidenciável do PSDB tem "telhado de vidro" e não deveria ter jogado pedra em quintal alheio, recorrendo ao "denuncismo" como principal plataforma de campanha.
Do baú de maldades serão retiradas suspeitas como o suposto envolvimento de tucanos com denúncias de corrupção originária do sistema de transporte paulista. É a história do cartel dos Siemens/Alstom requentada, que voltará à tona, conectada a episódios que marcaram a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1994/2002) e dos últimos 20 anos da gestão do PSDB em São Paulo. Dilma acrescentou, durante o debate, suspeitas de corrupção supostamente ocorridas no governo FHC, como os casos Sivan, as denúncias sobre compra de votos para aprovação da emenda da reeleição e o da Pasta Rosa, que pouca gente lembra de que se tratam.
Como o principal embate se dará na capital paulista, a gestão do governador reeleito, Geraldo Alckmin, e seus problemas - crise hídrica, segurança pública, perda de controle dos presídios e corrupção - voltará à agenda com força e tonalidade nacional.
"Militante que acredita em manchetes e pesquisas, e não vai às ruas, não ganha eleição", disse o candidato derrotado ao governo paulista, o ex-ministro Alexandre Padilha. O presidente do PT, Rui Falcão, avisou que o partido não irá se guiar pelos institutos de pesquisa e deu mais uma dica do que vem pela frente:
"Eles não têm moral para chamar petista de corrupto. Mexeu com um petista, mexeu com todos nós", acrescentou Falcão, para informar que o PT vai puxar a "capivara" (prontuário na gíria policial) que explicará "quem é esse rapaz".
Arsenal tucano
No confronto moral, o PT está mais vulnerável. Favorecido pelas investigações sobre o escândalo da Petrobras, o comando tucano e marqueteiros de Aécio querem tirar o máximo proveito das devastadoras revelações do ex-diretor da estatal, Paulo Roberto Costa.
O objetivo é colar na candidata do PT o rótulo da corrupção, procurando mostrar que ela sabia (ou deveria saber) dos desmandos na Petrobras. Aécio continuará batendo na tecla segundo a qual o governo nada fez para estancar o fluxo de malfeitos que, segundo Costa, abasteceram os partidos da base (PT, PMDB e PP) e a própria campanha presidencial de 2010. “Seu governo é um mar de lama”, acusou Aécio durante o debate da Band, ressuscitando a expressão que Carlos Lacerda usou como mantra, 60 anos atrás, na onda que levou ao suicídio de Getúlio Vargas.
Explorando uma suposta fadiga de 12 anos de poder no plano federal, o PSDB quer transformar em bola de neve a onda anti-PT, que no primeiro turno fez a diferença a favor de seus candidatos em São Paulo. Mas quer também reviver episódios como a prisão da cúpula do PT no caso do Mensalão e outros escândalos ocorridos nos governos Lula e Dilma.
São episódios como as operações Navalha, Sanguessuga, Xeque-Mate - que devassou a residência do irmão do ex-presidente, Genival Inácio da Silva, o Vavá, que acabou não sendo indiciado - e a Porto Seguro, que derrubou do comando do escritório da Presidência da República em São Paulo a secretária Rosemary Noronha, amiga de Lula na gestão de Dilma.
Nas questões administrativas, por sugestão dos marqueteiros, Aécio ainda deve bater no “aparelhamento” de empresas estatais e das agências reguladoras, e na “overdose” de ministérios (39) destinados a contemplar os partidos da base aliada do governo. Aécio também continuará atacando o baixo crescimento econômico e uma das maiores vitrines do governo do PT, o Bolsa Família, que durante o debate alimentou uma guerra pela paternidade. Aécio disse que há no programa o DNA tucano: o pai é FHC e a mãe, dona Ruth Cardoso. Dilma ironizou, afirmando que o adversário extrapolou todos os limites da realidade e partiu para a lenda e a fabulação. “O programa não tem parentesco com os tucanos”, alfinetou.
A metralhadora giratória armada nas duas campanhas - com a volta dos dossiês, devassas, acusações, insinuações, deturpações e manipulações - sugere que a disputa será das mais acirradas desde 1994, quando os dois partidos passaram a polarizar as eleições presidenciais.
Reportagem de Vasconcelos Quadros